Em um post na internet, Jorge Nunes Filho, ex-assessor de imprensa do Fluminense, falou sobre a saída de Fred e a convivência com o mesmo. O jornalista trabalhou dois anos ao lado do ex-capitão do time e conta suas impressões quanto à transferência para o Atlético-MG e a relação no dia a dia com o atleta. Confira na íntegra:

A carne e o osso de um ídolo

(Sobre a saída de Frederico Chaves Guedes do Fluminense F.C. E sobre ainda um pouco mais…)

 
 
 

A afeição é uma característica muito natural, digo mesmo espontânea dos seres humanos. E essa “preferência” costuma se mostrar ainda mais circunstancial entre as pessoas. Através de uma fórmula midiática, um sujeito pode transformar-se quase que em um desenho animado, um ser atemporal, um indivíduo que é humano, porém um “semideus” conquistador de uma espécie de afeição coletiva em seus admiradores. Culpemos à TV, às ferramentas online e todos os envolvidos no espetáculo, e, por vezes, culpemos ao ídolo. Ídolo esse que come, dorme, ri e chora, que caga. Sim, eles cagam. Eles também oscilam, se divertem e se maltratam. E assim como qualquer um de seus seguidores, eles querem mais. Esse prefácio chato e redundante faz parte da mínima filosofia que todo mundo sabe, mas nega. No cotidiano das babaquices naturais, o senso comum sabe o que se faz por dinheiro, o que se faz por querer ou não querer, e o que se faz por poder. Mas mesmo assim os maliciosos teimam em incendiar a falsa paixão. Paixão essa que nem eles mesmos acreditam, mas teimam em fingir que lhes guia. Esta semana, a falsa paixão está sendo fomentada pelos aristocráticos tricolores cariocas, que perdem seu ídolo-vilão-quebrado-mulherengo-herói-cachaceiro-evangélico-referente-decadente capitão. O camisa nove dos corações ao ar volta à BH.

Por dois anos tive o prazer, ou sonho para muitos, de conviver de perto com um dos mais badalados jogadores de futebol da historia do Fluminense. Como assessor de imprensa do Departamento de Futebol, aturar as piadas de crianças barbadas e o chulé eterno de perto nos torna um deles, mais um do limbo dos vestiários. Por lá sempre esteve Frederio, um mineiro do interior, rico, mas interiorano. Nunca foi uma surpresa para mim, e para qualquer um, encontrar o atacante reflexivo, com o olhar tentando alcançar sua magnitude adquirida e sua proporção no futebol daquele tempo. Assim como nunca foi novidade para ninguém os chopps, os caipsaquês, as mulheres, os carros de luxo, as areias de Ipanema, depois as do Leblon, os beijos pela janela do carro e… as mulheres, e tudo mais. Nada de incomum. Pegue qualquer mineiro do interior, encha ele de dinheiro e o solte nas areias cariocas. Pronto. Será sempre um mineiro, mas com um sonho vivo de turista. Crime nenhum. Mas tinha o futebol aí nesse meio. E é aí que entram os apaixonados falsários.

O rapaz do interior ganhou um espaço inesperado. Seus sorrisos sempre estiveram presentes, mas cada vez mais milionários. E o que ele sempre quis? Ele sempre quis mais. Ele quis sempre a artilharia, quis a Amarelinha, quis mais dinheiro. E todos os falsários apaixonados também queriam isso. Não digo nem para si, já que esse querer é óbvio. Digo que queriam que ele quisesse. E mais, o que ele pedia a mais por isso sempre valeu. Pouco se questionava sobre as quantias em suas contas, pouco até sobre sua vida movimentada, já que as redes balançavam. Com uns poucos títulos e muitos gols, a imagem do ídolo de cristal foi montada. E do mesmo jeito arranhada. Como foi dito desde o início, ele é uma pessoa que carrega um afeiçoamento coletivo, e isso nunca o tornaria perfeito.

