Amigos, eis que, contrariando as minhas expectativas, o Fluminense começou o ano voando baixo. Em janeiro, quem me perguntava sobre a temporada tricolor invariavelmente ouvia resmungos pessimistas. Considerando a reta final do Campeonato Brasileiro de 2016 e a aparente preguiça na busca por reforços, eu não enxergava mesmo motivos para ter esperança.
Mas, nos primeiros onze jogos do ano, foram oito vitórias, dois empates e uma derrota – esta com um time quase todo reserva, e prejudicado pela arbitragem, no Beira-Rio. Os equatorianos se adaptaram rapidamente, Henrique Dourado está com o faro de gol apurado, Gustavo Scarpa e Wellington Silva seguem sendo efetivos, e Lucas se mostra um excelente reforço. Felizmente, o começo de 2017 contraria meus sombrios prognósticos. Não que eu esteja exageradamente otimista agora. A própria derrota do time misto em Porto Alegre demonstrou que o elenco tem carências, que precisam ser sanadas. Além disso, é bastante provável que alguns dos nossos atletas titulares sejam negociados no inverno. O ano começou bem, mas pode desandar.
Mas o verão nem terminou e já levantamos o primeiro troféu, a Taça Guanabara. E que conquista, amigos, que conquista! Na decisão, o Flamengo parecia o grande favorito. Em toda decisão, o Flamengo parece favorito, com os milhões de reais em seus orçamentos estratosféricos, com os milhões de torcedores que têm seu nome gravado no coração, com a imprensa amiga a incensar as qualidades do time. Dizem que eles têm 40 milhões de adeptos. Dizem que a camisa rubro-negra é tão pesada que enverga varais mundo afora. Dizem que, com seu orçamento milionário, poderiam pagar todos os outros elencos do Campeonato somados, e ainda sobraria um troco para jantar no Bar Lagoa.
Porém, chega o Fla-Flu definitivo da Taça Guanabara, e o favoritismo rubro-negro escorrega. O Fluminense faz 1 a 0, o Flamengo vira para 2 a 1, e o Fluminense vira para 3 a 2. Tudo isso ainda no primeiro tempo. Em 45 minutos, o Fla-Flu tem emoções que um clássico comum levaria décadas para acumular.
Antes de continuar com a história do Fla-Flu, abro um parêntese para contar um drama pessoal: eu não estava assistindo ao Fla-Flu, acreditem. Tinha uma prova marcada exatamente para a tarde do clássico (que passe a constar em todos os editais de concursos futuros: “a prova será automaticamente adiada se for marcado um Fla-Flu para o dia de sua aplicação, e ficam desde já revogadas todas as disposições em contrário”). Quando o jogo devia estar lá pelo começo do segundo tempo, e eu não fazia a mínima ideia de como andava, terminei minha prova. Porém, havia um empecilho: para sair mais cedo e ver o que restava do Fla-Flu, eu não poderia levar comigo o caderno de questões, nem mesmo anotar as minhas respostas. Para isso, precisaria esperar até as 6 da tarde, quando o clássico já teria terminado. Como poderia conferir o gabarito depois? Então, me veio a ideia: “vou memorizar minhas 40 respostas. Uma sequência de 40 letras, eu consigo. É pelo Fla-Flu, eu tenho que conseguir”. Olhei para aquele cartão de respostas durante uns 10 minutos, acredito eu. Quando fechei o olho, consegui lembrar as 40 letrinhas, aquela sequência aleatória de ás, bês, cês e dês. Entreguei a prova, e saí em disparada para ligar a TV do meu celular. Antes de anotar minhas 40 letrinhas decoradas, havia uma urgência maior: saber quanto estava o Fla-Flu. Opa, está 3 a 2 pra gente, parada técnica do segundo tempo. Aproveitei para anotar meu gabarito. E então me ajeitei para assistir ao que restava do Fla-Flu ali mesmo, naquela pracinha entre o Jardim Botânico e a Lagoa Rodrigo de Freitas.
O Fluminense lutava bravamente para segurar o 3 a 2, o mesmo 3 a 2 de 25 de junho de 1995. “Ame o Rio”, essa foi genial. “Segura essa, Júlio César”. O título parecia questão de tempo, e é aí que mora o perigo. Nada é previsível no Fla-Flu. Aos 40, o Flamengo empata, com um gol de falta (que não foi falta, obviamente). Solto meus palavrões. Lá vem disputa de pênaltis. Que solução estúpida é a disputa de pênaltis. Maldito seja o inventor dessa maluquice, que produz infartos mundo afora, e que é tão justa quanto um cara-ou-coroa (aliás, é menos justa – no cara-ou-coroa, as chances são de 50% para cada lado; na disputa de pênaltis, quem começa batendo leva vantagem).
Falando em começar batendo, foi o Flamengo que começou: Diego converteu. A essa altura, as chances de o Fluminense vencer eram menores, mas quem já venceu os 98% de 2009 não se entregaria fácil: Lucas empatou. Paolo Guerrero converteu, Henrique também, 2 a 2. Réver chuta e Júlio César defende com os pés, que coisa linda de se ver! Marquinho, o mesmo Marquinho que em 2009 chutou o rebaixamento para o espaço sideral, põe o Fluminense em vantagem: 3 a 2. Rafael Vaz cobra para fora, e agora estamos a um gol do triunfo. Marcos Júnior caminha para a bola. Ano passado, ele entrara em campo durante a decisão para nos dar a Copa da Primeira Liga, em Juiz de Fora. Este ano, entra para cobrar e converter o pênalti que nos dá a Taça Guanabara. Marcos Júnior, tal qual Paulinho em 1985, sai do banco de reservas para entrar na história. Fluminense, campeão da Taça Guanabara!
Na hora da decisão, a camisa do Fluminense faz diferença. Não que a camisa rubro-negra não pese: escrevi ali em cima que ela enverga varais. Acontece que o manto tricolor os arrebenta. Quando o Fluminense entra em campo, não são apenas onze seres humanos bem vestidos. Não: eles entram acompanhados dos 115 anos de história do clube mais importante da história do futebol mundial, aquele cujo DNA está impresso no genoma de todos os outros times do país, dentre eles o próprio Flamengo e a gloriosa Seleção Brasileira com suas cinco estrelinhas.
E a Taça Guanabara repousa feliz, na rua Álvaro Chaves, 41, em numerosa companhia. Já me pego sonhando com a repetição de 2007, ou até quem sabe de 2010 e 2012. Como seria bom reviver essas glórias. Até o Profeta sairia de sua distante caverna para festejar com a plebe tricolor…
(após uma longa pausa, volto escrever aqui no NETFLU às terças-feiras; você me encontra também no Twitter)