(Foto: Divulgação/FFC)

Eternizado na memória da torcida do Fluminense, Fred deu seu adeus aos campos no dia 9 de julho, em jogo contra o Ceará, no Maracanã, pelo Campeonato Brasileiro. Na última quinta, data de aniversário do clube, foi seu último dia de contrato. No “Players Tribune”, o ex-atacante publicou carta de despedida e homenagem ao Tricolor pela data.

Na publicação, fez confissões como a quase ida para o Napoli após a fuga do rebaixamento em 2009 e o abuso do álcool no início da passagem pelo Fluminense. Veja o que escreveu o ídolo na publicação intitulada “O Fred vai se lembrar”:

 
 
 

“Torcida do Fluzão,

Essa é a parte mais difícil para mim: falar sobre o que eu sinto. Achei que já tinha dito tudo em minha despedida do futebol, mas resolvi escrever esta carta pra vocês em homenagem ao aniversário de 120 anos do Fluminense.

Nem precisaria ir tão longe. Eu consigo resumir meu sentimento pelo clube e por vocês com apenas uma palavra: gratidão. Só tenho a agradecer por tudo que me deram, por tudo que fizeram por mim e pela minha família.

Não tem gesto, atitude ou palavra que seja suficiente para retribuir o quanto eu cresci vestindo o uniforme verde, branco e grená. Como atleta e, principalmente, como homem.

O Fluminense forjou meu caráter. Saio como um ser humano muito melhor do que eu era antes de chegar às Laranjeiras. E isso só foi possível porque vocês, tricolores, tiveram paciência comigo. Souberam me acolher e me levantar nos momentos mais difíceis da minha carreira, algo que eu nunca vou esquecer.

Mas o que gostaria de ressaltar aqui são as memórias que eu levo dos nove anos que passamos juntos. São justamente essas lembranças que me trazem paz nesses dias de emoção à flor da pele após o adeus.

Se estiver pensando que vou me lembrar somente dos recordes, títulos e vitórias, lamento te decepcionar. Eu também quero falar sobre as batalhas que perdi, sobre as dúvidas e inseguranças que, por ser quem eu era, preferi guardar para mim.

Sabia que eu tive medo de fracassar?

Que eu estive perto de jogar tudo pro alto e sumir do futebol brasileiro?

Que já senti vergonha a ponto de me esconder do mundo?

Ou que minha relação com o Fluminense poderia ter acabado sem um final feliz?

Se não sabe, eu peço que você leia com atenção até o fim, porque o Fred vai te contar.

Antes do Fluminense, eu não era O Fred.

Na verdade, eu era um cara bem diferente do que sou hoje.

Minha primeira lembrança de vida é do Frederico Chaves Guedes brincando de dar voleio e bicicleta com bolinha de tênis em cima da cama, na época do Bebeto.

Desde moleque, modéstia à parte, a minha finalização era diferenciada. Lá na minha cidade, em Teófilo Otoni, eu nunca fui o melhor. Mas, na frente do gol, não tinha pra ninguém. Este é o dom que Deus me deu.

Graças a esse dom, eu passei no teste para jogar num time de Ipatinga e logo depois fui para o América, de São José do Rio Preto, que me comprou por 10 mil reais, 20 pares de chuteira e mais algumas bolas. Baita investimento! Kkkkk

Molequinho de 14, 15 anos, morando em concentração, longe de casa… Já viu, né? Foi ali, no interior de São Paulo, que a bebida entrou na minha vida. Todos os domingos, dia de folga, a gente ia para uma lagoa perto da concentração pra beber pinga com Coca-Cola. Eu tinha feito amizade com os caras mais velhos do time de juniores, fui pegando as maldades com eles, mas na hora de beber… Pffff!! Eu tomava um copinho e já ficava doido. A gente tinha que voltar pra concentração até 23h. Eu chegava 1h da manhã. Levava suspensão direto. Até que o clube soube do esquema da bebida e me mandou embora.

No América Mineiro foi a mesma coisa. Subia para o profissional e, na semana seguinte, já descia de volta pro time júnior, por causa dessa fama na base de que era baladeiro, me atrasava e gostava de farra.

