Foto: Hector Werlang

Um dia após o presidente Mário Bittencourt anunciar o afastamento de Celso Barros do comando do futebol do Fluminense, o vice-geral decidiu falar. Convocou a imprensa para uma entrevista, na tarde desta sexta-feira, na sua casa, na Barra da Tijuca. E falou firme. Se disse injustiçado pelo mandatário, negou que vá renunciar ao cargo a que foi eleito em junho e condicionou o retorno ao principal departamento do clube a uma mudança no modelo de gestão.

Contextualização da campanha

 
 
 

Eu não tinha intenção de ser candidato a vice e a presidente do Fluminense após a eleição de 2016. Então, depois daquele momento, a gente entendeu que deveria haver a unidade para vencer a eleição e mudar o clube. Isso eu, o Mário e o (Ricardo) Tenório (que deixou a aliança e concorreu ao pleito em junho como opositor). Então, caminhamos juntos por um tempo. Mas sempre coloquei que não queria estar na chapa de forma institucional. Queria estar no futebol para contribuir com a minha experiência adquirida na época de patrocinador. Então, poderia ser até de executivo, afinal, não iria trabalhar de graça.

Faltando 25 dias para a eleição, após a saída do Tenório da aliança, eu percebi que a minha relação com o Mário não estava bem em relação a questões do futebol. Eu falei para o Mário até me tirar do cargo de vice-geral. Eu temia que fosse acontecer o que eu ouvia as pessoas dizer: que a nossa relação não iria durar um mês pelo nosso temperamento. Mas ele sempre dizia que a gente iria juntos até o fim no futebol. Não foi o que aconteceu.

Quais outras divergências?

Ao me afastar temporariamente, ele rompeu um compromisso político assumido comigo. E com os meus apoiadores.

O primeiro conflito que ocorreu foi na coletiva da eleição. Eu nem sabia que a gente iria falar, estávamos na euforia da eleição. Vocês (repórteres) nos instigaram a falar sobre alguns assuntos. Alguém me perguntou, e eu falei que estava preocupado com o nosso risco de rebaixamento no Brasileirão. A gente tinha sete jogos e estava em 16º lugar no Brasileiro. Isso me criou uma angústia com o risco de sermos rebaixados. Vivi isso antes, sabia do perigo que era. Mário não gostou.

O Vanderlei Luxemburgo sempre fala no Vasco que o objetivo era tirar o time da zona da confusão. No Fluminense, parece que não perceberam o risco.

Demissão de Diniz

Se eu fosse o presidente, faria as mudanças que achava que teria de fazer no começo do trabalho. Mas eu respeitei a hierarquia do clube. Claro, não estou na frente do Mário, mas também não sou empregado dele. Era um par. Fomos eleitos juntos.

Fiz uma cobrança forte com jogadores e com o Paulo Angioni (diretor executivo) após a derrota para o Atlético-MG (no primeiro turno, em Belo Horizonte). Disseram que isso incomodou os jogadores e o próprio Diniz. Ué, até parece que não se pode cobrar os jogadores. A direção é, então, eles têm de aceitar ser também. Não houve nada agressivo, só o tom foi forte.

Veio o fatídico jogo contra o CSA. O nosso aproveitamento era de time rebaixado. Mário veio aqui na minha casa. Só ele. Sem Angioni. Acertamos que o Diniz iria sair, ser demitido.

Mário ficou de falar com o Diniz no hotel. Foi dada a notícia. Aí, o Diniz deu uma entrevista agressiva contra mim. Elogiou o ex-presidente Pedro Abad, Mário, Angioni… Disse que não era meu amigo. Paciência, azar dele. Lamento. Mas a vida no futebol me ensinou que não se pode omitir. E isso desagrada as pessoas.

A reunião de contratação de Oswaldo de Oliveira foi na sua casa. O senhor indicou o nome ou concordou com a escolha?

A gente tinha uma lista. Tinha o Jair Ventura , o Maurício Barbieri… Dentro da lista, fora o Abel Braga e o Dorival Júnior, que tentamos e não puderam aceitar, surgiu o Oswaldo. Eu não me lembro quem deu o nome. Ele é bom profissional, mas estava muito tempo afastado e tem temperamento difícil. Com a dificuldade dos nomes, eu concordei com a contratação dele.

Oswaldo chegou com problema com a torcida. Depois, ele teve o problema com o Ganso. Mas ele saiu pelo gesto que fez para a torcida. Ficou muito desagradável. Foi um erro nosso.

Qual a sua posição na escolha do Marcão como técnico? Não ter ido na coletiva de apresentação dele significou ter sido contra a efetivação?

