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Marcelo deixou Fluminense após discussão com o técnico Mano Menezes (Foto: Lucas Merçon - FFC)

A abrupta saída de Marcelo do Fluminense após desentendimento com o técnico Mano Menezes ganhou enorme repercussão e segue rendendo. Em sua coluna no jornal O Globo, o jornalista Marcelo Barreto opinou a respeito do assunto. Na visão do jornalista, por mais que possa ter sido o último episódio da carreira do lateral-esquerdo, o desligamento polêmico do clube das Laranjeiras não define quem é o jogador.

Confira abaixo a íntegra do texto publicado pelo apresentador do SporTV em sua coluna no veículo:

 
 
 

“O desentendimento entre Marcelo e Mano Menezes à beira do campo na sexta-feira suscitou uma série de perguntas. O que um disse para o outro, exatamente? Quem tem razão? Havia precedentes para que o caldo entornasse? O clube agiu corretamente ao manter o treinador e desligar o jogador? Ao longo do sábado, houve quem buscasse as respostas e quem manifestasse a certeza de que já as tinha. Eu passei o dia pensando que faltou um questionamento importante: e se aquele tiver sido o último ato da carreira de Marcelo?

No futebol, como em outros esportes, buscamos os momentos emblemáticos. E, como efeito colateral, a grande vitória ou a grande derrota acabam definindo a memória que temos de um atleta, um treinador, um time. Há casos em que, de fato, as duas coisas andam juntas: nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972, Mark Spitz pendurou sete medalhas de ouro no peito, fez com elas uma foto inesquecível (num documentário lançado recentemente, conta que teve de grudá-las com cola para que todas aparecessem)… E encerrou a carreira de nadador. Seria ainda mais definitivo se seu recorde se mantivesse, mas depois dele veio Michael Phelps, que ganhou oito ouros em Pequim-2008… E continuou nadando até a Rio-2016.

O esporte, como a vida, trata tanto de continuidade quanto de interrupção. Na arte, a forma de contar histórias alterna entre uma e outra. O cinema americano é mais voltado para um arco narrativo que remete a uma cena final apoteótica ou explicativa; o francês, muitas vezes, simplesmente interrompe a narração num momento em que falta muito para resolver — caso de “Noites de Paris”, filme de 2022 em que a personagem de Charlotte Gainsbourg ouve uma canção de Joe Dassin com a pergunta “E se você não existisse? Me diga por que eu existiria”. Na literatura, há casos de livros que começam do fim: “No dia em que iam matá-lo, Santiago Nasar acordou às cinco e meia da manhã”, escreve Gabriel García Márquez em “Crônica de uma morte anunciada”. Em “A mais recôndita memória dos homens”, sucesso mais recente do senegalês Mohamed Mbougar Sarr, o protagonista encerra uma busca de mais de 50 anos — alerta de spoiler! — voltando a seu país natal para morrer de velhice.

Vocês da imprensa contam histórias que ainda não acabaram, que vão se desenvolvendo diante dos nossos olhos enquanto são contadas. Por isso, muitas vezes, nossos colegas narradores sucumbem à tentação de decretar como “históóóórico!!!!” algo que a História ainda não decidiu se vai para as páginas de seus livros ou para sua lata de lixo. E mesmo que aquele momento de fato fique na memória, terá de disputar espaço com outros — eventualmente protagonizados pelo mesmo personagem. Felipão é o treinador campeão mundial de 2002 ou o derrotado no 7 a 1? As duas coisas, entre as muitas outras que fez na carreira, desde que ganhou uma Copa do Brasil pelo Criciúma e passamos a prestar atenção nele.

Marcelo também estava no 7 a 1. Naquela mesma Copa, fez um gol contra. Antes e depois dela, foi multicampeão, ídolo e capitão do Real Madrid. Voltou ao Fluminense para conquistar a Libertadores. Brigou com Mano e foi mandado embora. O que o define — como jogador, como pessoa? Tudo isso e muito mais. O que aconteceu na sexta-feira foi mais um capítulo, talvez sequer o último, de uma história que ainda estamos contando.”