“Ingresso?”, oferece o homem de calça comprida bege, camisa azul e boné na esquina da Avenida Maracanã com a Rua Eurico Rabelo. Cinquenta metros à frente, um casal — ele com uma camisa do Flamengo e ela com uma da Estação Primeira de Mangueira — entrega um ingresso impresso para um comprador: “A (arquibancada) Norte é a mais valorizada, é a que vai a torcida”, explicam. Ele aceita e conta dinheiro para pagar. Um outro homem de camisa amarela passa correndo aos berros: “Tenho gratuidade!”. A cena aconteceu ontem, pouco depois das 11h, na frente da bilheteria 2 do Maracanã, onde Flamengo e Vélez decidem hoje a vaga na final da Libertadores. A menos de 200 metros da farra dos cambistas, dois PMs patrulhavam com bicicletas o entorno da estátua do Bellini.
Os ingressos para a partida estão esgotados desde o último dia 20. No mercado paralelo, entretanto, cada entrada para o setor Norte sai por R$ 500 — quase três vezes mais do que o preço anunciado pelo clube para o público em geral e mais de dez vezes o valor pago por sócio-torcedores.
– Eu deixo até você fotografar minha habilitação, tem muito ingresso falso por aí – ofereceu um dos homens ao repórter.
Antes de chegar nas mãos dos cambistas, a maior parte daqueles ingressos foram retirados normalmente em bilheterias: investigações da Polícia Civil e apurações internas de Fluminense e Flamengo revelam que o mercado ilegal de entradas é abastecido, sobretudo, pela distribuição e repasse de gratuidades e pela infiltração de cambistas nos programas de sócio-torcedor.
Desde o início de agosto, a 18ª DP (Praça da Bandeira) tem apreendido, na entrada de jogos no Maracanã, ingressos distribuídos gratuitamente — para menores de idade e seus responsáveis — e revendidos ilegalmente. Com apoio do Consórcio Maracanã, agentes da distrital checam se o nome e o CPF impressos nos ingressos batem com os dados do torcedor. Se o bilhete foi repassado, o torcedor tem acesso negado ao estádio e a entrada é recolhida e enviada para a perícia. Os policiais investigam um esquema de cooptação de pessoas com direito à gratuidade — sobretudo mães com filhos menores — por cambistas, que pagam pelas entradas e as revendem por preços muito maiores.
Em sete jogos no estádio, quatro do Flamengo e três do Fluminense, já foram apreendidos dois mil ingressos desse tipo e há casos de pessoas que retiraram as entradas e as repassaram em mais de uma partida. O próximo passo da investigação é bloquear a distribuição de gratuidades para as pessoas que repassaram ingressos. A lista com nomes está sendo elaborada pela delegacia e será encaminhada ao Maracanã após o resultado da perícia dos bilhetes. Paralelamente, em conjunto com o Batalhão Especializado em Policiamento em Estádios (Bepe), a delegacia está identificando os cambistas que agem no Maracanã — alguns têm mais de 30 passagens pela polícia, todas pelo Estatuto do Torcedor.