Amigos, qualquer instituição centenária vive, inevitavelmente, dias melancólicos como o de hoje. É impossível sobreviver um século sem enfrentar percalços – afinal, eles são parte da vida humana.
Abel, nosso ídolo, nossa fortaleza, o segundo ou terceiro homem que mais vezes comandou nosso time profissional, o treinador de nosso último título de expressão, hoje vive a maior dor possível – terá que sepultar João Pedro, um filho tão jovem, numa abjeta inversão da ordem natural das coisas.
Naturalmente, o Fluminense já viveu dias parecidos. Em 1918, nossos predecessores tiveram que se despedir de Archibald French, o atacante inglês oriundo do Bangu, que vinha colaborando com seus gols para a conquista do bicampeonato – ele foi uma das milhares de vítimas da terrível epidemia de gripe que assolou o Rio de Janeiro. Em 1930, foi Jorge Tavares Py, o formidável zagueiro gaúcho, que faleceu, no acidente com o trem que trazia o time de volta de Teresópolis. Em 1972, Ari Ercílio, outro beque gaúcho, foi pescar na beira da estrada para a Barra da Tijuca, e não voltou mais. French, Py e Ari Ercílio, três almas que deixaram nosso convívio antes da hora.
Entretanto, o dia que mais se assemelha com a tragédia de hoje foi o melancólico 1º de outubro de 1922. Nosso bairro viveu ali o mais triste contraste: enquanto a multidão chegava a Laranjeiras para assistir ao Brasil x Uruguai pelo Campeonato Sul-Americano, no nosso estádio, o corpo de Emmanuel Coelho Netto, o Mano, era conduzido ao cemitério de São João Baptista, em Botafogo, em um emocionante cortejo com duzentos automóveis.
Semanas antes, em uma partida pelo Campeonato Carioca, Mano, que jogava pelo time principal desde 1917, sofrera um choque violento, e saíra de campo para ser atendido. Apesar das fortes dores, ele voltara ao gramado para não prejudicar o time, porque substituições não eram permitidas, e permanecera em campo até o fim do jogo. Em decorrência do choque, Mano teve uma hemorragia interna, com complicações que acabaram por matá-lo.
Mano era irmão mais velho de Preguinho, e filho do escritor Henrique Maximiano Coelho Netto (o fundador da cadeira número 2 da Academia Brasileira de Letras, um adepto tão entusiasmado do Fluminense que, certa vez, em 1916, invadiu o gramado para escorraçar um árbitro que estava beneficiando o Flamengo). Seu filho Mano era um imenso orgulho – afinal, defendia em campo, com seu suor, a paixão alucinante do pai.
Pois então: os tricolores de 1922 tiveram que levar o corpo de Mano à sua sepultura, e ainda consolar seu pai, seus irmãos, sua família toda, que era parte indissociável do próprio Fluminense. Uma cena tristíssima, que se gravou nas almas tricolores para todo o sempre. Preguinho, o irmão sete anos mais novo, jamais esqueceu o carinho dos tricolores com sua família naquele dia. Talvez por isso tenha dedicado sua vida inteira ao clube, tornando-se o grande mito que foi.
Vamos oferecer hoje à família Braga o mesmo carinho que nossos antecessores deram aos Coelho Netto, lá em 1922?
Força, Abel. Estamos juntos.