O que mudou taticamente do Flu do Abel para o seu?
O time continua praticamente o mesmo. Basicamente só o Felipe não estava jogando. No primeiro jogo, o que fiz foi adiantar o Deco, aproximar o Sóbis do Fred e recuar o Wagner. Agora estou jogando com o meio com o Edinho mais preso, Jean pela direita, Felipe pela esquerda e o Wagner. Foi tudo mais facilitado pelo trabalho do Abel, que treinava variações. Ele jogava no 4-2-3-1, mas saíram os dois jogadores de lado (Thiago Neves e Nem).
O Felipe, de quase 36 anos, aguenta jogar toda quarta e domingo?
Tem que ter um cuidado. Já teve cãimbras contra a Ponte Preta. Tenho que ir com equilíbrio.
Dá para jogar Felipe e Deco de início juntos?
Dá, desde que estejam em faixas diferentes. Se você põe Deco e Felipe juntos como meias ofensivos, aí o meio-campo fica morto. Quem vai marcar, cadê a velocidade do time? Mas jogando em faixas diferentes, o Felipe mais atrás, dá. O Deco, por exemplo, não pode vir muito aqui atrás. Não tem mais condição física. Ele gostou da posição onde eu o coloquei, mais à frente. Falou para mim.
Você não era o preferido do presidente do clube…
(interrompe) Não foi questão de preferência. O presidente (Peter Siemsen) não tinha preferência, ele queria que o Abel continuasse. Tinha uma certa resistência, até por essa história da minha ligação com o Flamengo… Conversei com o Peter por telefone, e depois na reunião que tivemos no dia anterior à minha vinda. Ele me conheceu melhor. O Abel é meu amigo, eu não conversaria se ele fosse o técnico ainda.
Você assinou um contrato de cinco meses de duração. Significa um Vanderlei atuando mais só nas coisas de campo, menos no planejamento do clube, como você sempre gostou de fazer?
– Não deixarei de contribuir. O que mudou é o prazo do contrato. Foi meu erro no Grêmio: fui contratado por uma diretoria e entrou outra, perdemos a Libertadores e caiu tudo em cima de mim. Mas continuo conversando sobre as coisas, tenho conversado com o Rodrigo (Caetano, diretor-executivo) sobre o futebol do Fluminense. Outro rótulo equivocado sobre mim é dizer que contrato jogador sozinho, que mando nisso. Sempre é em conversas com a diretoria. Nunca tive problemas com diretor de futebol remunerado, nem vice de futebol. E aqui no Fluminense será assim também. Não decido nada sozinho.
Será mais difícil para você conquistar um bom ambiente no clube, já que chegou com certa rejeição pela ligação com o Flamengo?
– Vamos ver o ambiente. Mas esquecem que já trabalhei aqui. O roupeiro, Aloísio, trabalhou comigo. O massagista conheço também. O ambiente é criado naturalmente, aos poucos vou conversando com um, com outro. Mas já tive uma história aqui no Fluminense (foi treinador dos juniores e auxiliar-técnico nos anos 1980). E a resistência da torcida diminui, é normal. Quando eu cheguei, era 90%, agora já deve estar bem menor, se fizerem uma pesquisa.
Em tão pouco tempo, algum jogador te surpreendeu?
Já conhecia o elenco. Os meninos da base, vou conversando com as pessoas do clube. Sobre o Julião, por exemplo, eu perguntei. Foi até sorte, porque tinham dois jogadores da posição machucados e eu não gosto de improvisar.
Neste domingo, o Fla-Flu volta a ser disputado no Maracanã depois de três anos. Gostou de como ficou o estádio?
– Está bonito, mas eu não gostei. Bonito, está. Mas quem conheceu da forma como era… Tinha que ser feito algo moderno, mas em cima do que era. O Maracanã, que era o maior do mundo, ponto turístico, não é mais, virou um estádio como todos os outros. Aquela magia, eu não reconheci. Você entra e é como se tivesse entrando em uma arena como todas as que têm hoje.
Até onde o Fluminense pode chegar no Campeonato Brasileiro? Quem são os favoritos?
– Ainda tem muita coisa, dá para chegar. O São Paulo, num dos títulos recentes, esteve também na zona de rebaixamento no início e chegou. O Corinthians é muito forte, o Inter tem um grande elenco. O Cruzeiro contratou bons jogadores, e o Botafogo é o time mais arrumado da competição. Não sei se tem elenco… O Coritiba depende muito do Alex, não acredito que chegue para título…
Que projeção de pontos você faz para seu time a médio prazo?
