Atleta do Fluminense entre 2018 e 2019, o goleiro Rodolfo abriu o seu coração em um depoimento forte e corajoso ao portal GE, contando sobre sua trajetória como atleta profissional e sobre a dependência química. O jogador foi pego no antidoping mais de uma vez, inclusive no período em que atuou pelo Tricolor. Confira o texto, na íntegra:
“Eu preciso nunca esquecer o que passei. Se eu pensar que nunca vivi, que nunca fiz as coisas que fiz, vou acabar voltando a fazer. Tenho que contar a minha história porque isso entra como parte do meu tratamento. Vai ter de estar na minha cabeça até o final da minha vida.
Achar que eu vivi e já superei? Não é bem assim. A dependência química é uma doença. Uma doença que a todo momento a pessoa tem de estar ciente e alerta para não acontecer de novo. As drogas entraram na minha vida a partir dos meus 15 anos. Foi a primeira vez que eu usei droga, e foi muito por causa do álcool.
O álcool é uma substância lícita que está presente em quase todo lugar e foi a porta de entrada para a cocaína, para a maconha, para outras drogas também. Eu estava em uma casa noturna, na minha cidade, e me apresentaram. Foi a primeira vez que eu usei.
Desassociar isso da minha vida eu sei que não é possível. Sempre falo, abertamente, tudo o que fiz e o que vivi, até para ajudar outras pessoas que podem ter o mesmo problema.
O Rodolfo é um grande goleiro. Uma pessoa muito boa de coração, um cara muito alegre, muito de grupo. Fiz algumas escolhas erradas na minha vida tanto profissionalmente quanto fora de campo, mas quero muito dar a volta por cima. Quero voltar ao topo, e quero voltar porque ainda estou novo.
Nasci em Santos, no litoral de São Paulo. Minha mãe é paraibana, meu pai alagoano. É uma mistura gigantesca, tenho sangue nordestino. Tenho um irmão, o nome dele é Robson, sete anos mais velho que eu. E tenho um irmão por parte de pai também, mais novo.
Tive que sair de casa com 12 anos de idade. Não tive as figuras materna e paterna desde muito cedo. Eu falava com eles regularmente por telefone. Todas as férias que tinha, eu ia passar com eles, mas você acaba ficando meio solto. Acabam acontecendo coisas na vida de um jogador que, se tivéssemos mais aquele apoio dos pais, perto da gente, poderíamos ser outra coisa.
Eu jogava futsal lá em Santos, no Gremetal, o mesmo time que o Neymar jogou – a gente jogou junto até. Fomos para o futebol de salão do Santos. Só que a turma que jogava comigo foi para o campo do Santos, e eu fui para o campo do São Paulo, e a gente acabou se desencontrando.
Saí com 12 anos de Santos. Fui jogar na categoria de base do São Paulo e, de lá, vim para o Paraná. Moro aqui desde os meus 15 anos.
Eu estudei, terminei o colegial, mas não foi pelos clubes. Quando chega ao profissional, mesmo se não tiver terminado os estudos, você fica meio por conta própria. Os clubes te largam.
Joguei quatro anos no Paraná Clube. Foi o clube onde eu estreei profissionalmente, com 17 anos. Um clube rico, de uma torcida muito acolhedora e forte. Vejo o Paraná nessa situação, hoje em dia, e fico entristecido, por tudo o que aconteceu, pela passagem de dirigentes que tiraram o valor do Paraná Clube. A tristeza bate muito forte.
Depois, fui para o Internacional, em Porto Alegre, e vim para o Athletico, onde fiquei sete anos. O Athletico teve uma importância muito grande na minha vida, profissional e pessoal. Eles não trataram só o atleta, só o goleiro. Trataram a pessoa. É um clube que não forma só jogador. Eu sou grato. Sempre vou ser.
[Nota da redação do GE: no dia 9 de junho de 2012, Rodolfo foi pego no exame antidoping do jogo do jogo do Athletico contra o CRB. Ele foi suspenso pelo uso de cocaína pelo Supremo Tribunal de Justiça Desportiva e reconheceu ser dependente químico].
Para aquele Rodolfo, eu diria: tenha mais juízo. Meu conselho é para fazer as escolhas corretas, se privar de bastante coisa, se privar das coisas que – não é que eu não me arrependa – mas eu me privaria. De coisas que fiz lá atrás e hoje não faria mais. Tenho várias lembranças, mas no meu retorno da suspensão, em 2014, no Athletico, o Campeonato Paranaense para mim foi muito forte. Voltei contra o Prudentópolis, nosso primeiro jogo. Fui muito bem, capitão do time, que era sub-23.
Esse jogo contra o Prudentópolis foi um dos jogos mais marcantes que eu tive na minha vida. Por tudo que eu passei. Sempre lembrava uma frase que o Petraglia falava para mim: “Eu quero te ver jogando de novo com a camiseta do Athletico”. Foi uma pessoa que me ajudou muito, no tempo que eu estava no Athletico e também fora.
Em 2018, saber que eu estava indo para o Fluminense foi uma das melhores sensações que eu tive na minha carreira. Eu estava no Oeste, já tinha saído do Athletico, e fiquei sabendo que ia por empréstimo para o Fluminense com opção de compra.
Eu estava muito nervoso no dia que estreei. Foi contra a Cabofriense, Campeonato Carioca, 18 de março de 2018. Mas acabei indo muito bem. Se eu estivesse um pouquinho mais calmo, no gol que eu tomei, conseguiria ler melhor a jogada, e a gente poderia ter saído com a vitória. Mas foi muito bom. Na época o técnico era o Abel Braga, e ele falou que eu fui muito bem no jogo. O treinador de goleiro também gostou muito, o Marquinhos. Eu gostei também, mas se eu estivesse mais calmo seria melhor.