Eu não me posicionei. Deixei ao critério do presidente. Angioni sugeriu, e eu falei para o Mário decidir. O modelo cansa, como já disse. Sabia que ia ser esse o nome mesmo, então, não me posicionei. Eu não me lembro porque não fui na coletiva, sinceramente. Não fiz de pirraça, não. Mas o Angioni falou que diria na coletiva que tinha me convencido e o Mário afirmou que foi consensual. Mas eu não me posicionei.

Procurou outros técnicos?

Eu não queria a demissão do Marcão a toda hora. Teve um técnico oferecido, mas não vou citar o nome. No jogo contra o Vasco, eu falei com o presidente. Ele estava com a cara chorosa. Eu contei que tive a conversa com o Ariel Holan (técnico campeão da Sul-Americana com o Independiente, da Argentina). Marcão, na época, já tinha dito que queria voltar a ser auxiliar. Mário ficou com dúvida se daria certo trazer um estrangeiro agora. Falei, então, para a gente discutir o tema. Mas, a partir daquele dia, só foi silêncio. E eu queria discutir o Fluminense agora e para 2020.

Postagens em rede social

A minha postagem sobre o aproveitamento do time, no entender do Mário, o deixou exposto. Marcão é um grande técnico? Ele pode vir a ser. Futebol é difícil. Eu, desde que entrei no clube, tive medo do rebaixamento. Eu sempre me doei ao clube. Sempre. O presidente, então, achou que eu iria prejudicar o ambiente. Ele proibiu a emissão do bilhete de viagem para os jogos contra São Paulo e Inter. Foi uma indelicadeza, eu sou vice-presidente geral. E depois teve o problema dos ingressos contra o Atlético-MG.

Reunião que definiu o afastamento

Ele ficou um tempo enorme sem falar comigo. Nem por mensagem. A relação ficou difícil no dia a dia. Ele me ligou e marcou a reunião para quarta-feira. Estiveram lá eu, o Mário, o Angioni e o Sandrão. Nessa reunião, ele expôs mágoa. Me procurei manter calmo. Mas eu queria saber a decisão dele. Porque eu só falava com os funcionários, o Marcelo Penha (coordenador administrativo) e o Rodrigo Henriques (supervisor).

Reunião que definiu o afastamento

Ele ficou um tempo enorme sem falar comigo. Nem por mensagem. A relação ficou difícil no dia a dia. Ele me ligou e marcou a reunião para quarta-feira. Estiveram lá eu, o Mário, o Angioni e o Sandrão. Nessa reunião, ele expôs mágoa. Me procurei manter calmo. Mas eu queria saber a decisão dele. Porque eu só falava com os funcionários, o Marcelo Penha (coordenador administrativo) e o Rodrigo Henriques (supervisor).

Na reunião, Angioni fez um discurso sobre como era o Fluminense. Eu falei que para acalmar não iria viajar a Maceió (na segunda-feira, o Tricolor enfrenta o CSA). Então, Mário recebeu uma informação de que eu iria romper com ele. Ficou transtornado e acabou a reunião. Mas a informação não procedia.

Foi embora. Depois, mandou mensagem ao Sandrão dizendo que iria dar uma coletiva informando que iria me afastar até o final do ano. Ele não poderia falar comigo?

Eventual volta de Sandro Lima, o Sandrão

Eu nunca consegui colocar ninguém no futebol. O Mário colocou Marcão, Ailton, Duilio, Ronald, todos esses ex-jogadores no profissional e na base. Eu nunca coloquei nenhum nome. Sempre era muito difícil. Houve um episódio que foi o do Sandro Lima. Mas era indicação do Mário para ser gerente de futebol. Foi lembrado que o Sandrão tinha tido problema com os Esportes Olímpicos. Então, Mário decidiu não levar o caso adiante. Mário não é Flusócio (grupo político), mas tem o espírito. Ele fugiu desse assunto depois.

Como irá se portar agora como vice-geral?

Principal atribuição do vice é substituir o presidente quando necessário. Seja licença ou doença. Em tese, cuidaria também do patrimônio, mas como fiquei com o futebol, isso ficou com outra diretoria. Com a história que eu tenho e com o cargo, sempre vou me posicionar. Até no futebol, mesmo não estando no comando.

Eu não sei como será o dia a dia. Não sei nem se tenho sala em Laranjeiras. Se achar que preciso, pedirei.

O senhor reclamou de falta de autonomia. O que quis mudar no futebol? E por qual motivo não conseguiu?

O futebol do Fluminense parece que é envelhecido. Fica naquele CT que não tem abastecimento de luz e água (a energia é fornecida por gerador e a água, por caminhão pipa). Agora, vai ter um terceiro campo. Mas, enfim.

Imagina não poder fazer as coisas. Toda a hora tem de ligar e perguntar. Eu sou assim, impulsivo. Existem certos feudos lá. As pessoas parecem que não querem ajudar muito.

Eu entendo que há hierarquia e que a palavra final era do presidente. Mas também entendo que se deve buscar o consenso. Sem o acordo, o presidente decide.

