Em texto publicado no portal GE, o jornalista Carlos Eduardo Mansur avaliou a final da Copa do Mundo de Clubes entre Fluminense e Manchester City (ING). Os times medem forças nesta sexta-feira (22), às 15h (de Brasília), na Arábia Saudita. Na opinião do comentarista, caso conquiste o título, a equipe de Fernando Diniz realizará uma façanha difícil de dimensionar e contextualiza o abismo financeiro entre sul-americanos e europeus. Confira na íntegra:
No dia em que o Fluminense pode escrever a página mais espetacular de seus 121 anos, é tentador examinar que lugar um triunfo tricolor sobre o Manchester City teria na história das conquistas internacionais de clubes brasileiros. Das mudanças que o futebol sofreu ao longo das décadas, afetando a correlação de forças entre os continentes, passando pelas alterações de formatos dos torneios e chegando às memórias afetivas que cada título gerou, é impossível hierarquizar taças.
Mas há um raciocínio que permite dar a dimensão do que uma vitória na Arábia Saudita representaria. Dos primeiros confrontos intercontinentais nos anos 60, que opunham o campeão europeu ao sul-americano, até os anos anteriores à criação do atual Mundial de Clubes da Fifa, era possível dizer que os grandes times da América do Sul eram parte de uma elite mundial. Aquelas decisões reuniam talentos de primeira grandeza dos dois lados.
A criação do novo Mundial em 2004 encontra uma sociedade em plena marcha da globalização, mas que via sua manifestação no ecossistema do futebol internacional exibindo os primeiros efeitos: a concentração de riqueza. O fato é que a globalização não parou, não freou. E, com ela, avançou o processo de ampliação dos abismos econômicos. Os superclubes da Europa, alimentando-se também dos principais craques sul-americanos, foram se transformando em pequenas seleções mundiais, a ponto de serem os atuais vencedores das últimas dez Copas do Mundo de Clubes. Mas não parou aí.
Aos poucos, um novo modelo de time de futebol transformado em corporação transnacional surgiu para abalar o mercado: os clubes propriedades de estados nacionais. E, neste universo, não há projeto mais emblemático do que o Manchester City.
É contra isso que o Fluminense vai jogar. Mas não contra apenas isso. Nesta sexta-feira, do outro lado do campo estará uma construção que consumiu bilhões de reais dos Emirados Árabes, a sexta maior reserva de petróleo do mundo. Do outro lado, estará um meticuloso planejamento de dominação do futebol, que tem como peça central o homem que revolucionou o jogo nas últimas décadas: Pep Guardiola. Estará o time que, em maio, fez o Real Madrid parecer uma equipe de segunda categoria, submetido a 90 minutos de sufocamento e um futebol sublime. Estará o campeão de um continente que não perde o Mundial de Clubes há 10 anos.
O jogo contra os europeus foi se tornando mais e mais pesado. Não seria diferente para o Fluminense, cujo elenco está longe de ser barato, mas tampouco ocupa o topo da pirâmide econômica do futebol brasileiro. Este Fluminense desafia as probabilidades ao reunir sete titulares acima dos 33 anos, prova de como Fernando Diniz desafia crença, mas também de que este é um clube que lida com limitações no mercado. O nome de grande repercussão global deste elenco, Marcelo, retornou aos 35 anos, para acrescentar talento mas, também, preocupações com seu físico.
Caso consiga interromper a sequência de taças europeias, este Fluminense terá realizado uma façanha brutal, difícil de dimensionar. Não será simples encontrar, ao longo da história, um feito tão impactante quando se leva em conta o contexto, uma era de disparidades profundas. Não fossem os desfalques do Manchester City, talvez fosse possível cravar sem medo que esta seria a mais impressionante vitória de um clube do Brasil num Mundial de Clubes. Mas mesmo as ausências do time inglês – chamado de inglês por uma mera questão da localização geográfica de seu estádio – não parecem anular o impacto que teria uma vitória tricolor nesta tarde.
Não é simples, não parece o resultado mais provável. Mas, com ou sem ele, o Fluminense terá muitos motivos para se orgulhar de seu 2023. Porque foi protagonizado por este time, em seus jogos mais notáveis do ano, boa parte dos melhores momentos de futebol que se viu no país na temporada. E foi com seu jeito autoral que o tricolor chegou à Arábia Saudita e arrancou de Guardiola referências das mais respeitosas.
“Temos que ser precisos, aceitar que eles jogam de um jeito que nunca enfrentamos”, disse ele na coletiva. O mundo global tornou o futebol jogado na elite europeia uma influência que moldou o jogo mundo afora. A excepcionalidade é um símbolo da coragem deste Fluminense. Não há estilo que assegure resultado, mas será simbólico ver, no maior palco e diante do maior dos desafios, o tricolor exibindo sua identidade de jogo. O 2023 do Fluminense merecia um que a cena final fosse um jogo deste porte.