Lembro do primeiro Fla-Flu que eu joguei… Acho que todo jogador sonha em jogar um jogo desse, grandioso, com o Maracanã cheio. Quando eu pisei naquele palco, com aquele tanto de torcida, aquilo ali me marcou, está marcado pelo resto da minha vida.
Antes do final de 2018, eles já tinham sinalizado que iam me comprar do Oeste em definitivo. Isso me deixou mais feliz ainda. Eu ia ter mais tempo para mostrar meu trabalho, para jogar, para me preparar. O ano de 2018 até a metade de 2019, para mim, foi maravilhoso.
[Nota da redação do GE: no dia 23 de maio de 2019, Rodolfo foi pego no exame antidoping do jogo contra o Atlético Nacional, pela Sul-Americana. Ele abriu mão do exame de contraprova e ficou suspenso por um ano, sete meses e 20 dias].
Eu perdia noites de sono, ia treinar muitas vezes virado, porque não dormia. Só queria saber da droga, do álcool, das noites. Isso me afetou muito na época do Athletico, meu rendimento caiu muito. E no Fluminense foi uma das causas também que me fizeram ir para o banco de reservas. Se eu tivesse conseguido me manter sóbrio poderia ter ido muito melhor, poderia ainda estar nesses clubes. As tentações. As tentações que você acaba encontrando pela frente desafiam.
Tudo depende da pessoa mesmo. Pode ser que o Athletico ou o Fluminense queiram te ajudar, mas se a pessoa não quiser ela vai acabar se afundando. Vai acabar acontecendo o que aconteceu comigo. O que a gente tem que fazer para uma pessoa que está nesse caminho turbulento e que sente que está perdendo o rumo da vida é pedir ajuda. Procure seus pais, procure os amigos de verdade e peça ajuda.
A gente acaba se deslumbrando um pouco. Você acaba conhecendo outras pessoas que chegam perto de você só por causa do que você é, por causa do dinheiro, o status que você tem. A gente acha que está tudo certo aquilo ali e acaba fazendo as coisas como as que eu já disse.
Quando voltei da suspensão lá no Fluminense, eu estava com um pouco de medo. O que vai ser dali para frente? Como vai ser meu rendimento, minha volta? Foi um receio muito grande que tive. Mas voltei com muita vontade de colocar em prática o que eu perdi naquele tempo.
Ser goleiro é não ter medo. Não ter medo de nada. Tomar bolada, sair do gol, jogar com o pé. Você não pode ter medo nenhum, tem que ter muita coragem.
Sempre vão ter as pessoas más. Já passei por jogos que me xingaram, falaram que sou drogado e várias besteiras. Eu não ligo, porque quando entro dentro de campo coloco a cabeça ali dentro e não escuto nada de fora. Escuto meu técnico e meus companheiros.
Eu sei que meus filhos vão ver. Vão ler matérias sobre isso. Serve de alerta. Pra eu alertar eles, para não acontecer com eles. Um aprendizado. Eu casei com a Yasmim em 2015, mas estamos juntos desde 2013. Ela é meu porto seguro. É a pessoa que sempre vai estar do meu lado, que vai estar me apoiando, que estava comigo nos meus momentos ruins e nos meus momentos bons. Foi uma pessoa que ficou muito triste por tudo que aconteceu comigo. Ela perdeu um pouco da confiança em mim por tudo que eu fiz. Ela e minha mãe foram as pessoas que ficaram mais tristes pelos dopings, pelas escolhas erradas.
A gente tem dois filhos. E eu tenho, de outro casamento, mais dois filhos. Rafaela, Ruan, Ramires e Ryan. Um de 13, um de 11, um de oito, e a Raphaella de cinco anos. Eu sempre brinco com a minha esposa falando para os meus filhos que eles são a minha aposentadoria. “Bora, se vocês quiserem ser jogador, isso vai ser a minha aposentadoria”.
Meu filho mais velho é o que mais gosta de jogar futebol. Meu mais novo está começando. O do meio colocou na cabeça que quer ser goleiro, e eu brinco com ele: “Vai ganhar dinheiro, joga do meio para frente, não vai para o gol não”. Mas eu apoio bastante, eles veem o pai deles jogando futebol e gostam muito. Se eles quiserem seguir essa carreira eu vou apoiar até o final.
Meu pai sempre me apoiou muito, minha mãe também. Sempre apoiaram minhas escolhas como futebolista. Eu ganhei bastante dinheiro. Mas sei de outros jogadores que ganharam muito mais. Consegui investir um pouco, gastei bastante, e me arrependo de muitas coisas que eu fiz porque poderia estar muito melhor do que estou hoje.
Tenho 32 anos. No final do ano passado eu estava jogando no Oeste. Só que aconteceram alguns problemas, e eu recebi uma ligação dos diretores do Trieste, que me fizeram uma proposta. Fui parar no Trieste por conta também de eu não ter recebido muitas propostas legais no profissional.
O Trieste é um clube amador, mas eles tem uma estrutura que muitos clubes profissionais não tem. Vou voltar para cá de novo. Eu já estou renovando meu contrato, para mais para frente. Tenho que agradecer. Eles abriram as portas para mim.
O Rodolfo de hoje sonha grande. Muito. Muito mesmo. Hoje eu trago a lembrança para não fazer novamente. A dor que eu sinto, só de lembrar, é um aviso para que eu me afaste logo, de vez. Para eu tentar retomar meu caminho no profissional, seguir meu caminho, e não fazer novamente“.