A aposta do Fluminense em suas categorias de base é uma das armas do clube, senão a principal, para encarar os problemas de ordem financeira e técnica. Diante desse contexto, o conceituado jornalista de O Globo, Carlos Eduardo Mansur, exaltou a postura adotada, até o momento, pelo Tricolor das Laranjeiras.

Confira:

 
 
 

“Um estudo do Itaú BBA mostrou que, em 2016, Flamengo e Palmeiras concentraram 20% das receitas e 38% da geração de caixa de todos os 27 clubes analisados. Separando os clubes em grupos, a arrecadação dos cinco mais ricos supera em R$ 762 milhões a do segundo grupo, e a diferença cresceu R$ 252 milhões em relação ao ano anterior. A conclusão é que a concentração aumentou.

Não é razoável decretar que, neste cenário, o Campeonato Brasileiro dos 20 clubes da Série A é o mesmo e que é justo exigir que todos joguem pelo mesmo objetivo. Esta é a teoria. Ocorre que é produto tipicamente brasileiro a existência de 12 ou 15 clubes grandes. Não é problema, é patrimônio cultural. Desde que se combata o efeito colateral: a fantasia de que, ano após ano, todos devem disputar o título a qualquer preço. O erro ao dimensionar objetivos, ao ceder a pressões, é o caminho para o descontrole.

O Fluminense, que faz um digno Campeonato Brasileiro com seu jovem time, é um emblema. Há dez dias, a derrota para o Grêmio, no Maracanã, veio acompanhada dos tradicionais “time sem vergonha”, “queremos time” e do recorrente pedido por uma equipe “à altura das tradições do clube”. É um direito da arquibancada. O erro seria o comando do clube ceder a tal pressão. Trata-se do velho desafio de assumir uma identidade. Hoje, o Fluminense parece convencido da sua. É um bom passo.

O mesmo estudo radiografou nas Laranjeiras um clube que, em 2016, teve queda de 35% em arrecadação de publicidade, 22% no Sócio Torcedor e, a pior parte, aumento de 30% nos seus custos e de 20% na dívida. No meio da temporada passada, sob a pressão de resultados, cedeu. O clube formador foi ao mercado atrás de um lote de reforços medianos. Não obteve retorno técnico, ampliou gastos e bloqueou o caminho dos jovens. Os mesmos que hoje ajudam a construir uma temporada esportivamente aceitável.

O Fluminense de 2017, terceiro time que mais minutos deu a jogadores da base, é mais coerente do que o de 2016. Foi ao mercado com moderação e acertou com Orejuela e Sornoza. No mais, exibe sua melhor face: revelar jovens que precisam de estabilidade, algo raro no futebol do clube nos últimos anos. É um encontro com uma identidade de clube.

Não seria natural se, na conjuntura atual, disputasse o título. Mas não é pecado um clube em transição traçar suas metas. Houve tempo para planejar a vida sem o antigo e generoso patrocinador, mas o dever de casa foi feito apenas em parte: incremento na base, erros de gestão. Caso resista à pressão da arquibancada e ao desenfreado comércio do futebol brasileiro, consolide sua posição de mercado como referência na formação de jovens, e alcance uma travessia tranquila, o Fluminense terá vencido o seu Brasileiro particular.

Para ajudá-lo, conquistou um parceiro sob medida: no lugar do plano de saúde, Abel Braga. Não se acha em cada esquina um técnico com tantos títulos disposto a se alinhar de forma tão clara a um projeto alicerçado num time tão jovem, sem jamais se escorar na cobrança por reforços.

Menos é mais

A boa notícia é que jogar o campeonato em bases realistas tem rendido frutos, permitido campanhas acima da encomenda. No futebol do Rio, o Botafogo é, desde o ano passado, o exemplo pronto e acabado de que, no Brasil, quem rivaliza com o dinheiro é a estabilidade. O ritmo frenético do calendário nacional cria um início de competição em que menos é mais.

Permanentemente aberta, a janela de transferências do Brasil exerce irresistível atração sobre alguns dos maiores arrecadadores do país — e, com efeito mais cruel, também sobre clubes que, pressionados, vão às compras mesmo sem dinheiro. O Palmeiras quebra recordes de rotatividade em seu elenco, enquanto o Flamengo, que teve apetite moderado no mercado de início de ano, deverá completar no domingo a estreia de quatro reforços em duas semanas. A instabilidade não ajuda a formar times e alguns dos grandes favoritos completam um semestre de irregularidade. O que não os tira da disputa do título, desde que transformem o poderio individual de seus elencos, como exibido por Diego e Guerrero na goleada do Flamengo sobre a Chapecoense, em crescimento do jogo coletivo.

Não é coincidência que o primeiro embate direto pela liderança do campeonato reúna amanhã dois times com poucas intervenções nos elencos. Um pouco por planejamento, mas fundamentalmente pela falta de dinheiro, o único freio contra a voracidade consumista no futebol brasileiro. Corinthians e Grêmio devem ter, cada um, oito titulares que estavam eu seus times na última temporada. Ao menos na fase inicial, no principal campeonato do país, dinheiro ainda não traz felicidade.