A declaração desrespeitosa de Jorge Jesus sobre o Fluminense e o Campeonato Carioca após o Flamengo superar o Tricolor por 3 a 2, na última quarta, pela semifinal da Taça Guanabara, segue rendendo. Em sua coluna no jornal O Globo, o jornalista Carlos Eduardo Mansur fez uma forte crítica ao treinador português. Na visão do colunista, o técnico ultrapassou a fronteira do bom-senso.
Confira a opinião do jornalista na íntegra:
“Jorge Jesus, do Fla, extrapolou a fronteira do bom-senso em entrevista
Num futebol cada vez mais midiático, todo jogo parece abrigar duas partidas em uma: a do campo e a das entrevistas coletivas. Nestas últimas, o esforço já não é por dominar o adversário e chegar ao gol, mas por construir uma narrativa. Como se a verdade do campo já não importasse. Especialmente sob o ponto de vista dos treinadores, é hora de passar uma mensagem para o próprio elenco, somar pontos com a torcida, convencer a opinião pública de um fator a destacar. O curioso é como, por vezes, os dois jogos são tão diferentes.
Jorge Jesus tratou, desde o início da temporada, de tirar peso do Estadual. Comprou o discurso que já circulava no clube e na torcida de que o rubro-negro estaria acima desta realidade local, o chamado “outro patamar”. É legítimo ter ambições maiores, ainda mais após levar seu time a jogar, com sobras, o melhor futebol do país em 2019.
O português insistiu que estava em pré-temporada, que não privilegiaria os resultados dos jogos e usaria o Carioca para preparar o time. Mas a forma como geriu o elenco principal nos três primeiros jogos do ano e, em especial no Fla-Flu, indicam também apetite pelo resultado. É um direito dele. Se o preço a pagar mais adiante será alto, baixo ou nenhum, a temporada irá mostrar. No ano passado, sua comissão técnica administrou bem o físico do time e colecionou títulos.
O ruim foi que, na mesma noite em que repetiu escalação e opções do banco, em que terminaria o Fla-Flu com uma substituição no bolso caso Bruno Henrique não desabasse perto do apito final, Jesus extrapolou a fronteira do bom-senso na entrevista. Ao vender a tese de que o jogo era mais importante para o rival, porque seu clube está “em outro patamar, nossos títulos são outros”, fez o papel do mau vencedor. Cruzou os limites da desportividade e foi desrespeitoso com o adversário. E mais: discurso e prática não combinaram.
Não é inédito no futebol brasileiro. Renato Gaúcho, protegido pelo escudo de um personagem carismático, habituou-se a testar a linha tênue entre polêmica e indelicadeza. Com Jesus, inclusive. Mesmo quando seu time já não rendia tanto, sustentou o status do Grêmio de um dos melhores times do Brasil ao repetir à exaustão que ninguém jogava como seu time.
Técnicos que buscam acumular créditos, que iniciam trabalhos sob a pressão habitual do futebol brasileiro, costumam ter ainda mais motivos para jogar o jogo das entrevistas coletivas. No mesmo Fla-Flu de quarta-feira, Odair Hellmann foi generoso com a atuação de seu time. Chegou a dividir o jogo em “um tempo para cada lado”. Na verdade, por 60 minutos seu time fora amplamente dominado. Dono de méritos na reação, o técnico amplificou o feito: “Fizemos o terceiro, o quarto gol. Estava impedido, mas fizemos”, concluiu.
Por vezes, há tanto esforço em buscar fatores periféricos ao jogo que até virtudes de um time ficam na sombra. Thiago Nunes gerou manchetes ao falar da arbitragem na derrota do Corinthians para o Guaraní. O tema virou um debate mais marcante do que a boa atuação de sua equipe, que jogou o suficiente para se classificar. Foi eliminada por estar ainda em construção e por circunstâncias de uma expulsão no primeiro tempo.
No jogo do campo ou das entrevistas, não há terreno controlado.”