Em coluna no jornal “O Globo”, Carlos Eduardo Mansur fez uma análise detalhada de Vasco 0 x 3 Fluminense. Na opinião do jornalista, houve uma massacre técnico, tático e físico do Tricolor sobre o rival. Ele crê que o Flu poderá ser uma surpresa nesta temporada. Confira, na íntegra, a postagem:
“Ainda que um campeonato de tiro curto como o Estadual exija resultado desde a abertura, o início de temporada é mais dado a avaliações de virtudes, carências e tendências das equipes do que a conclusões definitivas. Neste ponto, mais do que a contundência do resultado do Engenhão, um incontestável 3 a 0 do Fluminense sobre o Vasco, houve sintomas que, se bem interpretados, serão úteis aos dois lados. Um time sabe por que venceu e também por que teve momentos de instabilidade, ainda que por um período breve do jogo, enquanto o outro sabe por que perdeu.
A forma de encarar a virada do ano difere Fluminense e Vasco. Ambos terminaram 2016 jogando mal. O Fluminense, ainda que sem grande investimento, apostou numa nova fórmula, um time jovem que combina com um clube que aposta na formação. É cedo para dizer se dará certo, a vitória do clássico é só um bom sinal e assim deve ser vista. Do outro lado, o Vasco exibe uma versão gasta de um time que já parecia esgotado no ano passado.
O lance que abriu o placar foi um retrato nítido das diferenças. Ressalvadas as naturais deficiências físicas do início de temporada, difícil ver, no futebol atual, uma bola circular tanto tempo entre defensores e chegar ao meia Sornoza com espaço e tempo para acionar Henrique Dourado, na área. Assim nasceu o gol de Wellington. O Fluminense trabalhava a bola com competência contra um rival que não conseguia ser agressivo por motivos anunciados desde o ano passado: uma mistura de características com média de idade elevada que mina o vigor do time. Andrezinho e Julio dos Santos eram um improviso de dupla de volantes. Pelos lados, Escudero e Éder Luís não tinham aptidão para acompanhar laterais. Sobravam tricolores pelo centro e pelos lados. Evander, ausente por lesão, e Douglas, na seleção sub-20, podem vir a amenizar o drama. As opções lançadas por Cristóvão Borges no decorrer do jogo ampliaram presença física no campo contrário, com Guilherme e Éderson, mas sem precisão para definir. A aposta inicial do treinador, neste domingo, foi equivocada ao subestimar o custo físico da média de idade. Mas ele tem poucas peças para manobrar e não é possível cravar que Wagner e Muriqui serão soluções. Com o time que enfrentou o Fluminense, a única chance do Vasco seria ter a capacidade de se defender com a bola, ou seja, ser preciso no domínio da posse de bola, sem erros de passes, minimizando o desgaste. Raramente conseguiu.
O Fluminense teve duas versões no jogo. Foi um time de construção de jogadas desde a defesa no primeiro tempo, mortal nos contragolpes no segundo. Um híbrido de controle e velocidade bem executado, tornando este time rejuvenescido capaz de despertar boas expectativas neste início de ano.
[Douglas se aproximava de Sornoza, fazendo de Orejuela, em boa parte do primeiro tempo, o único volante num 4-1-4-1. Douglas, por vezes, auxiliava na saída de bola e até aparecia na área, como no primeiro gol, quando foi dividir com Martín Silva. E Scarpa, saindo da ponta para buscar o meio, numa atuação que seria perfeita não fossem finalizações equivocadas, confundia a marcação. Foi Scarpa, também, o motor do Fluminense mais corredor da etapa final. Um dos autores de um lance de manual, o do terceiro gol: Scarpa arrancou com a bola e Marcos Júnior correu em diagonal às suas costas, oferecendo-se ao passe e fechando o placar.
Outro bom sinal deste Fluminense de 2017 é Sornoza. Precisou acertar a primeira jogada no clássico para se soltar e deu ao time o lance de inventividade que culminou no gol de Henrique Dourado. Em geral, um clube em paz para trabalhar, livre de instabilidades e processos eleitorais, vê o coletivo se desenvolver e qualidades que pareciam inexistentes emergirem. Talvez o ano prove que um time coletivamente forte possa ter Dourado no ataque, possa potencializar as promessas que Douglas e Scarpa sempre foram e possa fazer Wellington explorar sua velocidade à vontade. A conferir.
Como estamos em início de ano, cabe ao Fluminense, justo vencedor, com sobras e chance de goleada, entender as razões que fizeram Diego Cavalieri trabalhar bastante nos minutos iniciais da segunda etapa. O time ainda não é uma rocha defensiva e, quando as mexidas do Vasco fizeram dele uma equipe com mais pernas, pressionando a saída de bola tricolor, o jogo transcorreu por um pouco mais de tempo nas imediações da área de Cavalieri, que andou trabalhando em finalizações de Thalles. Tanto que Abel lançou Luiz Fernando, outro volante. Mas as opções que o Vasco tinha a seu dispor, se conferiram mais pulmão ao time, não resolveram a questão técnica.
No primeiro clássico do ano, o abismo foi técnico, físico e tático. O Fluminense pode ser uma boa surpresa.