Foto: Mailson Santana

Entendo desastrosa a coletiva dada pelo Mário. Em dois aspectos diferentes, dois pênaltis batidos uns três metros por cima do travessão. Vamos às falas:
 
“Não adianta dizer que o jogo da Copa do Brasil é o mais importante do ano e a gente ter 11 mil pessoas no estádio, com todo respeito. Então não é o jogo mais importante do ano coisa alguma. O jogo mais importante do ano, quando era torcedor de arquibancada, são todos os jogos. Eu ia todos, quarta, domingo, com chuva, sol, eliminado…A rede social construiu o cidadão da boca para fora. Sentar ali e pegar o celular para marretar os outros é mole. Eu quero ver o cara levantar e ir para o estádio ou então fazer o seu Sócio Futebol”.
 
 
2020 e o Fluminense continua pensando as relações humanas sob a ótica de seu umbigo. Não, o Fluminense não é – lamentavelmente – o centro do mundo. Sim, a maior parte de nossa torcida – e de todas as torcidas do país – não encara o futebol como prioridade.
 
Está claro para todo mundo que a despeito de nosso engajamento pessoal, não somos capazes de replicar na torcida nossa maneira de enxergar a relação com o Fluminense? Está claro que se dependêssemos apenas dos fanáticos de todos os jogos nossa torcida não chegaria nem aos onze mil citados pelo Mário? Está claro que o desafio do Fluminense é o de conseguir atrair torcedores na via de ações que criem uma boa experiência no estádio e que cobrar o cara do sofá é conduta que nunca deu certo em mais de cem anos de futebol profissional no Brasil?
 
A declaração do Mário não é apenas inócua, ela é antipática e passa uma soberba injustificável quando ele, o presidente, se coloca numa posição de tricolor acima dos que não vão “quarta, domingo, com chuva, sol, eliminado…”.
 
O torcedor médio de todas as equipes vai ao estádio para ser feliz.
 Ah… eu não. Eu vou porque o Fluminense é minha vida e estou com ele de qualquer forma.
 
Amigo, você faz parte dos 11 mil. Os outros 59 mil que caberiam no Maracanã infelizmente não são como você. Vamos lidar com isso de maneira adulta e racional?
 
Cacete! Até quando o torcedor será o culpado pela incapacidade de gestão dos nossos dirigentes? E aqui não falo especificamente do Mário, mas de todo o passado que afundou o clube no mar de lama no qual ele está.
 
No lugar dessa fala antipática e nada transformadora, Mario tinha que estar procurando soluções. Passa por um projeto de jogar futebol que seja atrativo, pelas escolhas de treinadores que cativem o público, passa por trabalho voltado para a boa experiência na arquibancada (a nossa está uma zona e o clube não move uma palha), passa por programas concretos de inclusão social para um estádio de setenta mil lugares que vive ocioso (já abordei o tema aqui na Flupress), passa por programas inteligentes de precificação de ingressos, passa por bastante coisa.
 
Mas o clube continua batendo na tecla do sócio futebol como panaceia para todos os males. Funciona mais ou menos como o Mário deixou claro: você TEM que contribuir, mesmo que eu não faça o que você espera.
 
Não vai rolar, amigos. Não vai. O cara do sofá vai continuar vendo pelo pay-per-view e não foi tocado pelas palavras institucionais do clube.
 
Se o time deslanchar e ele achar que será feliz, ele chamará o filho ou o tio e irá ao jogo. Se ele for e se amarrar no ambiente da arquibancada é capaz dele querer voltar mesmo com o time meia boca. Esse cara não quer pagar mensalidade, meus Deus do céu.
 

– Ah… mas se o plano for mais atrativo ele pode querer. Pode. E cabe ao clube ser mais atrativo mesmo em seus programas. Mas reparem uma coisa. O universo de sócios futebol será sempre infinitas vezes menor do que o universo de tricolores que não querem ou podem se associar. Quando vamos entender isso? Quando vamos entender que o sucesso de um plano de torcedores não cria um descompromisso do clube em querer o não sócio no estádio?
 
Se Mário de fato sempre foi aos estádios como fala (e eu acho que foi), só consigo colocar na conta de um lamentável desequilíbrio uma declaração dessas, muito mais comum em dirigentes sem experiência de arquibancada.
 
Eu estou bem chateado com essa colocação. A torcida jamais pode ser responsabilizada. Jamais. Menos ainda num cenário de um time recém eliminado da competição mais aguardada do ano, com um treinador ruim pra cacete e uma arquibancada onde cada um faz o que quer.
 
Culpar a torcida é assumir o fracasso. E que me desculpem os amigos de quarta, domingo, sol e chuva. Entender que as pessoas são diferentes em seus desejos e engajamentos é a base para o bom debate de ideias e projetos eficientes.
 
 
 
A outra bola fora:
 
“Agora virou modinha. Todo técnico estrangeiro é melhor que o brasileiro. Tudo que é de fora é melhor. Eu digo isso com todo o respeito, até por ser neto de português, mas Portugal está capinando ainda para tentar jogar um futebol melhor que o nosso” 
 
Essa fala seria naturalizada no boteco, ou na pré do Arthurzão ali no hostel do Maracanã. Numa entrevista coletiva? Não, amigos. Não dá.
 
Em primeiro lugar não tem nada de modinha. Ninguém sério defende isso ou aquilo para o time do coração por “modinha”.
 
Em segundo lugar, não é verdade que todo técnico estrangeiro é melhor que o brasileiro. Isso não é objeto de discussão e é uma generalização diversionista para o que de fato importa: nossos treinadores são, na esmagadora maioria, muito ruins.
 
Ou alguém discorda?
 
Métodos ultrapassados, predomínio da ideia de não perder sobre a ideia de vencer.
 
Por que muita gente da torcida pede um nome de fora? Porque sabemos que se (ou melhor, quando) o Odair cair entrará um outro nome dessa ciranda viciada de nosso futebol.
 
Amigos, antes desse treinador ser contratado os nomes viáveis eram Jair Ventura, Abel, Cristóvão, Celso Roth, Dunga, Valentim.
 
O torcedor não está pedindo um estrangeiro, está pedindo socorro para que não seja ninguém desse grupo de péssimos treinadores que afundam ano após ano o nosso futebol.
 
Surgiu algum nome novo? Alguém com um puta trabalho no Madureira ou no XV de Jaú? Então nêgo vai pedir alguém de fora. Ser sensível a isso não é ser “modinha”, é assumir que não haverá resultado diferente acaso os mesmos erros sejam mantidos.
 
Não é lógico? Ou vocês acham que o Jair Ventura vai dar um jeito no nosso time para que sejamos campeões brasileiros? Nem em sonho, né?
 
Mário é um cara articulado, envolvente e conta com uma senhora vantagem para fazer diferente: é novo, transita bem entre a experiência e a juventude. Trazer um nome de um treinador que não seja dessa cirandinha é arriscar. E arriscar é tudo o que um clube gigante que está de joelhos tem que fazer.
 
O Fluminense – esse mesmo 1 ao 11 – de um treinador corajoso, com brio e novas ideias, estaria disputando a sulamericana porque teria jogado para vencer. Odair saiu porque jogou para não perder. Ironicamente, mesmo eliminado, conseguiu.
 
E assim segue o Fluminense. Alternativas viram “modinha” e fracasso de público vira culpa da torcida.
 
Amigos, ou muda a mentalidade ou cada vez mais distantes ficaremos do Fluminense que guardamos na memória.
 
Um saco escrever sobre isso. Na boa…
 
CURTA

– Três palavrinhas sobre Figueirense e Fluminense: Vai pro cacete!