Pedro Trengrouse conversou sobre diversos assuntos (Foto: Arquivo pessoal)

Em entrevista ao blog Laranjeiras, no site da ESPN, Pedro Trengrouse falou sobre seus planos para o Fluminense. Candidato à presidência, ele abordou assuntos como relação com a Ferj, demais clubes, passagens por Flamengo e Vasco como dirigente profissional, adversários, divisões de base e muito mais.

Confira, abaixo, a íntegra:

 
 
 

Primeiro, uma pergunta óbvia: o Fluminense ainda é bastante difícil de ser gerido, sobretudo pelas dívidas que estão sendo negociadas. Sendo assim, por que assumir uma tarefa tão árdua?

Porque estamos passando por um momento especial e temos tudo para sermos protagonistas de uma mudança do cenário do futebol e dos clubes brasileiros. O modelo atual está esgotado. Não é possível viver no padrão 7 a 1. A Fifa foi sacudida, a CBF teve um presidente preso, a Ferj está em embate com os clubes e o país passa por um momento ímpar. Esse pode ser um momento único. É preciso ter coragem, ousar, ser inovador, disruptivo. Quero ser presidente para propor uma gestão participativa. Participação e engajamento são as palavras-chave da minha proposta.
Tão logo anunciou sua candidatura, pipocaram críticas à sua figura nas redes sociais, em função de sua postura “amigável” com clubes rivais, especificamente em relação ao cargo exercido no Flamengo. Sobre este assunto, o que tens a dizer aos tricolores mais desconfiados?
É simples assim: sou Fluminense. De carteirinha. Sou sócio desde 1983, como dependente de meu pai, e quando ganhei meu primeiro dinheiro, profissionalmente falando, comprei meu próprio título. Trabalho há quase 20 anos com o futebol. Já atuei em vários clubes, como Palmeiras, São Paulo, Corinthians, Vasco, e, entre eles, o Flamengo. Quando o Márcio Braga me chamou para trabalhar, a primeira pergunta que fiz a ele foi: você sabe que sou Fluminense, certo? E ele respondeu: sim, mas não estou contratando um torcedor, mas um profissional. Tanto sabe que, num depoimento que está no site da Verdade Tricolor, ele lamenta que eu seja Fluminense, e não Flamengo.
Tenho camisas do Flu em quadros na sala da minha casa, bola autografada pelo Fred. Esse boato aconteceu porque certa vez dei uma entrevista para a TV PUC e o repórter perguntou como era ser tricolor e trabalhar para o Flamengo, e se eu torcia para o rubro-negro. Na edição, mesmo com a própria pergunta reafirmando que sou tricolor, a resposta ficou que não dava para não torcer pelo Flamengo. Claro, eu trabalhava lá. Mas todo mundo sabe que sou Fluminense, falam isso porque é campanha eleitoral.
Chama-me a atenção sua postura mais conciliadora, inclusive com a vertente política de situação no Fluminense. Você acha que o discurso de união é o que o clube precisa, ou são necessárias rupturas, de modo que avancemos financeira e esportivamente?
Tenho certeza que a união é o melhor caminho. Todos os candidatos e os que já contribuíram com o clube têm importância, podem ajudar de alguma forma, dentro de suas qualidades e aptidões. A união das pessoas, das ideias e da disposição para trabalhar pelo Fluminense não impede um novo modelo de gestão. É nisso que acredito. O modelo vigente dá nítidos sinais de esgotamento e quem sair na frente será protagonista nessa nova era. O que quero é que o Fluminense cumpra esse papel. E para isso, precisamos expandir a participação a todos os tricolores e usar as ferramentas da tecnologia, da internet, da economia criativa e colaborativa. O Fluminense tem tudo para ter a torcida mais engajada do Brasil e isso terá o poder de mudar completamente o cenário atual.
O clube como um todo é importante, mas o carro-chefe é o futebol. Como vê o trabalho deste departamento no Fluminense? Se eleito, o que mudará em relação ao que está sendo feito hoje?
O futebol está no nome do Fluminense. É prioridade! O trabalho feito na gestão do atual presidente merece nosso reconhecimento. Fomos campeões brasileiros, estaduais e da Primeira Liga passando, inclusive, pela perda da parceria com a Unimed. Só que há um desvio de finalidade em alguns clubes brasileiros, onde se defende que o balanço é mais importante que as taças. A boa gestão deve ter como finalidade ganhar títulos e não somente pagar contas, que devem estar em dia para que nossos times façam tremer qualquer adversário. Essa inversão de prioridades é perigosíssima. Desmotiva times e torcedores, contrariando a própria essência do esporte. Antes de ser um negócio, o esporte é competição e nosso primeiro compromisso é com a vitória! Em relação ao que ocorre hoje no Fluminense, uma das primeiras mudanças será no investimento na base, que precisa aumentar bastante. Segundo informações do próprio clube, Xerém precisa de R$3 milhões para ser concluído. Isso é prioridade para nós.

