Por mais que o número de casos e mortes por coronavírus ainda seja alto no Rio de Janeiro, a Ferj se articula para, se possível, recomeçar o Campeonato Carioca ainda nesta semana. Fluminense e Botafogo são os únicos clubes contra. Ex-coordenador médico tricolor, Michael Simoni concedeu entrevista ao NETFLU e avaliou todo o quatro.
Na conversa, Simoni destacou a dificuldade de se tomar decisões, uma vez que a Covid-19 é algo novo. Ele também elogiou a condução do presidente Mário Bittencourt em relação ao retorno e muito mais.
Confira o papo na íntegra:
O que acha desse retorno do futebol com o Brasil ainda flertando com as mil mortes diárias de Covid, sendo o Rio, atualmente, o estado com mais fatalidades, se considerada a proporção de mortes por casos notificados?
– Primeira coisa que eu acho que é importante a gente entender o que é a tomada de decisões sobre uma doença que driblou tudo e todos. Driblou a ciência, a economia, as expectativas e todas as previsões, que foram erradas, tantos as mais conservadoras e agressivas. Cada um tem uma decisão pessoal. Nós não temos ainda dados e ciência para mostrar o que é certo e o que é errado. O que nós temos hoje? As notícias mostram que os números de procura a atendimento estão caindo, pacientes chegando menos graves nos hospitais. Isso é ótimo, mostra que talvez o vírus esteja perdendo a sua agressividade, o que era esperado. Eu estava participando de uma convenção com o pessoal do Milão, que tinham problemas maiores com relação a doença. Um médico especialista que participava do mesmo evento, afirma que o vírus tende a perder a sua força depois após 70 ou 80 dias. Isso acontece com alguns tipos de vírus. A abertura precoce talvez aumente um pouco do números, mas a impressão é que os pacientes possam não ser tão graves como antes e não sobrecarreguem o sistema de saúde. Esse seria o lado bom.
Qual seria a diferença, então, de reiniciar o futebol agora ou daqui a um mês?
– Do ponto de vista geral, minha opinião pessoal: se eu fosse uma pessoa ligada a questão de programar o futebol, eu faria essa programação a partir do dia 10 de julho e reiniciaria a competição a partir de agosto. É o que eu vejo como sendo sensato. Claro que tudo isso dependente da mostragem que os números estão diminuindo. Temos um número de óbitos que estão sendo subnotificados e, em outros casos, como ocorreu na Itália, supernotificados. A gente tem aí um flerte com mil mortes diárias em média, no fim de semana cai mais, depois aumenta. Esses óbitos são referentes a semanas atrás, ao pico da doença. A gente não tem uma forma de avaliar o estado da doença em que a gente está, porque os números do Brasil são muito inconsistente, não temos como avaliar estatisticamente. Então, o que sobra pra gente é o seguinte: como estão os hospitais? Os privados já esvaziaram bastante e os públicos estão esvaziando um pouco na maior parte dos lugares. Em Porto Alegre e Coritiba tiveram de dar uma segurada, porque o vírus chegou depois talvez. Manaus já está com uma lotação mínima, porque o vírus chegou lá antes. O Brasil é do tamanho da Europa. Acho um pouco precoce voltar agora. Diante do estrago causado, eu estou com o Fluminense. Acho que a postura foi correta.
Condução do presidente Mário Bittencourt em meio à pandemia
– Acho que o presidente ouviu as pessoas ao redor dele, ligadas à área de saúde, que por mais que não entendam muito do coronavírus, já que ninguém entende muito disso, se posicionaram de uma forma de proteção de saúde. Acho que a decisão do Flu foi correta. Compactuo com ela. Acho que não teria tanto dano a mais em segurar isso mais um mês ou um mês e meio, com a intenção de que realmente não se coloque pessoas em risco, já que o desconhecido possa ser para o bem como também para o mal. Essa é a minha opinião muito pessoal, não há verdade nisso.
Postura do Fla na pandemia se comparada a do Flu, foi certa ou errada?
– O Flamengo fez um trabalho muito bom. Teve testagem massiva, treinamento com característica de proteção. Legal. O Flamengo hoje tem uma estrutura maravilhosa, mas a maioria dos clubes não possuem isso. O Márcio Tanure montou um departamento médico muito bem equipado. Os outros clubes têm? Não acredito. O Fluminense mostrou no domingo um belo trabalho que foi feito pelo Marcos Seixas, Juliano, pelo departamento médico, pelo Filé, de atividades física durante esse período. Não é o suficiente, mas seriam pessoas que estariam em destreinamento durante muito mais tempo. A minha posição, sinceramente, seria aguardar um pouco mais. Pode ser exagero e talvez já dê pra voltar? Sim. Mas como não temos uma resposta definida sobre a COVID-19, acho que sim poderia dar uma chance para esse número cair ainda mais, respeitando os que planejaram a volta agora, já que as pessoas não conhecem o vírus e isso pode levar a erros tanto para mais como para menos.
Do ponto de vista da preparação, o Fla já treina há cerca de um mês em campo e o Flu ainda não pisou num gramado desde o início da quarentena. Esse desequilíbrio é visto por poucos como erro de planejamento do Flu e, outros, como exagero do Fla ao passar por cima de alguma orientações. Qual é a sua opinião em torno disto e como afeta em campo?
– Pergunta muito boa. Acho que o Fluminense se alinhou à proposta que fez desde o começo. Dentro da coerência do Fluminense, entendo que o planejamento é esse. Se fez um trabalho domiciliar dentro do que tinha e se seguiu essa linha aguardando que, pelo menos, se teria duas semanas para poder treinar depois que houvesse uma abertura. O Flamengo fez uma proposta diferente, apostando na sua estrutura, na segurança que poderia ser ofertada. São pensamentos diferentes que darão vantagens, evidentemente, aos times que já estão treinando em campo. Se essa competição for iniciada, pelo que estou ouvindo de dizer, mas as coisas no Brasil mudam numa velocidade muito grande, esse é o cenário.
Faltou liderança da Ferj, então, para encontrar um caminho que fosse minimamente celebrado por ambos os lados?
– Como tudo nessa pandemia, faltou gestão, um planejamento que fosse uniforme e do agrado de todos os participantes. Se um participante forte, seja Flu, Vasco, Botafogo ou Flamengo não se entende com segurança, baseado nos números que se tem, Brasil com mil mortes diárias, o Fluminense apostou numa proposta e eu não posso considerar isso como um erro de planejamento. O Tricolor foi coerente com as suas ideias e o Flamengo foi coerente com as dele. Cabia, então, ter uma gestão no meio que ponderasse todos os lados. Acho que a gestão foi sempre muito partidária ao retorno precoce, contrariando as expectativas e o planejamento de outros clubes. Dentro de uma escolha como essa, ser conservador e prestar mais atenção na saúde é o lado que eu escolheria.