Então ficamos assim: Levir Culpi chegou, brigou com Diego Souza, com Fred, se livrou dos dois, contratou Maranhão, Dudu, William Matheus e Ceifador – e após o empate com o Ypiranga de Erechim ameaçou pedir as contas? É isso mesmo? Esse é o estilo de liderança do nosso treinador? Quando o time está na pior, culpa os jogadores que não o obedecem, a torcida que não comparece a péssimos jogos num péssimo estádio e faz chantagem de pedir o boné? E faço mais uma pergunta, neste parágrafo cheio de perguntas: será assim a reta final de dois mandatos presidenciais que pretendiam transformar o Fluminense num exemplo de gestão para o futebol brasileiro?
Percebam, por favor, que eu não estou aqui defendendo – como alguns enfurecidos das redes sociais chegaram a acusar – a ruptura da torcida com o clube. Muito pelo contrário. Considero um imbecil qualquer energúmeno que se atreva a vilipendiar a sagrada sede do nosso clube com pichações e outros atos de vandalismo. Da mesma forma, considero pouco inteligente a tática de vaiar e perseguir jogadores como estratégia para melhorar sua performance. Nós não trabalharíamos melhor se nossos chefes apedrejassem nossos carros, e por que seria diferente com um atleta profissional? Tenho algumas décadas de arquibancada e cobertura esportiva e posso afirmar: quase nunca vi isso dar certo. De cada dez vezes que vi um time ameaçado pelo rebaixamento ser perseguido pela fúria da torcida, em nove o desfecho foi o rebaixamento. E absolutamente todas as ocasiões em que vi um técnico culpar o elenco pela queda de produção do time, o resultado imediato foi uma queda ainda maior de produção. Porque, não se iludam, é sempre possível piorar. Hoje, ainda estamos jogando um pouco melhor do que o América Mineiro e o Santa Cruz. Mas, com um ambiente caótico por falta de pulso do comando do futebol, um presidente que não conhece as manhas do vestiário, um técnico metido a engraçado e que usa o humor cáustico para minar o elenco, além de grupos de falsos torcedores apedrejando o ônibus do time, é quase certeza de que seremos ultrapassados em breve por essas equipes limitadíssimas, que me davam a ilusão de serem uma garantia de que não cairíamos.
Confesso que não entendi por que Peter apostou o seu legado em duas pessoas recém-chegadas às suas posições e sem currículos tão espetaculares assim. Estou falando do o vice-presidente de futebol, André Sá, e do técnico Levir Culpi. Sá foi nomeado por ser amigo de Peter, uma pessoa de confiança e sem viés político, algo que o presidente disse considerar fundamental num ano eleitoral (como se alguma coisa feita num clube de futebol no Brasil não tenha viés político, ainda mais em época de eleições). Desculpem, mas fundamental mesmo seria colocar à frente do futebol alguém que tenha muita experiência em futebol – ou estarei delirando? Nada tenho contra Sá, além do fato dele não ser do ramo. Para comandar o futebol, de nada valem diplomas e MBAs. Tem que saber negociar bicho, fazer divisão de premiação, assinar bons contratos, lidar com empresários (normalmente picaretas), administrar pressões de grupos de jogadores, conhecer suas manhas, seus esquemas, suas panelas de jovens e veteranos, de evangélicos e boêmios, de alcaguetes e traidores, entre dezenas de outras coisas. Jorge Macedo, o gestor que Sá escolheu para a tarefa, ainda não tem um currículo de grandes títulos nem se provou capaz de administrar panelas de pressão com a complexidade desse Fluminense pós-Unimed.
André Sá não entende desses assuntos de bastidores do futebol e eu faço questão de frisar: isso não representa qualquer demérito para a sua pessoa. A culpa não é dele, e sim de quem o escolheu para uma função que não domina, ainda mais em um momento de crise. Eu mesmo, que acompanho futebol há bastante tempo, seria absolutamente incapaz de lidar com um elenco de jogadores. Mas há pessoas no mercado que sabem fazer isso. Querem um excelente exemplo? Branco, que montou o time que quase nos deu a Libertadores em 2008.
Quase tão inexplicável quanto a escolha de Sá é a carta branca que foi entregue nas mãos de Levir Culpi. Embora seja do ramo, ao contrário de Sá, Levir não é um técnico com um currículo recheado de títulos que falem por si. Sua única conquista de destaque, em quase 30 anos de carreira, é uma Copa do Brasil. Treinador normal, da média para cima no mercado, mas nada que justifique ter carta branca para se desfazer do camisa 9 e do camisa 10 do elenco – e certamente os dois mais talentosos do plantel – como se essas fossem posições pouco importantes e com boas peças de substituição.
