O Tribunal Superior do Trabalho (TST) publicou provimento no último dia 19 que apenas clubes no modelo de Sociedade Anônima de Futebol (SAF) poderão adotar o Regime Centralizado de Execução (REC). Acontece que o Fluminense já tem um em andamento. Com isso, fica a pergunta: como os clubes de modelo associativo serão afetados? Num formato de FAQs (acrônimo da expressão inglesa “Frequently Asked Questions”, que em tradução livre significa “Respostas para Perguntas Frequentes”), o portal ge destrinchou como fica a situação tricolor de momento. Confira a íntegra:
O que é o RCE?
O Regime Centralizado de Execução é um mecanismo previsto na lei que instituiu o clube-empresa no Brasil. Ele permite renegociar, de maneira unificada, dívidas trabalhistas (funcionários, atletas, técnicos) e cíveis (empréstimos, fornecedores, demais contratos). Credores fazem uma “fila” para receber seus créditos. Enquanto o clube de futebol, o devedor, dedicará parte de suas receitas mensais para fazer esses pagamentos. À medida que o tempo passa, a fila diminui. O pagamento está condicionado às receitas – 20% delas, todos os meses.
O devedor tem seis anos para cumprir o acordo feito com os credores. Esse prazo poderá ser esticado em mais quatro anos, desde que, ao fim do sexto ano, o devedor tenha pagado pelo menos 60% da dívida.
Existe certa similaridade com o Ato Trabalhista, por causa da ordem de pagamento aos credores. Porém, o Regime Centralizado de Execuções abrange uma quantidade maior de dívidas, pois também inclui as cíveis. Também há semelhança com a Recuperação Judicial, pois, nesse processo de renegociação, credores poderão conceder descontos para receber o dinheiro antecipadamente. No entanto, essa ferramenta não leva à falência.
O que diz o artigo 23 da Lei 14.193/2021?
“Enquanto o clube ou pessoa jurídica original cumprir os pagamentos previstos nesta Seção (Regime Centralizado de Execuções), é vedada qualquer forma de constrição ao patrimônio ou às receitas, por penhora ou ordem de bloqueio de valores de qualquer natureza ou espécie sobre as suas receitas.”
O artigo da “Lei da SAF” visava evitar que calotes a partir do “nascimento” de novos CNPJs. Mas alguns tribunais interpretaram que a medida poderia ter utilizada por clubes associativos, como aconteceu com o Fluminense, através da decisão da presidenta do Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região, a desembargadora Edith Maria Correa Tourinho.
Desta maneira, os processos em fase de execução ficaram suspensos e se concentraram em um único juízo.
O que é o provimento e por que ele aconteceu?
O provimento nada mais é que a decisão de uma corregedoria. De acordo com o órgão, havia uma necessidade de uniformização nos Tribunais Regionais quanto à aplicação do Procedimento de Reunião de Execuções (PRE) e do Regime Centralizado de Execução (RCE) instituído pela Lei n.º 14.193/2021.
O provimento pode afetar o Fluminense?
Há margem para discussão. O Fluminense acredita que não. Para o clube, a medida não tem caráter retroativo, uma vez que houve a aprovação da RCE anterior ao provimento e plano de pagamento em curso. Advogado especializado nas áreas trabalhista e desportiva, Theotonio Chermont aponta que o primeiro parágrafo do artigo 160 informa que os planos aprovados com os benefícios do RCE para entidades em modelos diferentes da SAF precisarão apresentar um pedido de instauração de Plano Especial de Pagamento Trabalhista (PEPT) no prazo de 90 dias. Ou seja, Chermont crê em um caráter retroativo.
— É, inclusive, controvertida a questão do efeito retroativo para clubes que já adotaram o RCE. Uns entendem que retroage para adequar, outros vão defender que o RCE é ato jurídico perfeito e, portanto, não pode ser alterado – disse Chermont ao ge.
Apesar de divergir do ponto de vista do Fluminense, Chermont acredita que a preocupação com o retorno de penhoras, no momento, é excessiva.
O que precisaria acontecer para que o provimento afetasse o Fluminense?
A interpretação de que há um caráter retroativo precisaria prevalecer, e os credores e a presidenta do Tribunal precisariam se manifestar. Antes de apresentar o plano que está em vigor à Justiça, o clube se reuniu com representantes dos credores, que opinaram sobre a estratégia de pagamento.
O que acontece caso afete?
