Certa vez, no Maracanã, fiquei observando uma pequena idosa na arquibancada. Não me lembro qual era o jogo a que assistíamos – só sei que foi no Maracanã das cadeiras brancas, amarelas e verdes. A figura da velhinha ali, em pé, sozinha, seguindo atentamente as botinadas no gramado, atraiu minha atenção de maneira irresistível. Comecei a imaginar para qual dos times ela estava torcendo – vestia uma roupa neutra, e não dava nenhuma mísera pista de qual era o clube que fazia seu coração pulsar. O Fluminense enfiou uma bola na trave e eu nem vi, de tão comovido que estava com aquela senhorinha.
No intervalo, ela se sentou. Foi quando sucumbi à curiosidade, fui até ela e perguntei: “a senhora é tricolor?#8221;. Ela respondeu que não, que adorava futebol, mas que não tinha um time do coração, exceto pela Seleção Brasileira. Começou então a contar sobre sua primeira vez no Maracanã, levada pelo falecido marido vascaíno: um Vasco x Bangu no longínquo ano de 1969. Num certo momento do jogo, quando o Vasco vencia por 1 a 0, o goleiro Valdir tinha a bola nas mãos e iniciaria o contra-ataque, mas escorregou e jogou a bola para dentro do próprio gol. “Só os 50 mil que estavam aqui viram: foi um frango incrível, menino!”. O jogo, segundo ela, terminou 1 a 1.
Talvez animada por ter ouvidos atentos a escutá-la, ela prosseguiu. Disse que passou a amar o futebol naquele domingo de Maracanã, hipnotizada pelo então maior estádio do mundo. No entanto, detestou as vaias da torcida ao goleiro do Vasco. Valdir errou, e foi um erro escandaloso, que custou a vitória ao time – mas falhas podem acontecer com qualquer um, e ele definitivamente não merecia ser execrado como foi.
Depois daquele domingo, ela voltou ao Maracanã centenas de vezes, em jogos dos mais diversos times – “é meu programa favorito, menino!”. Mas garantiu: só torcia mesmo para a Seleção Brasileira. Nos jogos de clubes, não apoiava nenhuma das equipes, apenas apreciava o espetáculo. Só uma coisa a chateava: as vaias aos atletas que falhavam no gramado. Elas a faziam se lembrar de Valdir, o goleiro frangueiro do Vasco x Bangu de 1969. “Eu não torço para ninguém: só rezo sempre para que nenhum dos 22 jogadores falhe feio, menino”.
Este domingo, no Fla-Flu, quando Renato Chaves furou bisonhamente e deu o gol de bandeja para o Flamengo, me lembrei da Dona Maria. Não sei se ela estava no Maracanã, não sei nem mesmo se ainda está viva. Porém, esteja ela onde estiver, tenho certeza de que já fez sua oração para Renato Chaves. Também sei que ela ficou feliz ao notar que nós não crucificamos nosso zagueiro. Domingo que vem, ela torcerá pelo Fluminense junto com a gente.
Quando Renato Chaves marcar o gol do título e enfiarmos nossas faixas no peito, agradecerei à Dona Maria pelas suas preces. Sim, está escrito há mais de 10 mil anos que o Fluminense será o campeão, assim na terra como no céu.
Amém.