O inglês Charles Reep pode ser considerado o primeiro contador da história do futebol. Era um contador da Royal Air France. Em uma noite de 1933, seu departamento recebeu a visita do capitão do Arsenal (ING), que fora lá explicar o sistema de jogo do time.

Apaixonado pelo esporte, resolveu aplicar sua formação para criar um sistema anotando cada lance que ocorria no jogo. Sua intenção era oferecer uma resposta à confiança na memória, na tradição e nas impressões pessoais que levam à especulação e ideologia no futebol.

 
 
 

Ele não, ele lidaria apenas com fatos. Veio a guerra e apenas 17 anos depois (em 1950) Reep pôde fazer seu primeiro relatório de um jogo. E começou a tirar suas conclusões. Dividia cada ação do jogo e anotava. Ele registrou mais de 2200 partidas, passando 80 horas analisando cada uma.

Os dados que reuniu se tornaram, mais tarde, a base de um artigo científico. O sistema de códigos que ele criara se prestava de fato à análise científica e esse sistema mostrava pela primeira vez que diversos aspectos do jogo realmente obedeciam a padrões numéricos fortes e estáveis. O objetivo de Charles Reep era achar o que é necessário para vencer uma partida de futebol.

Em suas anotações começou a perceber que o jogo é de uma grande alternância de posse, descobriu que a cada passe completado a probabilidade de acertar o próximo diminuía, concluiu que apenas 8,5% das jogadas continham mais de 3 passes, descobriu um padrão que dizia que apenas 2 gols em cada 9, vinham de jogadas com mais de 3 passes e sabia que grande parte dos gols vinha de bolas recuperadas dentro ou nas imediações da grande área adversária.

Reep não inventou a marcação por pressão, mas foi o primeiro a rotulá-la. E, concluiu, de forma abrangente e à prova de dúvida que uma equipe é superior na medida em que passa menos tempo tentando trocar passes mais tempo levando a bola de forma rápida e eficiente para a área adversária.

Produção máxima (gols) com o mínimo de insumos (passes). Ele acreditava no jogo vertical e encontrou evidências que sustentavam essa crença, que, com o tempo, mostrou-se equivocada uma vez que temos diversos exemplos de bons times e times vencedores nos mais diferentes estilos.

Assim começa o trabalho do Roger no Fluminense. Pouquíssima posse, nenhuma preocupação com o controle do jogo usando a bola, independentemente do adversário. O Flamengo, o Cuiabá, o River, a Portuguesa da Ilha têm o mesmo tratamento do treinador do Fluminense.

Pressão, verticalidade, transições e bolas paradas. Assim joga o Fluminense. E é assim que o Fluminense vem sendo extremamente competitivo nesse início de trabalho.

Depois de alguns jogos muito ruins com pouca posse e bloco de marcação muito baixo, Roger “andou pra frente” com esse time no campo de jogo.

O resultado é que a briga por espaços passou a ser feita mais longe da área do Fluminense e o sistema defensivo tem sofrido muito menos com finalizações dos adversários. O time levou apenas 1 gol nos últimos 4 jogos.

O sistema vem funcionando. Mas esse jogo é muito dinâmico. Pra esse sistema funcionar ele precisa de peças que possam cumprir funções-chave e que se desgastam.

E essas peças em algum momento terão que ser substituídas. Há substitutos?

Quando esse sistema encontrar um outro que exija dele adaptações, essas adaptações vem sendo colocadas em prática nos treinamentos?

Se o Fluminense encontrar um time que alonga bola e joga em bloco muito baixo, terá muita dificuldade ou saberá se adequar à nova realidade?

Há fluidez e capacidade de adaptação a cenários que, fatalmente, irão surgir?

O sim pra todas essas perguntas é a chave do sucesso na temporada. Já que o texto fala de dados, vou repetir um deles: Existem times que jogam o futebol vertical e ganham títulos e fazem sucesso. Mas não são times xiitas, radicais no estilo.

Voltando a Reep, era um incrível contador do esporte, mas não um analista. Porque usou números para justificar suas crenças. Ele jamais abandonou a ideia de procurar uma regra geral, uma fórmula de sucesso. Não aprendeu a procurar as verdades e as falsidades que seus dados continham.

Voltando a Roger, me preocupa o caminho de negar de forma veemente a bola e a posse. Afinal, você precisa dela para fazer gols e com ela você não os leva.

Há campeões com futebol mais direto e vertical. Há campeões com média de posse de bola abaixo dos 50%.

Mas não há campeões que joguem apenas dessa forma. E não há campeões com média menor que 40% de posse, que é o que o Fluminense apresenta na libertadores e nos 2 primeiros jogos do campeonato brasileiro.

Ou esse número sobe um pouco (o que dará ainda mais controle do jogo, complementando o controle de espaço) ou esse Fluminense terá que ser muito revolucionário pra levantar taça ficando tão pouco com a bola.

Tabelinha

– A passagem sobre Charles Reep é encontrada num livro espetacular que mudou minha forma de pensar futebol chamado “Os números do jogo”. Recomendo muito.