– O ideal é, na metade do campeonato, na virada do turno, estar ali pelo G-4, ou brigando para entrar nele. Para depois poder disputar o titulo. E tem que analisar a tabela direito, é muito jogo quarta e domingo, com Copa do Brasil, estou vendo que vou ter que queimar uma rodada.
O que é queimar uma rodada?
– Queimar uma rodada é algo que já fiz em outros clubes, você tira o time todo que está jogando de uma partida, e dá uma semana para recuperá-los bem fisicamente e poder avançar. O Fred vem da Copa das Confederações… É tirar o time todo, botar outro time para jogar. Mas eu ainda não decidi em qual rodada acontecerá isso, temos que subir um pouco na tabela.
Você vai enfrentar o Mano Menezes, no Fla-Flu de domingo. Você sempre declarou que considera sua demissão da seleção, em 2000, em meio à CPI do Futebol, uma injustiça. Como viu a saída do Mano?
– Achei uma injustiça. Não deveria ter saído. Nada contra o Felipão, só que o Mano tinha um trabalho. Foi contratado para aquilo ali e não deixaram o Mano ir até a Copa. Tinha o trabalho na mão. Foi uma injustiça com ele. O Mano também poderia ganhar a Copa das Confederações, a lista de convocados seria muito parecida, ou não? E teria mais tempo para trabalhar, jogando em casa. Houve uma injustiça. Não quero entrar no mérito de por que tiraram…
Mexe com os brios do treinador sair da seleção?
– O Mano deu um tempo, é um treinador de alto nível, voltou agora. Ele não saiu por causa dos resultados, saiu por opção política do momento. Foi diferente da minha porque a minha foi um achincalhe público. Fui envolvido na CPI, era o cara mais odiado do Brasil, chamado de ladrão… Minha vida foi revirada… Nesse aspecto foi diferente meu caso e do Mano.
Imagina voltar à seleção?
– Já fui. A Copa que era para ser minha foi a de 2002, Felipão disputou. Me arrancaram de lá. Mas já passou, passei por ali, não me traz trauma nenhum. Não penso.
Ano que vem se completa uma década do seu último título brasileiro. O Vanderlei Luxemburgo está devendo grandes trabalhos?
– Minha década atual é extremamente vencedora. Fui campeão em 2003 e 2004 do Brasileiro, Copa do Brasil em 2003. E mais uns seis estaduais dentro dessa década. Levei Santos, Fla, Grêmio para a Libertadores. Que trabalho perdedor é esse? Estou devendo por quê? Ah, mas não ganhou a Libertadores… Outros não ganharam. Tem treinador que já ganhou a Libertadores uma vez e sumiu, ninguém sabe, ninguem viu…
Talvez você seja mais cobrado pelo currículo…
A cobrança tem que ser em cima de todos os grandes treinadores. Do Muricy, do Abel, do Autuori, que não ganha um campeonato nacional desde o Botafogo (em 1995, mas ganhou a Libertadores em 1997 e 2005 depois). Se pegar minha última década, quantos têm números de títulos ou classificação para a Libertadores parecidos? É só ver os números…
O Barcelona acaba de contratar o técnico argentino Tata Martino. Outros argentinos têm mercado na Europa também. Os técnicos brasileiros estão devendo?
– Não há defasagem. O treinador argentino, uruguaio, tem campo de trabalho restrito nacionalmente. Os campeonatos locais deles são fracos. Eles buscam a Europa, e pegam times de segundo escalão lá. Nós trabalhamos em time de ponta aqui. Nós não vamos sair de um Fluminense, um Inter, Corinthians, para ir para a Sampdoria ou Espanyol e disputar na metade de baixo da tabela. Nós não devemos nada para nenhum treinador de fora. E o salário, fora os times top, não é igual ao que recebemos no Brasil.
Então você teve propostas para voltar à Europa?
– Tive. Abelão teve, Muricy. Para trabalhar no nível que trabalhamos aqui, disputando títulos, você tem que pegar um Bayern, Manchester, Real Madrid…
Uma crítica comum aos treinadores brasileiros é que, na Libertadores outros times sul-americanos, com elenco muito inferiores, conseguem avançar pois seriam mais bem armados taticamente…
– A Libertadores é uma competição totalmente atípica, diferente. É mata-mata, porrada, jogos duros. É uma competição de não perder, eles fazem bem isso. Sem contar que para os clubes sul-americanos, o mundo deles é a Libertadores, muito acima do campeonato nacional, ao contrário da gente.
Você treinou o Real Madrid e teve bons números, mas foi demitido com apenas um ano…
– Eu tinha números excelentes. O Zidane, o Florentino (Perez, presidente) me disseram no dia em que eu saí: eles falaram “nunca vi um profissional trabalhar como você, acontecerem as coisas que acontecem”. Saí por divergência com o presidente.
