Em entrevista à Rede Globo, Fred reforçou o que já havia declarado via Facebook em respeito à violência de algumas torcidas organizadas. O atacante do Fluminense fez muitas críticas às facções e também falou sobre o momento da equipe na chegada de Cristóvão, sua relação com os tricolores e mais.
Veja aqui a íntegra:
O que precisa ser feito agora?
Fred: Eu tenho certeza que agora todo mundo tem que abraçar essa causa. Todos os jogadores, os técnicos que também formam opinião, torcedores, autoridades e vocês da imprensa para que seja o início do fim. Para acabar com essa violência porque o futebol é alegria. Vivenciei momentos marcantes e momentos de violência, de selvageria e de terrorismo mesmo… Passei aqui no Fluminense em 2009, onde a torcida invadiu o nosso treino, passei também lá no estádio contra o Coritiba, naquela final que a gente não caiu em 2009, passei em 2011… Grupos aí me perseguindo. Para mim, era muito cômodo, estou bem resolvido, não vou dar minha cara à tapa, mas nós estamos sentindo isso na pele há muito tempo. Quem não se lembra daquela Copa São Paulo de Futebol Júnior onde a gente via um agredindo o outro do nada, onde houve mortes. Teve agora lá no Paraná, teve com a gente no Fluminense. O que eu quero deixar bem claro é que isso é um problema crônico do Brasil, não é um problema aqui só do Fluminense ou só com o Fred. E todo mundo tem que abraçar essa causa.
Como você se sente que até agora nenhum jogador se manifestou a seu favor?
Na verdade, o jogador tem um pouco de receio porque você comprar uma briga com essa torcida, com esses vândalos, esse pessoal não tem rosto, não tem cara, apesar de alguns serem conhecidos não só pelos jogadores mas também pela Justiça. Mas você não sabe onde eles estão, se eles vão te acompanhar, quem é aquele grupo, aquela facção, contra quem que você está brigando. Eu sei contra quem eu estou brigando. Contra a violência, contra a morte, contra um dar porrada no outro por nada, por causa de um resultado. E eu sei que isso é a minoria, é um por cento. Não pode torcedores irem ao treino, torcedores entre aspas, e ficarem te xingando, ficar falando número de telefone de alguns jogadores, ameaçando, mandando mensagem… Eu sou um cara que não consigo ver meu grupo sofrendo. Eu vi isso tudo, guardei para mim e aí tive a atitude de deixar bem claro, mostrar minha insatisfação e comprar essa briga contra a violência no futebol, no esporte. Porque é uma coisa que está afastando as pessoas do bem, está afastando casal de namorados, está afastando as crianças do estádio. Isso aí é uma perda muito grande e vai passando o tempo e está ficando tão normal que daqui a pouco vira uma coisa comum no futebol. E a gente não pode aceitar isso. O Fluminense é muito maior do que o Fred, do que o Conca, do que todos os ídolos que já passaram juntos. O Fluminense é maior do que tudo isso e o que faz o Fluminense ser grande é a torcida. Essa verdadeira torcida, do bem, educada, bacana.
Você já deu dinheiro para as torcidas organizadas?
Não.
Já pediram dinheiro para você?
Já, eu nunca dei. Eu nunca vou dar. Já me pediram grana, já pediram também para pagar ônibus para elas, e eu sempre deixei bem claro que isso eu não ia fazer nunca, sou contra. Sou contra jogadores que fazem isso. Acho que hoje acabou muito isso.
Mas muitos jogadores fazem? Dão dinheiro para as torcidas organizadas?
A gente ouve falar. Hoje acho que é mais difícil, mas o que a gente sabe é que tem muitas diretorias que, às vezes, dão espaço para torcida entrar em treino para conversar, cobrar com jogador, e isso eu nunca aceito, nunca vou aceitar. Inclusive aqui no Fluminense teve isso já algumas vezes. Teve ano passado, só que eu não estava. Enquanto eu estiver não vou aceitar porque acho que não é o direito da torcida entrar lá para cobrar no meio do campo e conversar com jogadores. Lugar de torcedor é no estádio, cobrando, alegrando motivando…
A diretoria do Fluminense dá dinheiro para torcidas organizadas. O que você acha disso?
Eu sou completamente contra. E o presidente Peter e o vice Ricardo Tenório vieram conversar comigo sobre isso, falando que eles estavam estudando uma solução para o problema. Também gostariam de uma ajuda maior de todo mundo por fora das autoridades, para ver uma lei onde proibisse o clube a dar ingresso. Acho que primeiro tem que partir dá gente. Acho muito bonito a diretoria do Cruzeiro, tomou aquela atitude de cortar qualquer tipo de relação, qualquer tipo de boa vida para torcedores que foram lá para brigar. Teve morte também em Minas. Torço tanto para que apareça mais diretorias daquele perfil. Sei que na nossa diretoria são pessoas do bem, só que quando eles entraram já acontecia isso. Mas para mudar você tem que fazer. Todas as diretorias têm que cortar esse elo com o torcedor.
