SAF no Fluminense vem movimentando os bastidores no clube
Em texto que contou com a participação de Bruno Chatack, advogado especialista em direito empresarial e gestão esportiva, sendo publicado na coluna do jornalista Mauro Cezar Pereira no site UOL Esporte, foram destacados os perigos do modelo de SAF que vem sendo ventilado no Fluminense.
O site Globo Esporte trouxe a informação de que o Tricolor das Laranjeiras avalia uma SAF com um controle de fundo de acionistas. Contudo, é comentando que isso pode gerar instabilidade na agremiação.
Leia a publicação na íntegra abaixo:
“A notícia de que investidores avaliam transformar o Fluminense Football Club em uma Sociedade Anônima do Futebol (SAF) reacendeu debates sobre os rumos do clube e do futebol brasileiro.
Noticiada em primeira mão pelos jornalistas Giba Perez, Gustavo Garcia e Marcello Neves no Globoesporte, a transformação da associação do Fluminense em modelo de Sociedade Anônima do Futebol vai se desenhando com caráter de ineditismo no futebol brasileiro. Ao invés de um único dono ou controlador majoritário, como acontece nos casos de Botafogo, Cruzeiro e Atlético-MG, a SAF do Fluminense se desenha para ser controlada por um fundo de acionistas, uma espécie de clube de investidores, para os menos habituados com o tema.
A proposta levanta sérios questionamentos. Enquanto alguns defendem um modelo de acionistas descentralizados, que envolveria um maior número de torcedores e investidores institucionais, a realidade do mercado mostra que a fragmentação, ainda que sob a gestão de um eventual CEO, pode gerar instabilidade e dificultar o crescimento sustentável.
Isso sem falar no aspecto social, pois tirar o controle do futebol das mãos da associação (leia-se, da torcida) para depositar nas mãos de seletos investidores desperta uma clara desconfiança popular. Não há que se demonizar a abertura da indústria do futebol ao mercado financeiro, porém, existem opções menos impopulares de fazê-lo.
Se a intenção é deixar o clube nas mãos de torcedores-investidores, por que não fazer isso de uma forma acessível? Um fundo amplamente divulgado e aberto a todos os torcedores interessados pode ser um meio-termo viável entre um investimento restrito e uma abertura de capital na bolsa de valores, algo longe de se tornar viável no Brasil.
De toda forma, a tentativa de transformar o Fluminense em SAF ocorre em um momento delicado para investimentos estrangeiros no futebol brasileiro. O fluxo de capital internacional para aquisições esportivas em centros alternativos como o Brasil tem sido reduzido, em grande parte, devido aos juros elevados nos Estados Unidos, que tornam aplicações de menor risco mais atraentes para os investidores.
Casos como o do Vasco, cuja SAF foi adquirida pela 777 Partners, mostram que investidores estrangeiros podem enfrentar obstáculos no Brasil. A decisão judicial que afastou a 777 do controle do clube trouxe à tona a insegurança jurídica do modelo e sua vulnerabilidade a interferências externas. Embora a medida tenha sido juridicamente justificável, a intervenção precoce gerou um cenário de incerteza, o que afasta possíveis novos investidores.
Diante desse cenário, clubes que buscam se tornar SAF encontram uma oferta menor de investidores dispostos a aportar capital. Os que ainda demonstram interesse costumam impor condições mais rigorosas, como maior controle acionário e garantias de governança, dificultando o modelo de donos pulverizados.
Outro fator que dificulta a atração de investidores para o futebol brasileiro é a crescente pressão regulatória sobre o modelo de Multi Club Ownership (MCO), no qual um mesmo grupo empresarial controla diversos clubes ao redor do mundo. As principais ligas europeias, especialmente a UEFA, vêm impondo restrições sobre esse modelo, principalmente por meio das regras de Fair Play Financeiro.
Um exemplo recente é o caso do Lyon, clube francês adquirido pelo empresário John Textor, que enfrenta dificuldades para realizar investimentos significativos devido às exigências impostas pela liga. A disputa entre o americano e a Liga Francesa de Futebol ainda está longe do fim, mas promete embates que deixarão precedentes para o futebol europeu como um todo.
Cientes de que essa é uma provável batalha perdida, alguns investidores do futebol já apostam em um novo modelo de negócios, que vem sendo chamado de Multi Clubs Partnership (MCP), ou seja, uma parceria mais estrita entre agremiações.
Esse tipo de modelo deixaria de impor aos investidores um necessário investimento direto no controle de clubes brasileiros, por exemplo. Ou seja, quem está esperando cheques gringos milionários pode acabar se decepcionando.
Voltando para o caso do Fluminense, é fato que a situação requer muita cautela, um debate profundo dentro do clube social e um processo de transparência, tendo como parte essencial a própria torcida popular do clube.
Independentemente do que aconteça com o tricolor carioca, é evidente a euforia inicial com a transformação dos clubes brasileiros em SAF vem dando lugar a um verdadeiro choque de realidade. A solução sempre será a busca pela profissionalização da gestão, qualificação administrativa e um compromisso sólido com o pagamento das despesas correntes e das dívidas do passado, independente se o clube é uma SAF ou associação.”