Já que o senhor falou de Xerém, apesar da recuperação clara, a base ainda é criticada pelo fato de não produzir jogadores extra-classe. O último foi Marcelo, um jogador de defesa, há dez anos. O senhor vê explicação para isso? Não acha que investimos muito em resultados e pouco na formação de craques?
Jogadores extra-classe são pérolas, não surgem todos os anos. Mas se não temos uma coleção de atletas ‘fora de série’, temos alguns craques. Estamos vendo, por exemplo, o Scarpa fazer ótimas apresentações. Como o Marcelo, ele pode chegar à Seleção. Nesse meio tempo, Xerém revelou jogadores acima do padrão brasileiro do momento, como Maicon, Nem, Kenedy, Gérson. E Xerém, para mim, é prioridade total. É preciso investir seriamente. É de lá que saem os craques e uma grande receita para o clube. Xerém foi feito exclusivamente com doações, e até hoje já rendeu mais de R$200 milhões ao Fluminense. É preciso investir para que tenha tudo o que precisa. Inclusive, sugiro aos candidatos que se firme um compromisso para que, independente do resultado da eleição, se aprove um valor mínimo a ser investido na base.
Outra reclamação constante da torcida é em relação à caixa-preta do scout. Nos últimos anos, o Fluminense dependeu muito de empresários e fez investimentos em jogadores questionáveis, que não deram o retorno esperado. Qual o caminho para que o clube não seja refém e não erre tanto nessas contratações?
Transparência. Essa é a palavra-chave. O Fluminense precisa ter um modelo de jogo para todas as suas equipes. Um trabalho integrado entre a base e o profissional. Estamos conversando muito com a Universidade do Futebol, que trabalha com a Uefa, o Barcelona, a Unicef e outras grandes instituições. Com mais investimento na base, a necessidade de contratações desse tipo diminui bastante. Com transparência total e um padrão estabelecido, conseguiremos superar essa fragilidade que muitos clubes brasileiros têm, sendo obrigados a mudar tudo quando mudam de técnico, ficando reféns de empresários e de práticas comerciais, no mínimo, duvidosas.
O mercado econômico do futebol está em crise. Estamos no meio do ano e ainda sem um patrocinador máster, após um período turbulento com a Viton 44. Como fazer um marketing mais agressivo?
Como disse anteriormente, esse modelo está exaurido. Os clubes hoje seguem dependentes da verba da venda dos direitos de transmissão e de um patrocínio máster de camisa. A televisão, em breve, não segurará mais essa conta. Há alguns anos, quando participava da negociação dos direitos de TV pelo Clube dos 13, já dizia que o Pay Per View seria mais rentável que a TV aberta. E foi isso que aconteceu pouco depois. Hoje, não tenho dúvida alguma em afirmar que a internet roubará totalmente o espaço da TV. As pessoas não querem mais ficar escravas de uma grade de televisão, e as próprias emissoras não conseguirão manter esse valor tão alto. E quando digo que a internet ocupará esse espaço, não quero dizer apenas de transmissões. Estou indo além, falando de conteúdos próprios, da desintermediação entre clube e torcida, de parcerias com empresas de tecnologia e de formas de participação colaborativa. É um enorme caminho a ser explorado. E quem explorar primeiro chegará antes dos outros. Hoje, já tem clube no Brasil cuja segunda maior fonte de renda é o sócio-torcedor, e não o patrocinador de camisa. É simples perceber os novos rumos que estão sendo propostos. Tem que ter ousadia e coragem de partir para novos modelos, verdadeiramente inovadores e disruptivos. Os sócios, por exemplo, têm que participar mais do clube. Por que não termos o sócio-dirigente? Os torcedores têm que poder participar da gestão e isso é um pilar do nosso projeto.
Você é bastante enfático quando fala da presença do sócio de forma mais atuante na direção do clube, em vez de uma postura meramente eleitoral. Explique seus planos neste tema.
O Sócio Futebol será Sócio Dirigente. Com uma política de transparência total e pleno engajamento, queremos que os torcedores tenham poder de decisão e contribuam para que o Fluminense seja realmente do tamanho da sua torcida. Hoje, há tecnologia disponível para isso. Por que só se pode votar toda semana no Big Brother? Os sócios têm que poder votar em questões relevantes para o clube. O Fluminense é de quem? De seus torcedores. Então vamos criar mecanismos para que aqueles que estiverem de fato engajados possam participar ativamente. E aí acontece uma cadeia de coisas. Para que as pessoas possam decidir algo, é preciso que estejam plenamente informadas, o que implica em transparência total. Essa transparência nos leva à plena democracia, o voto para decidir o que muitas vezes é decidido por meia dúzia de pessoas, dentro de uma sala. Os sócios dirigentes podem decidir os rumos do clube junto com o presidente.
Se eleito, segundo a imprensa, você deve herdar o futebol fora das Laranjeiras, mas com o CT ainda precisando de obras. No caso da construção, sabemos que o projeto é tocado quase solitariamente pelo Pedro Antônio, que, inclusive, cogita uma candidatura – caso mudem o estatuto. Como é a sua relação com ele? Conversaram sobre o assunto?
Quem quer ser campeão não escolhe adversário. A participação do Pedro Antônio nesse processo eleitoral é muito bem-vinda e, não podendo ser candidato, quero muito seu apoio na campanha e na gestão. Gosto dele e tenho buscado um diálogo permanente. Acredito que devemos somar esforços e trabalhar juntos em prol do clube, independente de qual seja o resultado dessas eleições. Estou participando desse processo eleitoral com o objetivo de construir condições de excelência para que, na próxima gestão, o Fluminense consiga valorizar e aumentar ainda mais seu patrimônio, ao mesmo tempo em que tenha times competitivos capazes de fazer tremer qualquer oponente.