Você já teve medo de morrer?
Eu passei uma situação em 2011, em 2009 também, muito grave. E ali eu tive medo, tive vontade de sair do Fluminense. Em 2009, para conter esse grupo de torcedores, teve que acontecer um tiro de um segurança de um jogador para o alto. Nesses cinco anos de Brasil, eu me assustei. Em 2009 senti na pele, em 2011 fui perseguido, a partir daquele momento eu pensei em sair do Fluminense e senti medo. Senti medo de sair, me senti acuado, pressionado. E não só refletiu em mim, refletiu no grupo inteiro. E seria muito mais cômodo eu pegar as minhas coisinhas, tenho mercado fora em qualquer outro clube. Então eu vou trazer uma proposta e vou embora. Não, eu não vou ser covarde para isso. Vou ficar, vou jogar com o mesmo amor que eu jogo pelo Fluminense, às vezes muito bem, às vezes muito mal… Mas o que vai ficar é esse comprometimento não só com o clube, mas para o futebol brasileiro. Nós temos que deixar um legado bacana para o futebol. Não podemos achar que é normal esse tipo de comportamento, esse tipo de violência, porque está acontecendo. E aí nós vamos ver o quê? Quantas mortes no estádio, nos arredores. Toda vez que eu faço minha oração antes de ir para os jogos, eu peço a Deus para me livrar de todo o mal. Livrar o nosso time e os adversários também. Eu complemento pedindo para que Deus proteja o estádio e os arredores porque está tão perigoso. Em clássico, eu penso muito para levar minha filha. O maior desejo quando eu era moleque era quando eu tiver meus filhos, eles vão entrar comigo em campo e eles vão estar na arquibancada para eu mandar coração para eles, mandar beijo. Eu gostaria, era meu sonho. E hoje, será que os pais que amam seus filhos, que amam suas famílias, que é uma pessoa do bem, têm essa segurança? O que que vai acontecer com essas pessoas do bem na saída do estádio? O pessoal que canta o dia inteiro quando a outra torcida quer protestar? Eles vão ser coagidos por esse grupo de torcedores? “Ah, não pode apoiar porque o time não está ganhando, não pode porque tem que vaiar esse e esse, porque senão vai ter porrada”. Olha o nível que nós chegamos.
Reações contra o Horizonte
Cabeceei uma bola na trave, quando eu ergui a cabeça, vi torcedores para mim: “Calma, calma, você vai fazer o seu, você merece”. Eu me senti o pior peladeiro que todo mundo queria ver você fazendo gol. Sabe quando você está batendo uma pelada, você é o pior da pelada e todo mundo fala: “Dá a bola para ele fazer o gol dele”. Meu time inteiro querendo que eu fizesse o gol. “Calma, você vai fazer o gol”. Eu vi o Conca falando para o Walter: “Oh, toca a bola para o Fred”. Vi o Wellington entrando falando assim: “Oh, fica aí que você vai fazer o seu”. Eu vi o Wagner falando para mim: “Calma, eu vou tocar para você fazer um gol”. E quando eu cabeceei essa bola na trave, eu vi o torcedor pedindo isso para mim, eu vi o carinho de todo mundo, eu vi que futebol tem pessoas do bem. Aquilo me emocionou. Quando entrei no vestiário, vi um presidente emocionado, todos os meus companheiros emocionados. As coisas vão melhorar, o bem vai vencer. Isso que é bacana, isso realmente deixa a gente emocionado. Não foi porque eu precisava fazer o gol, foi pela briga que eu comprei.