Embaso essa constatação com a parte que todos querer saber, a parte sobre a convivência com o ídolo de perto. Enganam-se os que bradam sobre essa imagem conspiratória de Fred como um desagregador, um sujeito que dá esporro em todo mundo, que acha que é o Zico do Fluminense, que manda o salva-vidas da piscina do clube praticar saltos ornamentais para seu divertimento. Fred foi sim um sujeito simples dentro do clube. Essa história de que os mais jovens são seus fantoches é balela de torcedor almofadinha, daqueles que mal sabem que Xerém ainda é estado do Rio. Os garotos de hoje já são projetos de estrelas desde a categoria sub-15. Seus fones de ouvido gigantes e coloridos os blindam de qualquer esporro de jogador velho e carcumido. Assim como eles já chegam ao profissional lapidados pela marra, chegam também com os preceitos da malandragem. E, nesse aspecto, estar por perto do “brabo” do elenco sempre foi uma estratégia. Pelo contrário. Lembro-me de Fred sempre dando conselhos muito fortuitos ao companheiro de ataque Wellington Nem. Conselhos estes que o ajudaram, e muito, com a sorte de fazer o pé de meia nas terras gélidas do Leste Europeu. E ouso ainda dizer que tais conselhos não se estendiam tanto aos dirigentes e comissão não. Lembro-me de um Rodrigo Caetano e um Abel que não são do tipo de homens que deixam medalhão escalar time ou contratar jogador. O que tenho claro foi sempre um Fred cordial e que carregava todo o tamanho que ganhou sozinho. Em nossa organização de entrevistas, nunca foi um dos mais problemáticos. Sempre colocou a camisa quando o pedimos para aparecer. Nunca fugiu de perguntas. Pelo contrário. Sempre foi a alegria da imprensa quando soltava seus sorrisos na minúscula sala de imprensa das Laranjeiras. Na convivência na concentração era ainda mais tranqüilo. Sempre fez as refeições com todos, jogou muito vídeo game e pôquer como qualquer um e é, como todo bom mineiro, um amante da “resenha”. Nos últimos tempos, passaram pelo Fluminense indivíduos e dirigentes muito mais egocêntricos, e criminosos, que ele. E nenhum deles possui um por cento de sua representatividade na história. Falando em dirigentes imundos, em contrapartida, existe ainda uma parcela de funcionários essenciais, gente humilde, que faz as engrenagens andarem, que construiu e mantém a história do futebol tricolor caminhando, para quem Fred deixa um “algo mais”, deixa saudade.

OBS: Destaco que fui campeão e caí com o time. Passei ainda por duas eliminações de Libertadores. Fogo no vestiário e alterações drásticas de humor se davam por atacado.

Mas falta conectar o início da conversa com o desenrolar da história. E os falsos apaixonados? Estão aí, espalhados nas mais variadas corjas. São os torcedores, que sempre o quiseram como ele foi e não o querem mais. São os saudosos, que aceitaram todos os seus milhões recebidos pelo prazer de cada gol. São os tricolores atuantes das Laranjeiras, que pediram milhões de fotos, de camisas assinadas, que levaram seus filhos e netos com seus pomposos bolos para comemorarem seus aniversários com um abraço do ídolo. São os dirigentes, que ficaram muito felizes com as vendas de camisas, com patrocínios pequeninos, com a história do ídolo vilão que catalisa tudo, com uma reeleição avassaladora aonde se gritava na vitória: “o Fred vai te pegar”. Todo esse mundaréu de paixões vendidas, imediatistas e orquestradas dá agora, em tons pastéis, o tom da despedida.

Que os tricolores guardem os feitos de Fred, por que as mentiras a ele atribuídas vão continuar a acontecer nas Laranjeiras.

O mineiro cansou da vida bamba de turista pop star e dos burgueses safados com quem tanto tratou. Ganhou o seu e muita gente, fazendo menos, ganhou com ele.

Agora, o mineiro só quer voltar pra casa. Que ele fique no coração de quem o quiser.