Pedro Venâncio, responsável pelo blog “Na base da bola”, hospedado no site Globoesporte.com, fez muitos elogios ao Fluminense. O jornalista enaltece o trabalho desenvolvido pelo clube em sua base. Segundo ele, a mudança positiva no método foi iniciada em 2011, no começo da gestão Peter Siemsen. Confira, na íntegra, o texto:

 

 
 
 

A vitória sobre o Avaí e a boa campanha do Fluminense no Brasileirão até o momento acenderam de vez os holofotes sobre a base do Tricolor, que já colocou 18 jogadores formados por ela em campo (incluindo Gustavo Scarpa, Mateus Norton e Lucas Fernandes, que jogaram por equipes profissionais antes de chegarem ao Flu). A história parece recente sim, mas não é. E merece ser contada passo a passo, com seus acertos e erros.

O primeiro desses passos é o início da gestão Peter Siemsen, em 2011, e a chegada de Fernando Simone para a base (e pouco depois de Marcelo Teixeira para os profissionais). Ali, passou-se a investir mais em Xerém novamente (a situação da casa da base tricolor em 2010 era lamentável e foi feita uma reforma). O investimento na base passou a ser mais pesado, e a observação de atletas, muito mais intensa com a chegada de Ricardo Correia, chefe do departamento de scouts do clube até hoje. Para a coordenação da base, foi trazido Jorge Macedo, do Internacional, e depois, com a saída dele, veio Klauss Câmara, então no Cruzeiro.

Neste período, o time de juniores foi extremamente reforçado. Vieram nomes como Fabinho, então desconhecido lateral-direito do Paulínia, que foi vendido um ano depois e hoje é um dos volantes brasileiros mais valorizados na Europa, atuando pelo Monaco. Chegaram também Michael, centroavante vindo do Rio Preto, Higor Leite, do Internacional, e Eduardo, do Fortaleza.

Com esses reforços, mais a base que já existia (2011 é o marco do início da mudança, não o início da história), o Flu chegou na final de todas as competições de juniores que existiam no Brasil na época: a Copa São Paulo, a Taça BH (então sub-20) e a Copa RS. Perdeu as três, é verdade, mas essa base dos juniores compôs com qualidade o elenco campeão brasileiro de 2012. E há “resquícios” desse início de trabalho ainda no clube, como a presença de Marcos Júnior nos profissionais.

A tão desejada continuidade foi dada, e nos anos seguintes o Fluminense seguiu captando e revelando bons jogadores. Do Nova Iguaçu, veio Biro Biro. Do futsal do próprio clube, vieram Gerson, Kenedy e Douglas. Marlon, dispensado do Vasco, chegou como volante, virou zagueiro e decolou, embora fosse reserva da dupla Gum e Henrique quando foi embora para o Barcelona. O Flu nadava de braçada no Rio de Janeiro, foi bicampeão estadual sub-17 e sub-20 e campeão brasileiro sub-20 em 2015, já com outras pessoas no comando.

Um hiato desse período foi durante a presença de Mário Bittencourt como diretor de futebol. Pouco entusiasta em relação ao uso base, Bittencourt apostou na contratação de jogadores mais rodados. Com Levir Culpi no ano passado, a garotada seguiu sendo pouco utilizada, exceto os que já haviam se firmado, como Gustavo Scarpa e Wellington, de volta da Espanha após seis anos. Na base, o Flu inovou e lançou um projeto internacional com o Samorin, novamente idealizado por Marcelo Teixeira, além de diversos empréstimos de jogadores da base.

Veio 2017, o dinheiro acabou e apenas um jogador, o lateral-direito Lucas, foi contratado, além das chegadas de Sornoza e Orejuela, trazidos ainda em 2016. Era, e é, a hora de botar um trabalho de pelo menos cinco anos à prova, e as coisas, por enquanto, andam bem. Wendel ganhou a posição de titular, Marquinhos Calazans, que em certos momentos tinha pouquíssimas chances na base, evoluiu lá fora e hoje luta por uma vaga no onze inicial. Mascarenhas, que é um bom lateral (mas nada espetacular), fez um golaço contra o Avaí. A garotada não faz feio.

A história é parecida com a do Santos, em 2002, que ficou em oitavo lugar no que seria um turno do Brasileirão (e depois embalou no mata-mata). É mais parecida ainda com a do Santos de 2013, quando a saída de Muricy Ramalho com o time perto da zona de rebaixamento e a venda de Neymar fizeram com que boa parte da imprensa cravasse a queda santista. Veio Claudinei Oliveira, veio a molecada campeã da Copinha e o time terminou o Brasileirão em sétimo. O Corinthians de 2004, sob o comando de Tite, ficou em quinto lugar com um time de moleques como Jô, Coelho e Betão, entre outros.

Poderiam ser citados o Internacional, que em 2015 foi à semifinal de uma Libertadores com um time quase todo sub-23 (reforçado por D’Alessandro e Nilmar), e lá fora o Monaco semifinalista da Liga dos Campeões e campeão francês tem uma equipe muito jovem, com alguns nomes experientes pontuais, como Falcao. Não se trata aqui de advogar pelo uso exclusivo de garotos da base, mas sim de dizer que, com um trabalho bem feito e inteligência, é possível sim montar equipes competitivas com menos dinheiro do que os adversários, e valorizando o que se forma em casa.

O trabalho na base do Fluminense está longe de ser perfeito. São necessárias ainda melhorias estruturais em Xerém (embora já tenha havido avanços), e os perfis de jogadores para algumas posições ainda não são os ideais, na visão do blogueiro (e ninguém é obrigado a concordar com isso). Um exemplo disso é a dupla de zaga formada por Nogueira e Reginaldo, que vem atuando bem e atende a um jogo reativo, em padrões nacionais, mas não constrói jogadas como hoje o altíssimo nível do futebol europeu pede a um zagueiro.

E no sub-20 a escolha é por zagueiros altos também, eficientíssimos no jogo aéreo, mas novamente um pouco abaixo nesse perfil de construir jogadas de trás. Nos jogos da equipe, fica claro que não são estimulados a sair jogando quando o goleiro Yuri dá chutões em tiros de meta na maioria das vezes.

Mesmo os atacantes de lado de campo do Flu ainda precisam se firmar como grandes jogadores lá fora, e isso é importante para um clube que gera boa recenta vendendo jogadores. Gerson e Kenedy, muito bem vendidos, são vistos como problemáticos em seus clubes, e Robert, outrora promessa de craque (realmente jogou muita bola na base), hoje está no banco de reservas dos profissionais. Ramon e Paulinho, também vistos como grandíssimas promessas um dia, não evoluíram como o esperado nos juniores, que passam por um momento conturbado com duas demissões de treinadores em seis meses. No sub-17 e no sub-15, as coisas têm sido mais bem sucedidas.

Ainda assim, com esses problemas, a história do Flu na base recente é de sucesso. Um pouco aumentado por um marketing em cima de Xerém que às vezes soa excessivo (visto que formação e captação se complementam), mas um caso que poderia inspirar várias equipes do Brasil com problemas financeiros. E se esse time mantiver o atual ritmo, será um tapa com luva de pelica na cara dos Nostradamus de plantão que vaticinavam a queda completa do clube após a saída da antiga patrocinadora, que definitivamente não eram poucos.