Eu estive muito perto de ser dispensado do América. Antes de disputar minha segunda Taça São Paulo, fui barrado pelo treinador, novamente por indisciplina. A diretoria pediu uma última chance, para que eu pudesse ao menos participar da preparação para o torneio. O técnico foi bem franco comigo: “De 0 a 100, você tem 0,1% de chance de ir pra São Paulo”. 99% de chance dar errado. Isso te lembra alguma coisa, Torcida Tricolor?

Uai, tá bão, eu pensei.

Nas duas semanas de treino, fiz gol de tudo quanto é jeito, e aí o professor teve de me levar pra Copinha.

Chega o primeiro jogo e eu sou expulso com 15 minutos. Ali eu já sabia que seria dispensado assim que a gente voltasse para Belo Horizonte. Mas, depois de cumprir suspensão no segundo jogo, eu marco o gol mais rápido do mundo.

Saída de bola, vejo o goleiro adiantado e… BUUUUMM!!!

3 segundos de jogo.

SHIUUUUFF!

Eu nem acreditei quando vi a bola balançando a rede lá do outro lado do campo.

Só que o meu pressentimento depois da expulsão na estreia acabou se confirmando. Ainda no ônibus que nos levava para BH, me comunicaram que eu estaria na lista de dispensa dos juniores.

Na hora que chegamos no CT, uau, que loucura… Nunca tinha visto tantas câmeras e tantos repórteres. QUÊ?!! Esse povo todo aí tá querendo falar comigo???

Tinha imprensa do mundo inteiro, cara. Inglaterra, Estados Unidos, Argentina, Japão… Começaram a me chamar de The Flash, o moleque que marcou o gol mais rápido de todos os tempos. Essa mídia toda em cima de mim fez com que o América reconsiderasse a dispensa e me subisse para o profissional. Lembra da história da última chance? Eu entendi que Deus havia me dado uma repescagem. E eu não podia desperdiçar.

Fui convocado para o jogo contra o Guarani de Divinópolis, pelo Campeonato Mineiro. Eu era a sétima opção do time para o ataque. Faltando 15 minutos pra terminar, o Mauro Fernandes me chama: “Fred, vem!”.

Irmão, eu não sentia as minhas pernas. Gelou tudo. Parecia que tinha umas 60 mil pessoas no Independência. O jogo estava empatado, nosso time com um a menos, e eu sabia que não teria outra oportunidade como aquela.

E se eu desagradar o treinador? E se eu perder um gol?

Tá, meu dom é fazer gol. Mas quando a gente joga com a responsabilidade nas costas de dar certo, de mudar a vida da sua família, o bicho pega.

Nessa parte, eu preciso agradecer ao meu irmão. Quando era mais novo, ele me deu um conselho de ouro: “Fredão, lembra daquelas peladas que a gente batia no campinho de areia na Pampulha? Toda vez que você sair na cara do gol, esculhamba, avacalha… Não tenta caprichar demais”.

Desde então, toda vez que eu me sentia nervoso, a voz do meu irmão vinha na minha cabeça. E isso me tranquilizava.

“Ah, quer saber? Vou avacalhar!!”

Quando recebi uma bola na cara do gol, no finalzinho do jogo contra o Guarani, todo o nervosismo na beirada do campo já tinha passado. Nem pensei duas vezes. Chapei no cantinho, a bola desviou na perna do zagueiro e encobriu o goleiro.

Depois desse dia, minha carreira deslanchou. Virei titular do América, fui para o Cruzeiro e marquei quase um gol por jogo numa temporada. Explodi para o Brasil, o Lyon me comprou, e eu parti para a Europa com a confiança lá no alto.

Gosto de lembrar desse meu primeiro gol como profissional porque foi depois dele que, enfim, caiu a minha ficha. “Pô, eu sou fera! Daqui pra frente, pode tocar em mim que eu resolvo.”

Não me levem a mal. Não estou dizendo isso para cantar marra. Tenho consciência de que eu nunca fui gênio.

Eu sempre fui eficiente.

Na cara do gol, eu guardava, em todos os times por onde passei. É o meu dom. A única vez que as coisas realmente não funcionaram foi na Copa do Mundo, em 2014.

O brasileiro estava acostumado a ver na seleção atacantes como Careca, Romário, Ronaldo… De repente, numa Copa disputada no Brasil, tem um centroavante com característica bem distinta desses caras. Consegue imaginar o tamanho da pressão?

