A eliminação do Fluminense da Taça Libertadores nessa última quinta-feira, contra o Barcelona de Guayaquil (EQU), vai além da equipe e de seu treinador, muito criticado pelos torcedores tricolores, Roger Machado.
Carlos Eduardo Mansur, jornalista e comentarista dos canais SporTV, analisou a queda do clube no torneio continental em um aspecto mais amplo, indo além do debate sobre o treinador. Para ele, o Flu precisa se reorganizar como clube e recuperar seu prestígio no cenário nacional e internacional.
Confira, na íntegra, o texto:
“Os 180 minutos do confronto que determinou o fim da caminhada do Fluminense na Libertadores permitem alguns debates sobre o trabalho de Roger Machado. É justo discutir se, quando ficou com um homem a mais no Maracanã, ainda no jogo de ida, faltou repertório ofensivo ao tricolor. Ou avaliar que o time chegou a esta fase da Libertadores num momento de queda nítida em seu desempenho. É possível tentar entender por que o Fluminense deixou de defender sua área com a eficiência de antes, ou mesmo se perdeu a capacidade de definir jogos em poucas bolas no ataque. Tudo isso é justo.
Mas faz pouco sentido, no contexto mais amplo deste Fluminense atual, personalizar o debate na figura do treinador. Combina mais com um hábito bem brasileiro do que com a realidade do clube. E o jogo de Guayaquil, o 1 a 1 que eliminou o tricolor por causa dos gols sofridos como mandante, dão a dimensão de um trabalho mais complexo do que chegou a parecer em dado momento.
Mesmo sem Caio Paulista e Gabriel Teixeira, o Fluminense teve o controle da primeira etapa. E o fazia com a participação dos volantes na saída de bola, laterais mais profundos e tentativa de agrupar jogadores pelos lados do campo para trocar passes e entrar na defesa do Barcelona. Mas faltava agressividade, profundidade, ataque às costas da defesa rival. O time trocava passes, era pouco incomodado em sua defesa, mas raramente dava a real sensação do gol. E a partir daí é possível começar a analisar como a formação do elenco impacta no desempenho, como desequilíbrios do grupo resultam na escassez de determinadas características. Tudo isso tendo como pano de fundo um clube que se distanciou do topo da pirâmide financeira do futebol brasileiro.
Os dois desfalques tiravam quase toda a agressividade e o escape de velocidade deste Fluminense. Caio Paulisa com mais imposição física, Gabriel com agilidade. E mesmo este último tem apenas 20 anos e vive sua primeira temporada no time principal. Roger optou por Luiz Henrique, outro jovem que frequenta há apenas um ano as escalações do time. Jogando por vezes alguns metros para o centro, mais perto de Fred, ele teve dificuldade. Raramente deu opção do passe em profundidade. A outra opção seria Kaiky, jogador de 18 anos, outro em seu primeiro ano nos “profissionais”.
Passando do lado do campo ao centro do ataque, a questão é oposta. Fred e Nenê, aos 37 e aos 40 anos, respectivamente, ainda conseguem ser influentes em diversos momentos da temporada. Mas é natural que imponham adaptações para que o time não se desequilibre sem bola, ou mesmo que oscilem fisicamente, exigindo do treinador uma gestão rigorosa do fôlego. Nenê vivia sua fase de oscilação, estava no banco. Já Fred tentava incomodar a zaga equatoriana, mas tampouco era a opção de passe mais profundo.
Roger recorreu a Ganso, entre outras coisas porque Cazares, a opção imediata a Nenê, tem como traço da carreira a oscilação e a baixa intensidade. Retrato de um Fluminense que, hoje, não é capaz de competir no mercado pelos melhores jogadores – o que não o impede de garimpar melhores achados fora dos holofotes. Mas o caso é que o tricolor, hoje, não está na elite financeira frequentada por Flamengo, Atlético-MG e Palmeiras, os brasileiros semifinalistas da Libertadores.
Ganso tampouco é dos mais competitivos, mas fazia boa partida. Só que se machucou justamente no lance em que quase marcou belíssimo gol. Outra solução de Roger foi repetir a aposta em Yago Felipe partindo do lado esquerdo. Ele tinha bom desempenho até ser mais a sair um lesionado.
Não é fácil administrar este Fluminense de recursos escassos, embora tenha ficado claro que era possível eliminar o Barcelona. As duas avaliações podem coexistir. Mas o que realmente desapontou em Guayaquil foi o segundo tempo do tricolor. Os donos da casa, entregues à marcação até o intervalo, propuseram um jogo mais aberto e que, em tese, poderia oferecer espaços. Mas o tricolor foi se expondo conforme o tempo passava e, pouco a pouco, ia perdendo a capacidade de incomodar num jogo franco. Justamente porque tinha poucos escapes em velocidade.
A saída de Yago, que deu lugar a Kayky, tirou ainda mais solidez do Fluminense. Após levar o gol, Roger jogou as últimas cartadas com Abel Hernández e Nenê, mas o time pareceu se desestruturar mais do que propriamente ameaçar.
Diante do que se mostraram os jogos contra os equatorianos, é possível lamentar a eliminação. É possível, também, refletir por que o time chegou a esta altura da temporada distante de seu melhor desempenho, o que possivelmente tem a ver com a alta exigência para um elenco que, em 2020, jogou no limite em uma temporada com menos partidas. Hoje, a situação no Brasileiro merece preocupação. Por outro lado, diante do momento que vive o Fluminense, carregando nas costas uma dívida elevada e um poderio econômico distante de seus melhores momentos, uma queda nas quartas de final da Libertadores não pode ser sinal de fracasso. É preciso recuperar o vigor como clube. O time, será consequência“.