Outra coisa assombrosa em relação ao nosso clube é o célebre grupo de apoio ao presidente. Toda vez que alguém faz alguma crítica à atual gestão, membros da tropa de choque do referido grupo aparecem nas redes sociais para atacar quem criticou e defender a situação. No entanto, por alguma razão que os psicanalistas diriam se tratar de esquizofrenia, o mesmo grupo costuma publicar pesadas críticas ao presidente toda vez que as coisas dão errado – e, infelizmente, inúmeras coisas têm dado errado. Ora, não dá para comer o bolo e guardar o bolo. Não dá para ser governo e fazer oposição. O PMDB tenta essa estratégia, mas, bem, nós sabemos como é o PMDB, não é mesmo? É obvio que quem está no poder pode e deve fazer críticas. Mas que isso seja feito nas reuniões internas de trabalho. Criticar a administração da qual fazem parte através de cartas abertas é um ato covarde. E se o mundo do futebol é surreal a ponto de embaçar a visão, proponho fazer um paralelo com o mundo empresarial: imaginem se, numa grande corporação, um membro do Comitê Executivo discorda de decisões do presidente e, em vez de externar seu desconforto para o próprio ou para seus colegas de comitê, o sujeito decide publicar um protesto no jornal, se queixar para a imprensa ou detonar a gestão da empresa da qual faz parte nas redes sociais. Alguém acharia isso correto ou normal? Pois é assim que o Fluminense tem funcionado nos últimos anos.
Não posso terminar a coluna de hoje sem responder a alguns peemedebistas que me chamam de “viúva do Fred”. Sim, eu sou viúva do Fred. Sou viúva do Fred, do Assis, do Romerito, do Branco e do Washington (os dois, aliás). Sou viúva do Ricardo Gomes e do Renato Gaúcho, do Romário e do Deco, do Rivelino, do Gil, do Dirceu, do Doval e do Caju. Sou viúva até do Cafuringa e do Super Ézio. Sou viúva, inclusive, de Didi, Castilho e Oscar Cox, que nem vi jogar. Se sou viúva de todos os grandes ídolos que passaram pelo Fluminense e nos deram títulos e alegrias, como poderia não ser viúva do maior artilheiro em partidas oficiais da história do clube? Como não lamentar a doação de um craque que ganhou dois títulos brasileiros e foi duas vezes artilheiro do Brasileirão pelo Fluminense? Como não sentir saudades de um atacante que vem marcando, ao longo de toda a carreira e este ano inclusive, três gols a cada cinco partidas (no Galo, já são quatro gols em seis partidas)? Como não sofrer com a saída de um líder que atraía jovens torcedores para o clube e segurava as pontas do elenco? Como não reconhecer que, quando esteve sem Fred – na primeira metade do Brasileirão de 2009 e na segunda metade do de 2013 –, o Fluminense quase foi rebaixado? Como fechar os olhos para o fato de que a desculpa de que sua saída foi para cortar gastos é mentirosa, uma vez que já gastaram mais com nomes pífios com contratos longos do que gastariam com Fred até 2018?
A mais nova viúva de Fred atende (ou atenderá, em breve) pelo nome de Peter Siemsen. Podem ter certeza. Idem André Sá. Idem Jorge Macedo. E idem Levir Culpi, se não pedir para sair e nos deixar na mão. Ou alguém acha que eles não fizeram as contas e constataram que Fred e Diego Souza juntos têm 12 gols no Brasileirão, contra 13 do Fluminense? Ou alguém acha que essas pessoas não perceberam que o Atlético-MG estava na zona de rebaixamento quando Fred chegou e agora caminha para o G4, enquanto o Fluminense faz o caminho inverso? Coincidências? Eu não acredito nelas. A bola pune, amigos. A escolha da mediocridade e da falta de ambição, em detrimento do talento, é invariavelmente mortal.
Por falar em talento, enquanto escrevia esta coluna, recebi a notícia da morte do grande ator Guilherme Karam. Minha primeira reação foi postar uma breve homenagem a ele no Facebook, que reproduzo a seguir.
Descanse em paz, Guilherme Karam, um dos mais amados integrantes do Monty Python brasileiro: a TV Pirata.
Eu era jovem, ele também. Anos 80, temporada popular da peça besteirol “As Sereias da Zona Sul”, no Teatro João Caetano. A fila dava a volta pela Avenida Nosso Senhor dos Passos, devido ao excesso de procura e à falta de bilheteiros. De repente, em plena Avenida Passos, Karam e Miguel Falabella aparecem para pedir desculpas e fazer uma espécie de pré-show para os que estavam aguardando. Puro carinho, respeito e simpatia. Atores e plateia entraram no teatro juntos e gargalhando, o que tornou a apresentação inesquecível.
Assim era o Brasil daqueles tempos, com problemas tão ou mais graves do que os de hoje, mas definitivamente mais leve e divertido.
O meu amigo Leandro Beguoci tem uma frase brilhante: “O Brasil ficou chato antes de ficar rico”. Outro amigo, Gustavo Acioli, acrescentou com crueldade: e ruim de bola. Nada mais preciso dizer, além disto: morro de saudade daquele inocente e engraçado purgatório da beleza e do caos. Karam era a cara daqueles tempos felizes. E é essa imagem que guardarei dele.
Finalizo o texto com um comentário que bem poderia ter saído de uma peça de teatro besteirol – e que ficaria bem melhor se fosse dito por um ator com o grande talento cômico de Guilherme Karam: a biografia de Levir Culpi recebeu o título de “Burro com Sorte”. É um fato, mas desculpem o atrevimento. Quem falou para o cara que ele tem sorte?