Especialista em finanças, o jornalista Rodrigo Capello fez uma análise detalhada da relação receita/despesas do Fluminense por intermédio de texto no site ge. Na visão do profissional, o clube “faz mais com menos”, pois tem dívida superior aos R$ 700 milhões.
Confira a íntegra da publicação com a análise, gráficos e números:
“As finanças do Fluminense em 2022: eficiência no futebol salva o presente, enquanto crescente dívida continua a ameaçar o futuro
Departamento de futebol faz mais com menos, na comparação entre desempenho esportivo e econômico, mas a boa fase não tem sido suficiente para reduzir problemas financeiros
Apresentar um futebol competitivo em campo, apesar das limitações econômicas, é o ponto forte da administração de Mário Bittencourt no Fluminense. Não há muitos motivos para otimismo na leitura de suas finanças, e ainda assim o time disputa em alto nível há alguns anos.
O pouco otimismo decorre do tamanho dos problemas financeiros, que não tem reduzido, nem mesmo durante a boa fase esportiva. O clube deve acima dos R$ 700 milhões, tem dificuldades para honrar acordos e é obrigado a vender talentos da base todo ano para fechar a conta.
Como se resolve uma crise financeira como a tricolor? Ou se aumenta muito as receitas, ou se baixa muito os custos. De um jeito ou de outro, precisa haver sobras no caixa para que as dívidas sejam reduzidas. E este é o ponto em que o Fluminense não consegue superar.
As receitas até subiram nos últimos anos, puxadas por vendas de jogadores e premiações, ligadas à performance em campo. Porém, o valor ainda é insuficiente para dar conta de presente e passado.
Em relação aos gastos, o clube não esbanja. A folha salarial do futebol é menor do que a de muitos adversários, por exemplo. Mas há pontos problemáticos. O futebol feminino gera um deficit anual de R$ 4 milhões. O clube social e os esportes olímpicos, outro deficit de R$ 14 milhões.
Na medida em que o Fluminense não encaixa a fórmula ideal – com receitas muito mais altas, ou custos muito mais baixos –, o que dá para fazer é empurrar o problema, pela via da renegociação e da paciência.
A dívida tricolor vem sendo repactuada por meio de acordos com credores de todas as naturezas: empresas, pessoas físicas e governo. O perfil dela não chega a alarmar – a maior parte está prevista para pagar no longo prazo. Apesar dos esforços, o montante devido só aumenta.
A consequência prática disso é uma margem de erro baixa nas escolhas do futebol, um crônico estado de apreensão com o futuro. Hoje, apertado, o Fluminense faz resultados esportivos melhores do que a sua condição financeira sugere. Amanhã, ninguém sabe.
Panorama
O Fluminense dos últimos dois anos tem uma vantagem clara em relação ao momento anterior: o faturamento aumentou. De um clube que estava próximo dos R$ 250 milhões antes da pandemia, hoje a arrecadação chega a R$ 350 milhões e melhora as perspectivas.
Melhora um pouco, mas não muito, porque o passado não foi solucionado. Na verdade, o maior problema tricolor aumenta devagar e sempre, que é a sua dívida. Em 2022, a associação terminou o ano com mais de R$ 740 milhões em aberto, acima do que devia em 2021.
Receitas
— A área comercial desperta sentimentos contraditórios. Ao mesmo tempo em que o valor gerado por ela foi multiplicado de R$ 10 milhões para mais de R$ 30 milhões em três anos, ainda é um valor muito abaixo do que faturam adversários diretos na primeira divisão;
— A reabertura plena dos estádios, pós-pandemia, fez muito bem ao Fluminense. Bilheterias e sócio-torcedor praticamente triplicaram e geraram receitas constantes, durante as competições;
Transferências de atletas continuam a ser um ponto forte tricolor. Com quase R$ 100 milhões arrecadados todos os anos, principalmente com a base, Xerém dá uma vantagem competitiva em relação a vários rivais menos acostumados a essa linha de receita.
O perfil do faturamento do Fluminense em 2022
Dinheiro e performance
Com todas as limitações financeiras que ferem o futebol tricolor, uma das marcas da gestão de Mário Bittencourt no Fluminense é a eficiência no gasto. O clube tem só a sétima maior folha salarial do país, e nem por isto tem deixado de competir pelo topo nas competições nacionais.
