Era pra ser a final de nossas vidas. A geografia global realocou sua capital, magnetizada pela necessidade de dar colo e fazer-se porto seguro à herança dos que partiram na tragédia da madrugada última segunda-feira. Em 48 horas, o homem mostrou que não há limites para a solidariedade, compaixão, união e amor. Distribuídas, cerca de 100 mil vozes entoavam a plenos pulmões um canto supremo de imortalidade: “Vamos, vamos, Chape!”. A cada vela queimando, lágrimas de um sentimento inquieto. Entre as chamas, os discursos, os flashs, rosas e grama, a mensagem se propagou pelo mundo, transformando Medellín no centro da Terra. Foi o início de nossas vidas!
Não precisavam acreditar em Deus. No seu Deus ou no deles. O que se apresentou no estádio Atanasio Girardot foi um encontro de desapegos e dores, amenizadas pelos gestos dos colombianos. Até o vento soprava uma melodia que preconiza a necessidade do próximo passo: a doação de si, do próprio tempo jamais perdido à meditação. Ali estavam todos reunidos, lembrando as mortes e partilhando o princípio básico da sobrevivência: o ser. Mais que um verbo, para alcançarem a serenidade e homenagear os que já não são mais. Ou melhor, agora são sãos, talvez numa partida onde todos saiam vencedores de campo, abarrotados por uma Justiça que ainda não compreendemos. Enquanto isso, o público coberto por si nas arquibancadas, arredores, em casa, seria o próprio Deus, comungando o ardor, para lembrar a divindade de uma vida que precisa ser vivida ao extremo.
Um dinheiro a ser gasto pela festa. O pai torcedor, que havia separado parte considerável de suas economias para ver o Atletico Nacional na final frente a Chapecoense, junto com o filho, há de entender que ele viu um título maior. Incontáveis serão as gerações que trarão à tona o dia 30 de novembro de 2016 como um marco no esporte mundial. Talvez o menino ainda não perceba o cenário, mas é certo que sinta e absorva um pouco da energia. O mundo não é mais a mesma coisa desde então. Nem poderia. O luto é a correnteza de um rio lapidando corações que se vestem de pedra com a perda. Na honraria aos ausentes, a presença de um quadro pintado de estrada contínua, rumando ao horizonte e esperando as pegadas de quem o vê. O pai sabe, mais do que ninguém, que estar ali foi um investimento para a alma.
Como esperar o amanhã depois das lições? A brevidade da vida deveria ser o combustível eterno de folia dos homens. Aqui se faz, aqui se jaz, aqui se paz. Em si, ninguém pretende exprimir mais do que foi revelado a partir da queda do avião. O símbolo é a mensagem propriamente dita, o legado de que, sim, todos podem ser melhores, mais amorosos, amigos e companheiros. Entes queridos universais, o agora é a família criada, com laços de sangue além das veias, cravejados nas terras vizinhas. Não deu para adiar o grito, a mudez e o amparo. Tudo meticulosamente aplicado ao ritual de glória e culto às memórias. Uma véspera cada vez mais próxima com o passar dos dias, envolta nos questionamentos primordiais do cotidiano. De ontem em diante, ninguém tem permissão, sequer provisória, de não aproveitar cada segundo. De ontem em diante, viver o agora é ser à frente e, ao mesmo tempo, não ser adiante das horas. Aprendeu-se em Medellín que só morrem àqueles que não tiveram um presente repleto de ontens vividos ao cubo. Quando há vida em vida, quem se cala na morte é a própria morte. Portanto, que nada mais seja desperdiçado.
Inesquecível manifestação dos torcedores do Atletico Nacional, cantando “Vamos, vamos, Chape!”