Foto: Mailson Santana/FFC

Reativo, Agressivo, Defensivo, Ofensivo…

Esses conceitos e rótulos causam muita confusão quando a gente vai analisar um time de futebol.

 
 
 

Convencionou-se afirmar que times reativos são aqueles que jogam no contra-ataque.

Já times agressivos são aqueles que têm posse de bola e dominam o jogo.

A palavra reação significa responder a uma ação. Mas a gente sabe que um jogo de futebol é um jogo repleto de ações. E, consequentemente, reações.

Um time reativo é o que reage às ações do adversário. Não necessariamente o que joga no contra-ataque.

Um time agressivo (ou pró ativo) é aquele que tenta impor seu modelo de atacar, defender e fazer transições.

Vou exemplificar pra tentar ficar mais claro.

1 – Meu time tem dois zagueiros ótimos na bola alta. Eu jogo sem a bola e abro o lado do campo pra que meu adversário cruze muitas bolas na área, onde eles são soberanos. Isso é ação. Eu, sem a bola, gerei um comportamento no meu adversário. Se o adversário é reativo, ele, com a bola, vendo que os lados do campo estão abertos, vai atacar exatamente por ali pra tentar o gol.

2 – No mesmo caso do exemplo 1, se temos dois times agressivos, o time que tem a bola, se tiver como modelo ofensivo a penetração com toque e aproximação por dentro, vai tentar fazê-lo independentemente do lado do campo estar aberto pra cruzamentos.

3 – Um time que exerce uma marcação pressão muito agressiva pra roubar a bola perto do gol adversário, mesmo sem jogar com a bola, pode ser considerado um time agressivo.

4 – Um time que tem a bola e roda, roda, roda, sempre esperando uma brecha, uma oportunidade pratica um futebol reativo. Esse time não tem ideia de por onde atacar seu adversário e se baseia sempre nos movimentos dele para fazer os seus. Isso é reação.

5 – O mesmo time pode ter a bola e rodar, rodar, rodar, mas com o objetivo de retê-la para que seu adversário não fique com ela e não ofereça perigo. Isso já é ação, pró atividade. Imposição de modelo.

O que eu quero dizer é que as possibilidades são muitas. Um time pode muito bem não ter a bola e ser muito agressivo, um time pode ter muito a bola e ser reativo, pode ocorrer de um time ter a bola e ser agressivo ou não ter e ser reativo também.

E, num jogo de futebol, cada time pode passar por diferentes momentos ao longo dos 90 minutos.

E isso aconteceu com o Fluminense no último sábado contra o Botafogo.

O Flu começou bem o jogo. Até a primeira parada técnica (20 do primeiro tempo), adiantava seus jogadores para uma zona de pressão mais próxima do campo ofensivo e controlava o jogo buscando o Kayky no um contra um. Modelo ofensivo de pressão e imposição. Agressividade.

Mas com Fred e Nenê em campo essa pressão toda tem um limite.

Depois da parada, posse de bola muito alta (63,6% no primeiro tempo), gira, roda e nada de achar espaço (o time termina o primeiro tempo com apenas uma finalização). O Botafogo se fechava e induzia o Fluminense a rodar e tocar pra trás, como o Flu, desde o ano passado, é um time que não gosta de correr riscos, foi assim até o gol.

Depois do gol, o Fluminense mudou de novo e partiu para um jogo reativo e sem posse (também muito comum no ano passado quando estava à frente do placar), terminando o segundo tempo com 38,6% de posse contra o pior Botafogo da história, que, claro, não teve uma chance de gol.

A mudança de escalação conseguiu o seu intuito de deixar o time mais forte no momento defensivo e menos exposto ao contra-atque.

Mas trouxe muitos problemas na construção.

O primeiro efeito importante da mudança de escalação recai justamente sobre o melhor jogador do time.

A gente já leu por aí que a entrada de Wellington “daria mais liberdade a Martinelli”.

Ocorre o inverso. E não é coincidência a queda de produção do meio-campista nos últimos dois jogos.