Mas o peso de vestir a mesma camisa desses caras não era o que me preocupava. Para marcar gols, eu precisava que o jogo coletivo da seleção fluísse bem. E não foi o que aconteceu.

Pode reparar que já na Copa das Confederações, no ano anterior, quando fomos campeões e eu terminei a competição como artilheiro, nosso início tinha sido arrastado devido ao pouco futebol coletivo. Isso ajuda a explicar o motivo de não termos engrenado na Copa do Mundo.

No mata-mata, a gente sofreu para passar do Chile e da Colômbia. Pra complicar, ainda perdemos o Neymar.

Mesmo assim, o nosso espírito para a semifinal era tipo: “Vamo pra dentro! Metemos três na Espanha ano passado. É daí pra cima”, a gente falava antes do jogo contra a Alemanha. Na parte mental, nós encaramos aquela partida como se fosse Copa das Confederações. Mas uma Copa do Mundo é completamente diferente.

Não tem como explicar o 7 a 1. Nunca vamos encontrar as respostas para o que aconteceu naquele dia. O mais triste de toda a minha carreira.

O que eu posso dizer é que, talvez por disputar uma Copa no nosso país, nos preocupamos mais com o destaque individual que com o coletivo. Em resolver tudo sozinho, e não em ajudar um ao outro. Isso nos deixou mais expostos e menos fortes.

Um exemplo: a gente tinha um volante de muita chegada na área, que era o Paulinho. Muitas vezes ele infiltrava, mas aí não vinha o passe ou o cruzamento. O cara entra na área uma, duas, três vezes e não recebe a bola. Na quarta, ele deixa de entrar, porque sabe que vai ter de voltar correndo igual um louco pra marcar. No meu caso, como não chegava tanta bola para finalizar, eu ficava mais preso na área. Ali dentro eu pensava: vai ser uma só, não posso sair daqui. A verdade é que faltou a todos nós, ao time todo, uma mentalidade mais coletiva para ganhar a Copa.

Minha família estava no Mineirão. A Geovanna, minha filha mais velha, tinha oito anos. Ela ouviu as vaias e os xingamentos dos torcedores no estádio. Várias horas depois do jogo, essa imagem não saía da minha cabeça.

O massacre continuou nas redes sociais. Para o Brasil inteiro, eu não era mais o Fred. Eu era… O Cone. Tudo muito, muito pesado.

Eu lembro que nós voltamos pra Granja Comary, jantamos e, no caminho para o meu quarto, ainda processando aquela loucura na cabeça, aquele silêncio total, andando sozinho de madrugada pelo corredor, eu escuto uma voz vindo de dentro da sala de musculação. Era o Parreira. “Meu filho, vem cá”, ele me chamou, com o semblante bastante abatido. “Estou muito preocupado com você. No Brasil, você não vai conseguir jogar mais.”

O Parreira é como um pai pra mim, cara. E ele leu a minha mente naquela hora. Quero sumir do futebol, quero sumir do Brasil, era a única coisa que eu pensava, além do sofrimento da minha filha e da minha família. Eu estava morto por dentro. E o Parreira até se dispôs a me ajudar a encontrar outro time na Arábia, no Catar ou em qualquer outro lugar bem longe daqui.

É verdade, tenho de admitir. Eu queria sair do Fluminense. Mas se eu achava que o capítulo mais bonito dessa nossa história já havia sido escrito, vocês me provaram que eu estava enganado.

Assim que a Copa acabou, eu sumi. Primeiro, minha esposa me chamou pra viajar para os Estados Unidos e tentar esfriar a cabeça.

Miami? Nem pensar.

Orlando? Sem chance.

Eu queria ir pra algum lugar onde ninguém pudesse me reconhecer, e ela então sugeriu Nova Iorque. “Zero brasileiro, pode confiar.”

Chegando no hotel, tinha um cone em frente à entrada pro pessoal não estacionar. Minha mulher tem um senso de humor bem afiado, mas nesse dia ela pegou pesado comigo: “Ué, se você tá aqui, quem é aquele ali?”, ela disse, apontando pro cone. Na hora eu fiquei puto… Hahaha!

— Ai, amor, tô brincando!