Caso a interpretação de que haverá um caráter retroativo prevaleça, o Fluminense terá que apresentar o Plano Especial de Pagamento Trabalhista (PEPT) em até 90 dias. Diferentemente do RCE, o pagamento do PEPT não é condicionado ao percentual das receitas mensais e conta com valores fixos. Atualmente, o Fluminense já executa os vencimentos a partir de um valor fixo, com correção anual pela taxa Selic, negociado com o Tribunal e com os credores: R$ 1,5 milhão por mês, sendo R$ 1,2 milhão em dívidas trabalhistas e R$ 300 mil nas cíveis.
O ge apurou que o clube pretende pagar em menos de seis anos os processos que já estão concluídos e inclusos no RCE – existem outros ainda tramitando. São mais de R$ 200 milhões de dívidas a mais de 250 credores diferentes.
Na apresentação do plano de pagamento, o clube fez projeções financeiras e esportivas que consideram a entrada de R$ 312 milhões em 2022, em valor que vai crescendo gradativamente ao longo dos anos. Na apresentação do plano, a diretoria incluiu no documento projeções financeiras e esportivas, nesse sentido, para demonstrar à Justiça que possui condições de arcar com as promessas que fez.
Vale lembrar que algumas previsões de performance não foram alcançadas, como a fase de grupos da Libertadores (caiu na terceira fase) e oitavas da Sul-Americana (caiu na fase de grupos). Por outro lado, a equipe foi mais longe na Copa do Brasil, competição na qual é semifinalista (a projeção previa quartas) e ocupa a terceira posição no Campeonato Brasileiro (a previsão incluía um sexto lugar).
Em termos de transferências de jogadores, o clube ainda está abaixo: a projeção trabalha com cifras entre R$ 100 milhões e 120 milhões, mas, até o momento, a arrecadação foi de cerca de R$ 44 milhões com Luiz Henrique. A venda prevista para o meio do ano não aconteceu, ao menos até agora.
Como se adequar ao PEPT?
De acordo com o artigo 151, os requisitos são os seguintes:
“I – especificar o valor total da dívida, instruindo o pedido com a relação de processos em fase de execução definitiva, com valores liquidados, organizados pela data de ajuizamento da ação; a(s) vara(s) de origem; os nomes dos credores e respectivos procuradores; as garantias existentes nesses processos, inclusive ordens de bloqueio e restrições; as fases em que se encontram os processos; os valores e a natureza dos respectivos débitos, devidamente atualizados, consolidando esses relatórios por Tribunal Regional, quando for o caso;
II – apresentar o plano de pagamento do débito trabalhista consolidado, incluída a estimativa de juros e de correção monetária até seu integral cumprimento, podendo o pagamento ser fixado em período e montante variáveis, respeitado o prazo máximo de seis anos para a quitação integral da dívida;
III – assumir, por declaração de vontade expressa e inequívoca, o compromisso de cumprir regularmente as obrigações trabalhistas dos contratos em curso, inclusive as decorrentes de verbas rescisórias devidas aos empregados dispensados ou que se demitirem;
IV – relacionar, documentalmente, as empresas integrantes do grupo econômico, as quais assumem responsabilidade solidária pelo adimplemento das obrigações relativas ao montante global obtido na reunião dos processos em fase de execução definitiva perante o Tribunal Regional, independentemente de, em qualquer fase dos processos, terem figurado no polo passivo;
V – ofertar garantia patrimonial suficiente ao atendimento das condições estabelecidas, a critério de cada Tribunal Regional, podendo recair em carta de fiança bancária ou seguro garantia, bem como em bens próprios ou de terceiros – desde que devidamente autorizados pelos proprietários legais, hipótese em que deverão ser apresentadas provas de ausência de impedimento ou oneração dos bens, cujas alterações na situação jurídica deverão ser comunicadas pelo interessado de imediato, sob pena de cancelamento do plano e impossibilidade de novo requerimento de parcelamento pelo prazo de 2 (dois) anos;
VI – apresentar balanço contábil, devidamente certificado por contador, bem como declaração de imposto de renda, em que se comprove a incapacidade financeira de arcar com a dívida consolidada, com efetivo comprometimento da continuidade da atividade econômica;
VII – apresentar renúncia, condicionada à aprovação do PEPT, de toda e qualquer impugnação, recurso, ação rescisória ou incidente quanto aos processos envolvidos no plano.
No Fluminense, há o entendimento de que mesmo que mesmo que o provimento tenha caráter retroativo, o clube estaria pronto para de adequar ao PEPT, cujos requisitos são vistos internamente como similares aos do RCE.