Igor Julião elogiou transparência como Mário Bittencourt trata com o grupo a situação do clube (Foto: Mailson Santana - FFC)

Jogador do Fluminense, Igor Julião se destaca também pela cultura. Fã de leitura, o lateral-direito escreveu uma crônica para o jornal O Globo. No domingo, ele foi titular na equipe tricolor no triunfo de goleada por 5 a 1 sobre o Bangu, em Moça Bonita.

Confira o que Julião escreveu para o jornal:

 
 
 

Entre sol e escuridão, viaja o trem da carreira

Você estará embarcando em milhares de viagens em um determinado momento da sua vida. Viagens com que você sonhou, que planejou e para as quais se preparou todos os dias para que acontecessem da melhor forma possível. Um trem barulhento e inseguro que, independentemente da sua vontade, só conseguirá te levar a dois destinos.

É a última rodada do Brasileiro. Você tem só 18 anos, sem experiência alguma como profissional e descobre, no dia anterior, que estará relacionado. Nesse dia você precisará deixar sua família, que sempre foi seu porto seguro, e irá para um hotel luxuoso junto com a equipe para descansar e se concentrar para o dia mais importante da sua vida. Você escutou a vida inteira que só teria aquela chance, e por isso não conseguiu dormir na noite anterior.

O caminho no ônibus do hotel para o estádio serve de reflexão. Você se apega a qualquer detalhe que te faça esquecer por um momento da importância desse jogo. O nervosismo e o medo de anos serem jogados fora por apenas um erro te domina.

Chega a hora do jogo e parece que você não está ali, sua mente não consegue compreender muito bem todas aquelas sensações. E quando você se dá conta que tudo aquilo é real, um dos maiores treinadores do mundo te chama pelo nome e te coloca em campo. A ansiedade, a dúvida e uma força que você não sabia que tinha começa a tomar conta do seu corpo, as suas corridas são mais rápidas que as do adversário, os seus desarmes são sempre precisos e tudo que você tenta fazer, acerta. Aqueles poucos minutos chegam ao fim com uma euforia e a noção de que, naquele estádio com mais de 40 mil pessoas, ninguém é mais forte que você. Nessa hora, você embarca rumo ao primeiro destino.

Ele é bem parecido com o que você sonhou. Ensolarado, alegre e com uma paz que você jamais imaginou que sentiria. Um destino onde os locais sorriem pra você, te acolhem e fazem você se sentir o viajante mais amado e eufórico do mundo. É uma viagem de estadia curta, porém intensa. Você não quer voltar logo para a estação.

Num piscar de olhos, porém, você se encontra numa situação que não planejou. Você chega a clube novo, sozinho. Não tem mais sua família por perto, e tudo que você tem na carteira é uma nota de 100 reais. Sua morada pelos próximos meses será um hotel antigo, que está em obras. Os funcionários não são gentis. Suas refeições diárias são duas marmitas dadas pelo clube; quando sua esposa te visita, tem que dividi-las com ela. Você aprender a passar a semana inteira num quarto sozinho, sem amigos nem vida social.

Aquele quarto escuro, barulhento pela obra e com um ninho de baratas acaba virando uma parte de você. Você por muitas vezes começa a chorar e se desespera pensando no que você fez para chegar naquele momento. A depressão, que por muitas vezes você achou que fosse besteira, começa a fazer sentido para você. E por diversas vezes nesse quarto escuro você imagina o fim da vida como uma válvula de escape. A sua carreira chega num estágio que não foi planejado por você e nem avisado por ninguém.

Você não consegue mais atuar no nível que você sempre jogou, e seu peso não é mais o ideal pela falta de alimentação adequada. Todos em campo são mais rápidos que você, a velocidade que sempre foi sua arma se torna seu ponto fraco. As ações dentro de campo, que sempre foram superfáceis, fazem você sentir medo delas. Você se sente cada vez menor, em menores estádios e para menores públicos. Sem voz, passa horas sem pronunciar uma palavra. E falta ar em diversos momentos do dia. Você está perto do segundo destino.

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Agora é escuro, frio, triste e você se sente envergonhado por ter viajado até lá, por mais que não tenha sido sua vontade. Um lugar onde os relógios giram cada vez mais devagar e você é reprovado e insultado a todo tempo pelas pessoas de lá. Um destino que te isola, te deixa deprimido e que te mostra uma solidão cruel. Como todos os outros viajantes você se planejou apenas pro destino alegre, sem saber que você poderia acabar viajando ao destino da escuridão às vezes. Mas uma hora esse trem precisa voltar pra estação e você precisa pegá-lo, independentemente do local que esteja, sem perder a hora na euforia, sem se perder na escuridão.