Esse item inclui salários, encargos trabalhistas, direitos de imagem e de arena, premiações e deduções de natureza previdenciária – ou seja, tudo o que diz respeito à remuneração do futebol.
A análise sobre a folha ainda precisa considerar que, apesar de ser relativamente mais baixa do que as de adversários, houve aumentos nos últimos anos. Entre 2019 e 2022, o clube elevou seu gasto em cerca de R$ 100 milhões. A melhora em campo também foi puxada por dinheiro.
Dívidas
O perfil da dívida não chega a ser péssimo. Com 34% do endividamento no curto prazo (a pagar em menos de um ano), nota-se que o clube se esforçou para alongar ao máximo os vencimentos. Mas a quantia, R$ 253 milhões, é muito alta, se comparada ao faturamento tricolor.
Dívidas bancárias aumentaram no último ano, em moeda estrangeira, devido a antecipações com vendas de atletas dadas em garantia. Esse tipo de operação funciona assim: o clube tem parcelas a receber por jogadores que vendeu, então o banco antecipa o dinheiro hoje e vai recebê-lo no futuro, direto de quem comprou – obviamente, cobrando juros no meio do caminho;
Parcelamentos fiscais correspondem à maior parte do endividamento tricolor. Além de refinanciamentos já antigos, como o Profut, o Fluminense firmou novos acordos recentemente com a Receita Federal e via Perse, novo programa criado pelo governo para impostos não pagos. Essa dívida é registrada majoritariamente no longo prazo (a pagar em prazo superior a um ano);
Dívidas trabalhistas reúnem obrigações correntes – exemplo: salários e encargos de dezembro, que precisam ser pagos em janeiro, viram o ano contabilizados dentro do passivo – e também acordos cíveis e trabalhistas feitos pelo clube com ex-funcionários, para quitar direitos de imagem e salários que gestões anteriores não honraram;
Em “outros”, estão pagamentos previstos a fornecedores, agentes e clubes. Contratações de reforços costumam puxar essa linha para o alto. Como o Fluminense é um clube com menor capacidade de investimento na compra de jogadores, dívidas desta natureza são mantidas em patamar relativamente baixo;
Contingências são ações judiciais movidas contra o clube, nas quais, segundo o entendimento do departamento jurídico, a chance de derrota é “provável”. A associação tem conseguido reduzir esse montante ano após ano, graças aos acordos que faz com credores.
O perfil do endividamento do Fluminense por tipo em 2022
- Dívidas bancárias aumentaram no último ano, em moeda estrangeira, devido a antecipações com vendas de atletas dadas em garantia. Esse tipo de operação funciona assim: o clube tem parcelas a receber por jogadores que vendeu, então o banco antecipa o dinheiro hoje e vai recebê-lo no futuro, direto de quem comprou – obviamente, cobrando juros no meio do caminho;
- Parcelamentos fiscais correspondem à maior parte do endividamento tricolor. Além de refinanciamentos já antigos, como o Profut, o Fluminense firmou novos acordos recentemente com a Receita Federal e via Perse, novo programa criado pelo governo para impostos não pagos. Essa dívida é registrada majoritariamente no longo prazo (a pagar em prazo superior a um ano);
- Dívidas trabalhistas reúnem obrigações correntes – exemplo: salários e encargos de dezembro, que precisam ser pagos em janeiro, viram o ano contabilizados dentro do passivo – e também acordos cíveis e trabalhistas feitos pelo clube com ex-funcionários, para quitar direitos de imagem e salários que gestões anteriores não honraram;
- Em “outros”, estão pagamentos previstos a fornecedores, agentes e clubes. Contratações de reforços costumam puxar essa linha para o alto. Como o Fluminense é um clube com menor capacidade de investimento na compra de jogadores, dívidas desta natureza são mantidas em patamar relativamente baixo;
- Contingências são ações judiciais movidas contra o clube, nas quais, segundo o entendimento do departamento jurídico, a chance de derrota é “provável”. A associação tem conseguido reduzir esse montante ano após ano, graças aos acordos que faz com credores.