Compreendo e respeito o desejo do Pedro ser candidato a presidência. Seu trabalho, sem dúvida, credencia suas aspirações. Espero que continue trabalhando pelo clube na próxima gestão, quem quer que seja o eleito. É preciso equilíbrio para construir a unidade, respeitando as diferenças. Eventuais divergências de opinião não podem impedir que todos os tricolores possam trabalhar pelo bem do clube, que precisa, sim, de uma reforma estatutária, que não deve ficar restrita somente a este ponto eleitoral e precisa ser discutida com todo cuidado que o Fluminense merece.

Sou contra uma alteração estatutária que modifique regras às vésperas das eleições, porque acredito que isso não contribui para o fortalecimento institucional do clube, inclusive abrindo espaço para ações judiciais. Os Estatutos do Fluminense precisam ser revistos e melhorados, só não acho adequado que se faça a toque de caixa. Espero que os sócios participem democraticamente de tudo, que haja um amplo debate para que todos possam conhecer as ideias dos candidatos e o Fluminense possa eleger o melhor de verdade nas próximas eleições, que, inclusive, defendo que seja feita também pela internet, de modo que o maior número possível de sócios participe. Tenho buscado o apoio do Pedro Antônio e espero poder contar com ele.

Todos sabemos a importância do Maracanã para o Fluminense. No entanto, existe o temor que o Consórcio saia do estádio e o Flamengo assuma a responsabilidade, nos colocando na condição de inquilino. A imprensa inclusive já divulgou notícias sobre isso. O que fazer para proteger o clube desse prejuízo terrível, do ponto de vista técnico, moral e financeiro?
Logo que o Governo do Estado manifestou sua intenção de privatizar o Maracanã, participei ativamente das articulações que resultaram na formação de um consórcio entre Fluminense, Flamengo e CBF. Chegamos a assinar todos os documentos preliminares e conseguimos trazer os maiores investidores do mercado internacional. Infelizmente, o governo optou por entregar o Maraca para a Odebrecht e deu no que deu. Acho que o Fluminense precisa ser protagonista nesta questão, e temos tudo para retomar essa iniciativa do ponto em que paramos. Faz sentido para todo mundo.
Por diversos fatores, dentre eles a ausência do Maracanã, nossa torcida está em pequeno número nos estádios, o que pode levar muitos à adesão definitiva em acompanhar o time pela TV. O que fazer para resgatá-la?
A torcida do Fluminense tem tudo para ser a mais engajada de todas e por isso a participação dos torcedores é uma das nossas principais bandeiras. Precisamos aumentar bastante o número de sócios torcedores e desenvolver ações específicas para garantir mais público nos estádios. Na África, por exemplo, em 2009 e 2010, na Copa das Confederações e na Copa do Mundo, a Fifa estava com dificuldades para vender os ingressos e fez várias promoções para que os estádios não ficassem vazios. Acho importante que o clube tenha essa preocupação. Nesse ano de 2016, até agora, a média de torcedores pagantes nos jogos é de 7.674 torcedores, com taxa média de ocupação em 29%. Somos o 21º colocado entre todos os clubes das séries A, B e C. Em 2015, ficamos em 13º, com média de 16.351 pagantes. É verdade que a ausência do Maracanã evidentemente tem um grande impacto nos números, mas o desempenho do ano anterior está bem longe do potencial de mobilização que o Fluminense tem.
