Um dos maiores ídolos da história do Fluminense, Fred está vivendo os últimos momentos de sua carreira. No penúltimo jogo antes da aposentadoria, levou o Maracanã à loucura no sábado ao fazer o quarto gol na vitória tricolor por 4 a 0 sobre o Corinthians, pela 15ª rodada do Campeonato Brasileiro. Em seu blog no ge, o jornalista Carlos Eduardo Mansur publicou texto emocionante a respeito do valor do ídolo. Confira a íntegra:
“Fred, a catarse e o valor do ídolo
Difícil achar neste 2022 uma imagem mais forte, síntese de todo tipo de emoções que o futebol é capaz de provocar, do campo à arquibancada. Ao marcar pela 199ª vez com a camisa do Fluminense, Fred corre alucinadamente, como se fosse a primeira vez. A expressão em seu rosto muda gradativamente, frame a frame, passada a passada: de um sorriso a um grito, do grito ao choro. De repente, o mais experiente daquele campo é um homem indefeso, inapelavelmente vencido pelas emoções. Ao fundo, mãos, braços e lágrimas de mais 50 mil pessoas, crianças, jovens ou idosos, todos igualmente entregues à catarse. É por momentos assim que o futebol vale a pena.
Mas há outra cena igualmente tocante, valiosa, carregada de significado. O jogo já terminara, Fred já vagara pelo campo. Era possível ver nele alguém disposto a fazer o tempo parar, estender aqueles últimos momentos. Era possível, por vezes, confundi-lo com um juvenil desfrutando de seu primeiro dia de Maracanã. O camisa 9 se aproxima da mureta que divide campo e arquibancada e passa horas envolto num dos maiores abraços coletivos da história do estádio. Pacientemente, passa longos minutos entre cumprimentos, sorrisos, beijos e autógrafos. Quase todos os que o rodeavam eram jovens tricolores, crianças ou adolescentes. Ainda que involuntariamente, Fred nos lembrava de algo que o futebol brasileiro, nestes tempos de globalização, por vezes sente falta: o ídolo, o jogador que é o rosto de um clube.
Esta é uma relação construída por uma soma complexa de fatores difíceis de encontrar numa só pessoa. Envolve talento, carisma, tempo e, acima de tudo, pertencimento. Ir ao estádio ver Fred, o Fred do Fluminense. Nunca foi simples construir relações assim, mas a condição de país exportador, membro de uma espécie de periferia deste futebol globalizado e concentrado na elite europeia, nos fez desfrutar de nossos candidatos a ídolos como se vivêssemos uma contagem regressiva. Eles nascem, emigram e nos obrigam a torcer pelas revelações de nossos clubes vestidas em outras cores. Vínculos frágeis, estes. Porque o pertencimento precisa do tempo, que no Brasil se tornou inimigo do talento. Os mais talentosos, cobiçados pelo exterior, saem ainda adolescentes. Não é simples olhar para um jogador e ter a certeza de que se está diante de um dos maiores ídolos da história de um clube brasileiro. E Fred, mesmo sem ter sido criado no clube, mesmo tendo chegado ao Fluminense após ter vivido sua experiência europeia, é talvez o maior ídolo da história tricolor para muitas gerações de torcedores do clube.
Quase todos aqueles que abraçavam, beijavam ou lutavam por uma foto com Fred integram uma geração desacostumada a idolatrar alguém que é o rosto de seu clube, dono do que se convencionou chamar de identificação. O ídolo que cria laços, vínculos. E que forma e fideliza torcedores. Que valor tem essa relação? Impossível medir. A sensação era de que, para todos que estavam no Maracanã no sábado, houve dois jogos. O primeiro, o Fluminense já vencera por 3 a 0, em outra bonita exibição do time de Fernando Diniz. O segundo, começou quando o técnico chamou Fred. O gol deu ao anoitecer do Maracanã outro significado.
Ocorre que, mais do que tempo, Fred e Fluminense viveram uma soma de circunstâncias muito peculiares, a ponto de ajudar a moldar uma relação da qual os dois lados se alimentaram, solidificando a ligação entre clube, jogador e arquibancada. Fred encontrou um Fluminense com ambições de conquista, mas também um clube em busca da cura: meses antes de sua chegada, vivera um dos grandes traumas de sua história recente ao perder, em casa, a final da Libertadores. A ferida ainda estava aberta e parecia difícil de cicatrizar. E o primeiro ano do atacante nas Laranjeiras coincide com a jornada de um time que, sob qualquer olhar sensato, estava desenganado, condenado ao rebaixamento. Fred foi o condutor de uma histórica operação de resgate. E, dali em diante, seria o símbolo de uma escalada rumo às conquistas. Vieram dois Brasileiros, em 2010 e 2012, este último em que o centroavante foi protagonista indiscutível.
Mais adiante, outra derrota traumática inverteria o jogo. Fred foi eleito vilão nacional após o quase inverossímil desfecho da Copa do Mundo no Brasil. Era preciso oferecer um culpado numa bandeja para satisfazer a gana de um país. O atacante foi um deles, talvez o alvo principal, ridicularizado e desqualificado como só o Brasil sabe fazer. Coube ao Fluminense, e à torcida do Fluminense, o conforto e o acolhimento.
Mesmo após um período fora, Fred e o Fluminense entenderam que a última dança precisava ser num Maracanã vestido de tricolor. No próximo sábado, chegará ao fim uma história que, ao todo, chega a pouco mais de nove anos. A despedida será num Maracanã lotado de gente disposta não apenas a se despedir, mas a honrar uma história. Será uma festa para Fred, mas também uma celebração desta experiência de que tanto sentimos falta: aplaudir, gritar o nome de um jogador que parece parte de sua comunidade. O futebol precisa de laços, de pertencimento. Jamais teremos a medida exata do valor de um ídolo.”