Era a primeira vez que ela me zoava ou falava algo sobre o 7 a 1. Mas foi bom pra quebrar o gelo, dar uma descontraída.

Ah, nunca vi tanto brasileiro numa viagem como em Nova Iorque. Era só sair na rua que alguém gritava: “Ô, Fred!!, olha o Fred ali…”

Zero brasileiro, confia!

Na volta ao Brasil, fui pra roça da minha família no interior de Minas, uma casinha simples, cheia de escorpião e morcego, onde eu só tive a companhia do meu pai e um primo nosso. Me isolei de tudo e de todos.

Eu já tinha avisado ao presidente do Fluminense que buscaria outro clube para jogar fora do país. E meu pai sabia que, se não aparecesse uma proposta do exterior, eu estava disposto a abandonar o futebol.

Cara, vocês não conhecem o meu pai. Seu Juarez é piroquinha, doidinho da cabeça. Mas, na hora que precisa comprar uma briga e botar as cartas na mesa, não tem ninguém igual a ele.

Durante essa estadia na roça, meu pai brigava comigo todo dia. Ele tentava mostrar que não fazia sentido abrir mão da minha carreira por causa daquela derrota, e eu não estava em condições de entender o que ele queria dizer. “Ô, moço, esses caras não vão te parar nunca. Você vai voltar e vai meter gol pra caramba”, ele tentava me convencer.

Minha mãe morreu quando eu tinha sete anos. A morte dela deixou meu pai meio maluco, sem chão, mas ele nunca nos abandonou. Foi ele quem me incentivou a sair de casa cedo pra jogar futebol, que me fez trocar o meio-campo pelo ataque por reconhecer que o meu cacoete era jogar perto do gol, que me treinava para pegar o preparo que eu não tinha na infância. Meu pai não ia desistir enquanto não me fizesse mudar de ideia.

No quinto dia isolado na roça, ele falou bem assim:

— Manda esse bando de filha da p*** tomar no #* e vai jogar bola, rapaz!

Era uma quarta-feira. Peguei o telefone e liguei pro presidente do Fluminense: “Vou voltar. Tô pronto!”.

O clube preparou uma surpresa inesquecível para mim. Assim que saí da garagem para o meu primeiro treino após a Copa, tinha um torcedor me esperando com uma placa grandona: “Bem-vindo de volta. Sua casa te espera de braços abertos. Você está a 12km”. A cada quilômetro, outro torcedor com uma mensagem de apoio, até chegar na porta das Laranjeiras: “Entre, a casa é sua, nós te amamos”. Me arrepio só de lembrar.

Na arquibancada, tinha um monte de criança gritando “O Fred vai te pegar”. No vestiário, a recepção dos companheiros também foi calorosa.

Eu jogava de chuteira pretinha, né? Aí os jogadores pegaram um cone, colocaram uma peruca e a chuteira preta nele e puseram no meu lugar. Eu mal cheguei e esses fdp me zoando, pô? Kkkk! Todo mundo queria aliviar aquele peso que eu carregava. Mas demorou, viu?

O time tava voando, com muita mobilidade e o Sóbis de falso 9. No primeiro jogo, eu nem entro. No segundo, contra o Coritiba, vou pro banco de novo. Mais de 15 câmeras filmando as minhas reações, e eu lá fingindo, tentando sorrir e disfarçar minha tristeza.

No fim do jogo, o Cristóvão me chama: “Fred, vem!”. Mas aí o auxiliar avisa:

— Você já fez as três.

Naquela época, ainda não eram permitidas as cinco substituições. Quando acabou o jogo e eu cheguei em casa, vixxxeee… Fiquei mal. Muito mal.

Meu irmão me ligou no dia seguinte: “E aí, vai deixar os caras fazerem isso com você até quando? Dentro da sua casa? Sério??”.

Na reapresentação, bati na porta do Cristóvão, perguntei se podia entrar e pedi pra conversar a sós com ele.

— Claro, entra aí.

— Vou direto ao ponto: aqui é minha casa. Eu não vou pagar por injustiça que fizeram comigo na seleção.

Fui pro pau, nervoso, mas o Cristóvão, que é um gentleman e meu amigo até hoje, me desarmou legal:

— Ô, Fred, me desculpa. Acabei me atrapalhando ali na hora da substituição. Eu sei o que você tá passando.

