Maracanã, 12 de fevereiro de 2019. O Vasco venceu o Fluminense por 1 a 0 e conquistou o título da Taça Guanabara daquele ano, o primeiro turno do Campeonato Carioca. Em meio às comemorações, o volante Fellipe Bastos publicou um vídeo onde entoava cantos homofóbicos contra os torcedores tricolores. “Time de veado” foi um dos termos mais usados. Diante disso, o Fluminense decidiu marcar posição.
Através das redes sociais, a hashtag “TimeDeTodos”, foi usada inicialmente como resposta junto a um manifesto contra a homofobia: “o país onde mais se assassina LGBTs no mundo não pode deixar uma demonstração tão clara de preconceito morrer”. Assim, transformou a provocação em símbolo, que segue ativo mais de dois anos depois. Neste domingo, o Fluminense reforça sua postura ao entrar em campo com os números nas cores da bandeira LGBTQI+.
— O ‘TimeDeTodos’ trata da luta contra o machismo, porque o futebol é um ambiente machista. Também do racismo, da homofobia. O Fluminense é um time aberto a todos. Nós queremos cada vez mais mulheres nas arquibancada. Queremos que as pessoas que sejam tricolores e amem o Fluminense estejam no estádio. Não importa a cor, o sexo, a religião dela. Isso traduz exatamente o que é. O Fluminense abraça todo mundo — afirma Lucas Sodré, gerente de marketing do Fluminense.
Historicamente, é difícil apontar porque o Fluminense ganhou a alcunha de “time de veado”. Dhaniel Cohen, responsável pela curadoria do ‘Flu-Memória’, acredita que tem a ver com Carlos Alberto, ex-jogador do clube que tinha o hábito de usar talco após fazer a barba desde quando defendia o América, na década de 1910. A conotação homofóbica é inquestionável, por tratar da homossexualidade de maneira pejorativa para debochar de um adversário.
Já Fernando Castro, professor de história da UFRJ, acredita que o fato de o Fluminense ser um clube que se orgulha do cavalheirismo — mais na retórica do que na prática, segundo ele — influenciou a percepção das pessoas em uma época onde fidalguia não era bem visto entre os torcedores. Ele também cita a mudança nas cores do escudo como motivo para provocações.
— O Fluminense originalmente era cinza e branco, mas passou a ser tricolor e ganhou o apelido de “colorido” no imaginário popular. O futebol é um espaço onde a homofobia sempre esteve presente e isso sempre foi tabu. Lembro de uma entrevista do Telê Santana, que ele deu para a Marília Gabriela, em que ele diz não existir homossexuais no futebol porque “não era espaço para isso” — afirma Fernando, coordenador do laboratório de História do Esporte.
O principal desafio do Fluminense e outros clubes é fazer com que essa postura não seja exercida apenas em forma de ações pontuais ume vez ao ano. Mas é preciso a contribuição de todas as camadas do universo do futebol para que a mensagem chegue efetivamente nas arquibancadas, e revertida em um espaço seguro para pessoas como o carioca Eduardo Bulhões, de 48 anos.
— A chave de virada, que creio ainda estar longe, vai ser no dia que a torcida comprar esse grito. Vai ser por meio de educação, conscientização e quebra de paradigmas. É um trabalho de formiguinha diário — afirma o bancário, gay e torcedor do Fluminense.
Frequentador assíduo da arquibancada na época pré-pandemia, ele ressalta a importância do clube abrir espaço para a visibilidade e tentar naturalizar o estádio como um espaço para todos.
— A gente é time de veado sim. Mas também time de homens, mulheres, pretos…