O episódio do e-mail em que o Fluminense, por meio de um dirigente que orbita intocável o poder no clube, abre mão de 80% de seus direitos sobre a negociação do Diego Souza já seria por si só escandalosamente surreal. Mas não foi o bastante. Tão logo o teor do e-mail foi divulgado pela transcrição de um documento público, o Fluminense se apressou em divulgar uma nota oficial que juntou uma pitada de absurdo ao que já era surreal. O clube, na nota, reconhece o e-mail, mas ressalta que jamais abriu mão de qualquer direito sobre a negociação com o Sport. O Brasil ocupa constrangidamente a antepenúltima posição no ranking que compara a capacidade de cognição dos povos de 40 países, mas daí a imaginar que alguém, ainda que brasileiro, não entenda o óbvio da contrafação da nota oficial já é chutar o balde com as duas pernas. Juntas.

 
 
 

A nota confirma o e-mail. Se confirma, o presidente sabia do teor do e-mail. No entanto, ao confirmar, simultaneamente afirma que o clube jamais abriu mão de qualquer direito sobre o jogador. Não fecha. Soube-se agora que o e-mail, dias depois do envio ao empresário do Diego Souza, o replicante Eduardo Uram, foi copiado para o vice de futebol e diretoria jurídica. Aí fica mais grave.

Um dirigente que oficialmente é vinculado às divisões de base do clube se arvora em assumir compromisso institucional em nome do presidente, com graves prejuízos ao Fluminense, comunica a dois dirigentes, e, pasmem, ninguém toma uma providência sequer. Negar que todos sabiam é agredir o óbvio com a faca cega da estupidez. São a nota e o e-mail um sumo concentrado da pior idiotice. Por outro lado, embora claramente despreparados para assumir a gestão de um gigante como o Fluminense, os homens do presidente não são definitivamente idiotas profissionais. Muitos até têm boa formação, não comem cocô, não rasgam dinheiro e não babam quando tomam sopa. Se não são incompetentes rasos, aí o assunto caminha para a fronteira perigosa da má intenção. Espero que não.

Já não há mais necessidade de continuar a contagem dos dias que se passaram depois da manifestação do Sport sem que o Fluminense tenha vindo a público se justificar. Aliás, para vir a público patrocinar a lambança verbal que fizeram, era melhor mesmo ficar na sombra segura do silêncio.

A administração Abad acabou. Não sobrou sequer o eco tépido do grito de nossa história. Tudo nela é destrutivo e anti-Fluminense. Em nome de uma pseudo-austeridade, jogou-se fora um trem de minério de dinheiro em transações danosas e decisões estúpidas. Não vejo no Abad um perfil de quem possa renunciar em nome da retomada de nossas esperanças, pelo contrário, vejo nele um distanciamento escandinavo. Sua gestão se arrastará feito um morto-vivo pelos dois anos que lhe restam, já que o conselho de pelegos jamais tomará a iniciativa de um impeachment.

O e-mail e a carta, combinados, são o retrato cuspido e escarrado dos desmandos e negligência que hoje marcam a condução dos destinos do Fluminense. Se o Abad mantiver os dirigentes envolvidos nesse sórdido episódio, se tornará cúmplice deles nesse escárnio histórico. Se demiti-los, não sei se será o suficiente para expurgar de sua biografia um marco tão escabroso, mas poderá fazê-lo dormir entre uma Florida Cup e outra.