Pode parecer estranho escrever um texto que especula sobre a honestidade intelectual dos debates nas redes sociais usando uma ferramenta virtual. É mesmo estranho, mas quem disse que a verdade estranha não é essencialmente verdade?
Muitos já escreveram e refletiram sobre os efeitos nocivos das redes sociais na verdade dos fatos, no que se consagrou chamar de pós-verdade. Outros – e nesses outros se incluem intelectuais de peso – chamaram atenção para o fato de as redes sociais darem voz e influência a cretinos. Sorte que, na contramão dos que celebram as verdades das redes em rito de oráculo, a verdade dos fatos é muito mais complexa que o impulso instantâneo derramado em cento e quarenta caracteres. A verdade das redes é a verdade de nichos. Protegemo-nos higienicamente adicionando ao nosso pseudo-universo perfis que agem e pensam como nós, e daí partimos para a aventura desonesta de se considerar a opinião de nicho como a tendência da opinião das massas. No ambiente virtual as sensações se amplificam por falsas tendências, e aí mora um perigo mortal.
Outro consequência nociva das redes é o fim da argumentação metódica e o sepultamento da divergência plural. Não é raro ideias complexas serem resumidas a verbetes de ideia pela incapacidade física das mídias sociais de maior audiência, ou, mais grave, pela impaciência dos leitores, incapazes de dedicar mais que trinta segundos para entender o que pensamos. Na histeria participativa estimulada pela cultura do instantâneo, apenas os debates que representem contradição dialética, opositiva, ganham vez e voz. Não há lugar para a convergência de múltiplas opiniões. É um contra o outro, opostos, uma opinião negando a outra, fechadas nesse ciclo intelectualmente limitado, pobre.
É nesse ambiente passional e limitado que se dão as grandes discussões que pensamos representar o todo, mas que do todo guardam profilática distância. Temas como política, futebol, religião, ideologia, novas crenças e valores, são debatidos em clima de Fla x Flu, com ideias sendo rebatidas pela negação opositiva dessas ideias. Tudo isso com ânimos exaltados em 140 caracteres.
E o Fluminense, o que tem a ver com isso? Eu diria: muita coisa.
Eu defendo a ideia de que as redes sociais, por representarem verdades de nichos, afastaram muitos clubes de suas tradições, e contaminaram perigosamente sua relação com os torcedores. Os dirigentes que supervalorizam a verdade das redes aceitando por verdadeiras as tendências das discussões nesses ambientes produziram erros monumentais. Os milhões de torcedores que se expressam por suas trocas sociais (família, trabalho, botecos, escolas, rua) estão tão próximos das verdades das redes como as estrelas do chão. Não foi por outro motivo que os atuais gestores do Fluminense erraram tanto. O grupo que tomou o poder no clube é basicamente originário das discussões dos fóruns virtuais. Nessas discussões, fechadas em grupos de acesso restrito, não cabe nenhuma verdade que se oponha à verdade deles. E quando se abrem para o espaço aberto, se abrem em ações de combate estratégico a tudo que se lhes opõem. O Fluminense paga hoje um preço muito caro por ter se afastado do sentimento de seus milhões de torcedores. Estes, por excluídos no plano decisório do clube, não reagem a convocações de catequese internética.
O que impele o torcedor é a paixão. Se há um negócio onde as regras convencionais de gestão não se aplicam ortodoxamente, esse é o futebol. O torcedor é fidelizado pela paixão, quer se dar ao clube pelo que o clube representa pra ele. Pelo que interfere em sua vida familiar, profissional, etc. Todos querem um Fluminense que expresse a verdade de seu imenso coletivo, e não o frisson de ideias instantâneas. Fácil lembrar o quanto houve de interação entre torcida e time nos anos em que ganhamos títulos de forma consistente.
Só há um caminho para que o Fluminense volte a integrar o pequeno colégio de clubes que entram em todas as competições para disputar o título: investir no futebol, trazer para o repertório das decisões estratégicas o sentimento dominante entre seus milhões de torcedores, que é simplesmente ter um Fluminense à altura de suas tradições e história. Um Fluminense vencedor.