Quais os seus planos para o Estádio das Laranjeiras?
Laranjeiras é a alma do Fluminense e sua revitalização não deve ser mais um simples estádio, mas uma grande mudança social e econômica para o bairro e toda a Zona Sul do Rio de Janeiro. É inacreditável que os clubes do Rio de Janeiro tenham ficado sem estádio após a Copa do Mundo. Rio Grande do Sul, Paraná e Minas Gerais saíram da Copa cada um com dois estádios novos; Bahia e São Paulo saíram com três. Os clubes não souberam aproveitar essa onda e deixaram escapar uma oportunidade enorme, talvez por falta de visão global. O Fluminense teve o primeiro estádio do Brasil e jamais poderia ter ficado sem o seu. Essa é uma questão que temos que pensar juntos e debater com muita transparência com todos os tricolores, inclusive porque envolve toda sede social e dos esportes olímpicos. É a nossa casa e o que queremos é que esteja cada vez melhor. Ninguém melhor para saber o que está bom e o que deve ser mudado do que aqueles que frequentam as Laranjeiras.
A meu ver, o presidente Peter Siemsen tomou medidas corajosas contra a Ferj nos últimos anos. Tanto que o Fluminense foi um dos artífices e também o campeão da Primeira Liga. Como enxerga essa relação? É possível o diálogo ou a tendência é abarcar cada vez mais clubes alinhados com uma postura moderna, esvaziando os estaduais?
Defino a gestão Peter assim: para uns melhorou mais, para outros, menos, mas que melhorou, melhorou. O Fluminense está pronto para costurar os apoios necessários para transformações de verdade dessas estruturas todas. Precisamos de um movimento forte de renovação na Ferj. O próximo presidente do Fluminense precisa ter conhecimento e habilidade para costurar os apoios fundamentais para virar o jogo na Ferj. Essa aliança que o Peter construiu com o Flamengo é um bom ponto de partida. O mesmo vale pra CBF, que na próxima eleição terá 40 clubes e 27 federações votantes. Acho que é o momento de garantir avanços estruturais para o futebol brasileiro, e o Fluminense tem todo potencial para estar na vanguarda. A Primeira Liga, por exemplo, é o embrião da Liga Nacional. Basta trazer os clubes de São Paulo.
Por fim, qual a mensagem final que você deseja deixar aos tricolores?
Uma mensagem de esperança! O Fluminense tem tudo para dar um grande salto com esse verdadeiro choque de democracia, transparência e participação que estamos propondo. Nesse mundo em que vivemos atualmente, onde a maior empresa de transporte privado de carros não é dona de nenhum carro (Uber), o maior veículo de mídia do mundo não cria conteúdo (Facebook), o maior serviço de vendas do mundo não tem estoque (Alibaba) e o maior serviço de hospedagem do mundo não tem uma única cama (Airbnb), o Fluminense precisa sair na frente e encontrar seu lugar na rede.