A entrada de Wellington faz o inverso, ela limita a movimentação do Martinelli.  

Martinelli é jogador de mobilidade, que vai lá atrás buscar a bola e parte conduzindo, tocando, muitas vezes até invadir a área do adversário.

Quando escala um jogador mais fixo na entrada da área como Wellington, você obriga o Martinelli a avançar pra receber essa bola mais à frente.

E isso faz toda diferença. Já recebe mais marcado, com menos tempo e espaço pra pensar e desenvolver o jogo.

Com dificuldade, ele acaba voltando pra buscar. E quando a bola está no pé dele pra iniciar a jogada, Wellington teria que avançar entre linhas pra ser opção de passe mas, por característica, não faz esse movimento, pois só joga com uma única orientação corporal, de frente pro jogo.

Sem essa movimentação de Wellington, fica apenas o Yago por dentro. Contra um adversário muito fechado, falta gente no meio.

Outro efeito ruim dessa escalação recai sobre Nenê. Nenê tem duas características que o mantém como titular. Bola parada e finalização. Todos os jogos de melhor rendimento do camisa 77, foram por dentro, com liberdade de movimento pra encostar no centroavante, pra abrir pelos lados e com possibilidade de arremate de média distância.

Plantando Nenê pelo lado do campo, o ano de 2020 já mostrou isso, restará somente a bola parada.

Com Kayky muito aberto, e é pra ser assim, afinal um dos trabalhos ofensivos do time deve ser trabalhar a bola pra que ela chegue no um contra um do moleque, é necessário que Calegari faça um lateral meio-campista, que venha por dentro ajudar no toque e na construção.

Quando Calegari busca a linha de fundo, embola demais com o Kayky.

Do outro lado, o movimento do Egídio é o inverso. Egídio deve espetar na ponta e trazer o Nenê mais pra dentro. Fiz um texto recente aqui na Flupress sobre o quinto elemento em que explico isso melhor (Veja aqui).

Nada disso aconteceu. Egídio embolado com Nenê de um lado, Calegari e Kayky do outro, pouca gente no meio. Fred isolado e apenas um chute como resultado dessa proposta.

Teve coisa boa também.

O Fluminense roubou (entre desarmes e interceptações 26 bolas). Resultado de uma pressão maior na marcação com Martinelli e Yago. O adversário não criou uma chance clara de gol, mesmo quando o Fluminense recuou e optou por não ter mais a bola.

Pragmatismo. Segurança. Controle. Aversão ao risco.

A essa altura do trabalho do Roger parece muito claro que o Fluminense, como instituição, vem buscando estabelecer uma identidade no clube desde que contratou o Odair ano passado.

E desde o empresário que “indica jogador ao scout”, passando pela contratação de jogadores mais experientes e “bons de vestiário”, até os modelos ofensivos e defensivos dentro do campo essa cultura é prioritariamente reativa.

Talvez porque a gestão esteja em busca de segurança numa situação financeira difícil.

Talvez porque a gestão não acredite que dê pra ser agressivo nesse momento do clube.

Talvez porque nem saiba fazer de outra forma.

Mas é uma escolha de uma gestão eleita. E deve ser respeitada.

Não seria minha escolha. Eu partiria pra algo mais agressivo, focado no desenvolvimento de talentos e num tipo jogo que trouxesse engajamento e interesse.

Minha escolha não é melhor, nem pior, só é diferente.

Dá pra vencer, ser competitivo e brigar em cima de todas as formas. Basta que o modelo seja funcional e as escolhas coerentes.

Embora eivado de legitimidade, sinto muito que esse caminho não seja debatido, não seja alvo de perguntas, não seja comunicado de forma clara por presidentes e candidatos a presidente.

A razão de ser do Fluminense, a torcida, precisa estar envolvida nesse processo.

Tabelinha

– Terça-Feira, dia 20, tem estreia na Flupress. Thiago Reis, já devidamente apresentado pelo Gustavo, vem aí com o dossiê River Plate (ARG). Thiago é muito fera.