Cite exemplos

Então, eu teria tirado o Diniz antes. Pois ele tinha a história no Athletico-PR, de campanha na zona do rebaixamento. A gente estava em 16º, jogava lindamente e perdia. Todo mundo lembra da nossa virada contra o Grêmio, mas, amigo, levamos 3 a 0 parecendo um time de futsal. Eu talvez tivesse tirado logo ao assumir, mas sabia que ele tinha boa relação com os jogadores. Quando assumi, me perguntaram se eu daria tempo ao treinador. Ele teve. Desde o começo do ano. Com todo o respeito, ficamos em quarto no Carioca, atrás do Bangu. Quando entramos, o Fluminense, com o Diniz, era 16º. E caiu para 18º no Brasileiro.

Eu queria modernizar o departamento. Mário tem uma posição de aumentar o scout do Fluminense, contratar mais gente. Mas como que eu ia debater isso na situação de não ter voz? O cara do scout (Ricardo Corrêa, chefe do departamento) é muito legal, mas ele parece tudo, menos que é do scout. Parece ser diretor de futebol, se comporta como presidente, como diretor financeiro e torcedor, claro. Como eu sou. Ele é um cara bom, mas isso faz parte de uma estrutura do clube.

Mas onde faltou autonomia?

Houve desgaste. É complicado. Você não fala com a pessoa, tudo é difícil. Na questão do técnico argentino, eu não queria trazer ele obrigatoriamente no lugar do Marcão. Mas queria discutir como seria 2020. E não aconteceu. Não adianta falar que eu contratei Orinho e Lucão, mas o presidente participou de tudo. Quer tirar o corpo fora?

Falavam internamente que eu era muito desconfiado. Mas… a comunicação do Fluminense não me deixava fazer nada. Só me deixava ficar quieto. Eu sempre falei com a imprensa, não tem essa de difícil. Pode ter problema. Enfim.

Essa relação é difícil até para ele. Ele se desgasta também.

De quem será a culpa em eventual rebaixamento do Fluminense?

Primeiro, o Fluminense não vai cair. A culpa de ser 16º ou rebaixado, será de todos nós. Do presidente Pedro Abad que montou o elenco e escolheu o técnico. E da gente que assumiu e teve morosidade no processo. A culpa será de todos, não vai ficar bonito para ninguém.

Pelas suas declarações, a comunicação interna era muito ruim no clube.

O que falta é conversa. Lá atrás, quando começou a dar problema entre Mário e Tenório, eu lembrei que poderia ser candidato pois a pesquisa me apontava com condições. É difícil falar com o Mário. O Peter (Siemsen, ex-presidente) era assim também. Marcava uma reunião e não aparecia.

O Mário inaugurou essa postura de dar coletiva de forma quinzenal. Na primeira, Mário disse que só iria falar do caso do Rodolfo, que tinha caído no doping. Mas aí eu fui ver, e ele só falou de futebol. Poxa.

Tem coletiva do vice? A comunicação do Fluminense trabalha a imagem do presidente. Por qual razão a Flu TV não me filma? Filma só o presidente, até quando o Ganso pegou ele no colo.

Qual o modelo ideal para o futebol do Fluminense?

Primeiro, a relação tem de melhorar entre o presidente e quem comanda o futebol. O mercado tem profissionais que podem ser contratados para ajudar. O Fluminense peca nisso.

Outra coisa: o presidente vive falando que a solução do clube é o Sócio Futebol. Mas quem disse isso a ele fui eu. Eu lancei a ideia. Ele não me cita, nunca. Mas eu disse isso dada a nossa dificuldade de encontrar patrocinador master, então, seria uma forma de termos mais receita. Por isso eu disse em um evento: se tivermos 100 mil sócios pagando R$ 30 reais, teremos R$ 3 milhões por mês. É mais do que qualquer empresa vai pagar. Agora ele diz que a ideia é dele.

Hoje é muito difícil uma empresa investir em um clube. Vejamos os patrocínios que o Fluminense tem. A empresa de ônibus (Doce Rio) é uma permuta para o clube não gastar com deslocamento. A casa de apostas (KB88), sim, pagou. A das vitaminas (Forteviron), me parece, é permuta também. Tem ainda o azeite Royal, que patrocina o Fluminense e os outros clubes do Rio.

O senhor foi contra a venda de Pedro?

Eu sempre fui contrário desde quando assumimos. Falei ao Mário que seria um problema técnico para o time vendermos o nosso centroavante. Mas ele disse que não tinha como, que o clube precisava do dinheiro. Aliás, fizeram uma operação com um banco aí para antecipar o dinheiro que seria parcelado. E vão pagar tudo o que devem.

Perdemos, antes, o Luciano e o Everaldo. Então, fica muito difícil para o time.