Episódio do carro cercado por torcedores
Quando eu saí, apareceu cerca de trinta torcedores xingando e dando tapa no vidro, dando bico no carro. Tinha quatro seguranças tentando conter. Naquilo, cara, só consegui melhorar mesmo aqui na minha casa. Eu cheguei numa pilha. E naquela situação, meio que na reação, eu não acelerei neles, mas fiquei sem o que fazer e deixei o carro ir. E ali na saída nós estamos numa avenida, né? Vinha um caminhão e freou bem perto. Eu assustei com aquele tipo de coisa. E aí passou o filme inteiro na minha cabeça de tudo o que eu vivi. Já é a quarta vez na semana que eles aparecem, daqui a pouco eles estão entrando em vestiário. E uma semana antes um torcedor entrou no nosso vestiário e não encontrou a gente, só encontrou alguma molecada da base. A partir dali, falei: “Opa, o negócio está começando a piorar”. Conversei com a diretoria para ser mais severa nessa punição, nessa proteção, nessa blindagem para nós jogadores. No Brasil, já virou uma coisa assim, pressionar o jogador vai render mais. O torcedor vê isso como, “ah, tem que pegar, dar porrada, senão eles vão ficar lá acomodados, ganhando salário grande e não fazem nada”. Não existe isso. O jogador quer sempre estar bem, quer sempre ganhar, quer estar sempre no seu auge. Só que tem mentira que contada várias vezes acaba virando verdade. Aí daqui a pouco tem um grupo que fala: “Ah, o Fred está se poupando para jogar a Copa”; “ah, o Fred está tirando o pé”… Como, se eu preciso do meu clube? Quem paga meu salário é o clube. Quanto mais títulos do time, mais valorização, mais tranquilidade em casa. Mais sossego para você pegar sua família e ir jantar. Ir à praia quando está perdendo, você não pode fazer isso. O que tenho mais medo é de alguma covardia, alguma maldade. Peço a Deus para que me proteja, porque eu tenho medo de estar saindo aqui com minha filha e um grupo de seis, sete, pegar e fazer alguma maldade. “Ah, você fez aquilo, você foi contra a gente”. Porque hoje, algumas torcidas organizadas, alguns grupos, algumas facções vivem disso. Tem grana por trás. Alguns conseguem até cargos políticos. Isso é perigoso, eu estou mexendo numa coisa séria. Fico com medo disso. Mas não vou me acovardar. Não tem como eu simplesmente falar: “Estou tranquilo, resolvido, o futebol já me deu tudo mesmo, agora estou sossegado”. Não vou me calar. Vou continuar brigando por um futebol feliz porque, quando eu parar de jogar, quero pegar meus filhos e levar para ver jogo do Fluminense, sentar na arquibancada com alegria, cantar as músicas… Eu quero fazer isso.
E quando você encontra torcedores por exemplo de Flamengo, Vasco e Botafogo?
Só carinho. O que eu mais vejo é torcedor flamenguista chegando em mim: “Fred, não sou tricolor, mas posso pegar na sua mão?” Outro: “Admiro você como jogador, como homem, mas pega leve, não faz gol no meu Vascão”. Ou: “Tira uma foto aqui para mim, meu namorado é seu fã, minha mãe te adora”… Sei que meu torcedor me ama, sei que o torcedor tem um carinho muito grande, mesmo nas adversidades. No Fluminense eu tive momentos marcantes, bons mas também ruins, de contusões. Mas a pequena parte que eu pude contribuir nesses cinco anos que estou no clube, a torcida tem um carinho muito grande por mim.
Manifesto da torcida
– Em momento algum eu sou covarde, sou mal caráter, não tenho esse tipo de problema de comportamento graças a Deus. Covardia a gente vê da parte deles. Se tiver uma torcida que canta, e eles tiverem vaiando alguém, a torcida cantar: “Vamos Nense”. Ou cantar a minha música. Eles vão tentar, e a outra torcida vai ser coagida. Vai ter problema fora de campo, dentro de campo. As pessoas do bem que cantam, que vão lá, o grupo que se reúne do bem vai ter problema. E isso sim que é covardia. Você ser um pouco maior e querer brigar, agredir um outro torcedor da sua própria equipe. E a gente vê esse tipo de covardia dentro da nossa torcida. Dentro da torcida do Brasil inteiro. Em São Paulo, em Minas, no Sul… Qualquer lugar. Isso sim é covardia!
Sobre a invasão de torcedores no treino do Corinthians
Você imagina a cabeça dos jogadores, sofrendo com aquilo que que eles iam fazer. Eles tiveram que jogar três dias depois. Não existe mais o “vamos pressionar que vai melhorar, vamos botar terror”. Eu sou completamente contra torcida ir para xingar jogador, ameaçar jogador na hora de trabalho. Local de torcedor é no estádio, lá eles podem fazer o que eles quiserem desde que não tenha violência, covardia, confusão. Quem não está satisfeito com o time tem o direito de vaiar. Não é o melhor dos comportamentos, mas tem o direito. Até nas finais desse Carioca, o nosso time estava tentando, lutando, e vi o Walter correndo que nem um maluco, que não é característica nossa. A gente correndo que nem um maluco, mas correndo errado. Então não teve esse negócio de “ah, ninguém quis nada”. O Cristóvão falou assim para a gente: “Fred, uma coisa que me chamou atenção no primeiro treino aqui, vocês estão insatisfeitos com a situação do clube”. Nós jogadores estamos insatisfeitos com isso, nós estamos acostumados a brigar lá em cima. Então não é porque você não está brigando por título ou não está na Libertadores que você é muito ruim.