Depois dessa conversa com o treinador, eu voltei a ser titular, mas fiquei cinco jogos sem marcar. E a imprensa me destruindo. Chegaram a me chamar de “o novo Barbosa”, diziam que eu jamais iria me recuperar.

Nessa época, a raiva era o meu combustível. Queria provar que todos estavam errados a meu respeito. Eu sentia raiva até dos companheiros de equipe. Fui egoísta, fiquei chato demais. Se alguém não tocasse a bola pra mim durante o jogo, tinha cobrança pesada no vestiário.

Graças a Deus, meus companheiros me amavam e compreenderam o momento que eu vivia. Não fosse por eles e pelos torcedores, eu estaria acabado para o futebol. Quando finalmente quebrei o jejum, a torcida comemorou como se fosse um gol de título.

Qual torcida faria isso por um jogador que, para o resto do país, era o grande vilão de uma Copa?

Só você mesmo, Torcida Tricolor.

Eu tenho certeza que, se estivesse em qualquer outro clube do Brasil, eu não teria conseguido terminar aquele Brasileirão como artilheiro. Só dei a volta por cima porque o Fluminense falou: AQUI É SUA CASA.

Não tem nada melhor do que se sentir em casa em seu local de trabalho. Mas eu confesso que, no começo da nossa relação, em 2009, eu não fiz por merecer o carinho desse clube.

Eu tinha acabado de me separar da mãe da Geovanna e voltei da Europa para o Brasil por causa da minha filha. Porém, até organizar as coisas para ela ficar perto de mim, eu passei os primeiros meses sozinho e solteiro no Rio de Janeiro. Aí eu me perdi.

Minha rotina era muito simples. Noitada, bebida, noitada, bebida, noitada, bebida. Toda noite. Foi nesse período que eu sofri uma lesão séria, estourei o adutor e fiquei quatro meses e meio fora. Foi nesse período também que o Fluminense entrou na zona de rebaixamento.

Percebi que eu estava em débito com a instituição e sendo desrespeitoso com o clube. Com minha filha distante, ao contrário do que eu tinha planejado no retorno ao Brasil, acabei ficando meio depressivo. Mas isso não podia ser desculpa para tocar o f**** como eu toquei.

Quando me recuperei, o Fluminense era o lanterna, tinha 99% de chances de ser rebaixado. Faltavam sete jogos para o fim do campeonato. E o primeiro dessa sequência era contra o Atlético Mineiro, no Maracanã.

Pênalti pra gente!

Como capitão do time, eu tinha obrigação de assumir a responsabilidade, mas não me envergonho de dizer: sempre tive medo de bater pênalti.

Na verdade, é uma mistura de medo com ansiedade. Já bati mais de 70 penalidades, mas, da primeira à última, a sensação antes da cobrança sempre foi a mesma, bem parecida com a sensação que tinha antes de cada temporada começar. No fundo, todo jogador tem medo de fracassar. Hoje é mais fácil admitir isso. Imagina perder um pênalti que pode determinar o rebaixamento de um clube? Tá doido, Deus me livre um trem desse!

Por outro lado, o medo te mantém focado e concentrado. Te dá forças quando você já não tem de onde tirar. Essa era a situação do Fluminense. Mas a gente nunca deixou de acreditar.

Na marca do pênalti, eu pude ouvir a voz do meu irmão. “Vai lá, Fredão, avacalha!” Bati com paradinha, a bola entrou no canto direito e nós vencemos a partida. Ali foi o início da nossa arrancada.

Então, eu fiz uma promessa a mim mesmo: até o fim do Brasileiro, não saio nem bebo mais. Minha rotina mudou. Era treino, casa, treino, casa, treino, casa. Com a cabeça no lugar, marquei gols em todos os jogos da nossa sequência de vitórias até a guerra em Curitiba, onde empatamos e conseguimos nos livrar do rebaixamento.

Depois de cumprir essa missão quase impossível, eu achava que não sairia mais do Fluminense. Até que veio uma proposta do Napoli, da Itália. Caraca! Não tinha como recusar…

Começou a sair na imprensa que eu teria aceitado — e já tinha mesmo — e só faltava assinar. Eu estava de férias, e o Celso Barros me liga querendo conversar. No mesmo dia, ele desembarca em BH e marcamos um almoço numa churrascaria.