Que divergência?
– Era um jogo contra o Getafe, tirei o Ronaldo, o Beckham já tinha sido expulso. A torcida não gosta que tire o ídolo, começou a agitar aqueles lenços brancos (sinal que pede a demissão do técnico). Depois do jogo, o presidente desceu no vestiário e perguntou: “Mister, por que tirou o Ronaldo?”. Eu respondi que precisava ganhar o jogo, ele não gostou, me cobrou de uma forma errada, começou a discussão. Até que eu disse “não pedi ao senhor para me contrar, se quiser eu volto para o Brasil”. E ele falou que eu podia ir embora.
Mas pesou na sua saída a eliminação da Champions League, para o Juventus, não?
– O que eu sempre disse é: se eu jogar três, cinco temporadas no Real Madrid, ou no Manchester, vou bater campeão da Champions. Porque você passa a conhecer a competição. Eu não conhecia o futebol europeu. Eles, os jogadores, têm muito respeito pelo ídolo, o craque adversário. Quando tirei Ronaldo e Zidane faltando 15 minutos, o time da Juventus veio para cima de mim. Eles tinham cagaço do Ronaldo., do Zidane… O próprio Zidane falou: “mister, aqui não costumam tirar, porque eles respeitam”. Foi um aprendizado que eu tive. Foi diferente da situação do jogo da minha demissão. Ali foi pressão da torcida, o presidente falou comigo de um jeito que não foi legal.
Deseja voltar a treinar um time europeu?
– Não. Não passa pela minha cabeça isso.
Como acha que será o Neymar no Barcelona?
– Vai ter que se adaptar, mas foi pro time certo, um time que joga da maneira que ele gosta de jogar. Não tem centroavante fixo, a maneira dele combina com o Barcelona. Vai ser eleito melhor do mundo, não tenho dúvida. Não sei se arrebenta já no primeiro ano, mas chega lá.
Você pretende seguir carreira político quando deixar o futebol?
– Sim. Não sei se aqui ou no Tocantins (onde tem negócios e uma fazenda). Sou filiado ao PT, atuante, gosto de acompanhar. Todos os políticos e partidos são alvos e se desgastaram muito com as manifestações. Mas, admito, não consigo entender os objetivos dos movimentos. Começou com a passagem em São Paulo. Aì o prefeito (Fernando Haddad, do PT) disse que não iria nem discutir a redução, o que está errado, e a coisa foi aumentando. Veio violência policial, na internet tudo se espalha rapidamente, cresceu. Mas não vejo quais são os objetivos. Não há bandeiras claras. Estão brigando por quê? Corrupção? Tem eleição em 2014, não vote nos corruptos.
Como vê a atuação do Romário como deputado?
– Está do jeito dele, de briga, mas está tendo uma atuação forte, está incomodando. Acho legal. Ele é um cara polêmico, né? Não conheço o trabalho dele a fundo, vejo mais as declarações. A meu ver, o trabalho dos legisladores, tanto deputados, senadores, vereadores… O projeto deles é fazer CPI. Não vejo projetos de leis que beneficiem a população, só querem saber de investigar, aparecer… A política para mim não devia ser assim, tem que ser mais propositiva.
Uma das maiores bandeiras do Romário é a criação da CPI da CBF…
– A CBF, e qualquer outro, tem que ser investigada pela Polícia Federal, Receita Federal… Manda dinheiro para fora, a CBF? Que se investigue. Há órgãos que têm competência para isso. Não é necessário que os políticos se metam.
Você falou algumas vezes agora em “projeto”. É uma palavra que você repete muito, tanto que virou um bordão de jornalista e até torcedores quando querem se referir a você de forma irônica. Já viu falarem assim? Você se policia para não usar muito a palavra?
– Nada! E estou errado? Até na vida pessoal tem quer ter projeto. A minha relação com a minha mulher tem que ter projeto. Se não tiver, você não vai ser merda nenhuma amanhã. Você projeta sua vida pessoal, sua carreira. Mas as pessoas não querem reconhecer que eu uso a palavra correta, é projeto de vida. Mas como sou eu que falo, preferem sacanear. A vida é feita de projetos. Nem penso nisso.
E qual o seu projeto para a carreira?
– Tenho mais uns aninhos, depois quero parar. Não vou continuar no futebol, não. Continuar morando no Rio, sim, sou carioca. Mas vamos ver. Tenho negócios no Tocantins também. O que é muito bom, minhas netas adoram. Ficar com o pé na terra, andar de barco, fazer churrasco no mato, tudo… Hoje, para criança, aqui no Rio você não consegue ter uma vida como antigamente. Brinquedo de criança hoje é o computador.