Meu irmão, que era meu empresário, disse pra eu avisar e agradecer os caras. Uma conversa só por consideração mesmo, porque a transferência para o Napoli era inevitável.

O Doutor Celso então me pergunta:

— Fred, quanto você vai ganhar lá?

Passei todos os números, salários, luvas, pá, pá, pá… Doutor Celso chama o garçom, pede uma caneta e um guardanapo, escreve os valores e me entrega.

Cara, tomei um susto na hora. O Fluminense estava disposto a cobrir a proposta do Napoli. Liguei pro meu irmão e pedi para cancelar o negócio com os italianos imediatamente. “Olha o que esses caras fazem por mim. Vou ficar no Fluminense o resto da minha vida.”

sa sempre foi a minha vontade. Permanecer no clube até me aposentar. Infelizmente, em 2016, o presidente da época fez de tudo para me tirar. Eu não queria ter saído.

Depois de quatro anos em Minas, eu estava de volta à roça. De novo escondido, envergonhado, dessa vez pelo rebaixamento do Cruzeiro. De novo, o Fluminense era o único a me estender a mão. O presidente Mário foi me buscar, confiou em mim para liderar o time nesse projeto de reconstrução.

Eu vivi todas as fases dentro e fora de campo. Time bom com folha salarial altíssima, time de operários com folha baixa, time de moleques pra recuperar a autoestima e tirar o clube do buraco, nove meses de salário e 20 de imagem atrasados, torcida recebendo a delegação no aeroporto, torcida protestando no CT… Por toda essa vivência e pela identificação com o Fluminense, eu aprendi a enxergar as coisas com os olhos do torcedor.

É por isso que no ano passado, ao marcar um gol contra o Red Bull Bragantino na Copa do Brasil, eu comemorei apontando pra marca do nosso patrocinador na camisa.

O Fluminense estava há um tempão sem patrocínio master. Eu sabia o quanto esse novo parceiro era importante para o clube. E aí combinei com os jogadores: “Galera, quem fizer o gol, dá uma moral pra marca dos caras. Vamos fortalecer”.

Encerrei minha carreira com a consciência tranquila ao ver que o Fluminense voltou a ser gigante de verdade. Que agora tá cheio de patrocinador no uniforme e lota o Maracanã. Que pode enfrentar qualquer adversário, sem medo de ninguém. Que é capaz de vencer um campeonato jogando o fino da bola, totó em todo mundo, como vencemos o Carioca e amassamos o rival no Fla-Flu. Foi pra isso que eu voltei.

Depois que marquei o gol 199, contra o Corinthians, fiz questão de abraçar o máximo de torcedores que consegui. Ali no meio da multidão, muitos de vocês, tricolores, me agradeciam e me diziam que vão se lembrar de mim como o cara que é o segundo maior artilheiro da história do clube, que ganhou dois Brasileiros e dois Cariocas e que recusou uma proposta do Flamengo em respeito ao Fluminense.

Por favor, eu não mereço tanto. Não mereço tudo isso. Só quero que vocês saibam que o Fred também vai se lembrar…

Da torcida nos recebendo no aeroporto gritando “time de guerreiros”.

Da arrancada histórica contra o rebaixamento.

De como nós conquistamos o Tetra depois de chegar à beira do abismo.

Dos Moleques de Xerém, um dos maiores orgulhos do nosso clube, que sempre honraram essa camisa. Nos momentos bons e nos momentos ruins.

De como me senti vivo outra vez quando vocês me abraçaram, enquanto o resto do país me humilhava.

Da recepção maravilhosa — e até do cone no vestiário — no meu retorno às Laranjeiras.

Das lágrimas que derramei ao voltar pra casa, de onde eu nunca deveria ter saído.

Do Maraca, palco de tantos encontros inesquecíveis, totalmente lotado no jogo de despedida.

Do prazer de ter defendido as cores do melhor clube que existe em mais da metade da minha carreira.

E, principalmente, do presente que recebi de Deus e do futebol ao me tornar tricolor de coração.

Muito obrigado!

A vocês, fica a minha maior e mais sincera gratidão.

E pelo Flu, meu grande e eterno amor.

Carinhosamente,

Don Fredón”