Na segunda feira, no programa “NETFLU na Rede” no canal do NETFLU no Youtube, o jornalista José Illan e o Gustavo Albuquerque (nosso Flupress) debateram sobre Ganso.
Em seu argumento, José Illan defendeu a saída do jogador do clube. Illan entende que Ganso não rendeu como meia decisivo, que seu salário é muito alto e que não teria espaço pra ele num clube do tamanho do Fluminense.
Essa visão, muito provavelmente, encontra eco em boa parte da torcida.
Em dado momento, Gustavo lembrou muito bem que Ganso possui contrato com o clube por mais 3 anos e que não possui, pelo menos até esse momento, clubes interessados na sua contratação, de modo que não é uma situação fácil de se resolver, a não ser que o meia abrisse mão de muita grana, algo muito incomum no meio do futebol, inclusive quando se trata de ídolos com laços afetivos com alguns clubes (o caso Juninho Pernambucano no Vasco é algo muito raro).
Eu sei que esse texto vai gerar um debate grande e sei também que minha visão não é compartilhada pela maioria da torcida. É do jogo.
Eu vou começar pelos argumentos que acho corretos. Para muitos, falta a Ganso envolvimento emocional com seus clubes.
Parece claro que Ganso se tornou menos do que podia por uma dose de “preguiça”. E aqui não falo de jogar de sacanagem, mas se acomodar em ser menos do que poderia com seu enorme talento.
Nesse ponto, eu vi 2 Gansos no Fluminense. No Ganso da temporada de 2019 vi um jogador motivado, brigando e até xingando treinador que o tirava do jogo. Já o Ganso de 2020/2021 é um jogador passivo, que se acostumou com sua condição.
De qualquer forma, é muito difícil estando de fora analisar e opinar com certeza sobre fatores que dizem respeito ao lado psicológico do jogador. Essa é uma avaliação que fará melhor quem está no dia a dia.
O lado financeiro é outra questão importante. Sim, Ganso é caro. Porém, o futebol é caro. No Fluminense todos os altos salários são caros pro que entregam, sem exceção. O São Paulo paga mais de milhão pro Dani Alves e se a gente ficar citando exemplos vamos encontrar isso em praticamente todos os clubes.
O absurdo no caso do Ganso é a relação salário x minutagem em campo. Essa, realmente, é alarmante pra um clube com a situação financeira do Fluminense, o que reforça o questionamento do Gustavo. A situação atual é a pior dos mundos: um retorno técnico quase nulo pelos poucos minutos em campo e um salário altíssimo.
Quem argumenta com propriedade contra Ganso também fala que, pra render minimamente, precisa de um entorno e um modelo muito específicos e que seria um absurdo o clube usar um modelo e escalar um time pensando em Ganso.
Esse argumento é muito bom. Nem o maior dos Gansistas pode pedir que tudo gire em torno de um jogador que está longe de ser decisivo. Você cria modelo pro Messi, pro Neymar, pro Cristiano. Esses te dão passes e gols até dizer chega ao final de toda temporada. Não Ganso. E nunca deu.
E aqui entra parte da minha discordância sobre a fala do Illan no programa. Illan cita algumas características que pra ele são típicas de camisa 10 e que justificariam um salário alto. Illan fala de gols, passes, poder de decisão. Ou seja, Illan fala de um jogador que nunca existiu.
No Futdados peguei os números de passes e gols do Ganso em todos os Campeonatos Brasileiros que ele jogou. Os melhores números foram nos seguintes anos:
2009: 33 jogos, 8 gols e 4 passes – Santos
2014: 34 jogos, 5 gols e 8 passes – São Paulo
2015: 31 jogos, 2 gols e 11 passes – São Paulo
Há números razoáveis também pela Copa do Brasil e Libertadores, torneios curtos e que contam, nas fases menos agudas, com adversários de muito baixo nível.
Só pra que vocês tenham uma ideia de comparação no Brasileiro de 2019 e 2020 temos:
Vinicius – 31 jogos, 13 gols e 9 passes – Ceará em 2020
Claudinho – 35 jogos, 18 gols e 6 passes – Bragantino 2020
Carlos Sánchez – 34 jogos, 12 gols e 9 passes – Santos em 2019
Ganso nunca, nem no melhor ano da sua carreira, convocado para a Seleção Brasileira, jogando num timaço de um dos maiores craques em atividade (Neymar) ou no bom time do São Paulo teve números que chegam perto dos jogadores citados, que estão longe de serem referência de grandes jogadores.
Porque Ganso não é esse jogador que todos quiseram que ele fosse e muitos tentaram que ele fosse. Nunca foi. É alto, lento, tem muita dificuldade pra girar, chegar na área. Ganso busca espaços onde pode pensar o jogo, às vezes é perto da área, mas nunca foi esse tal “10” que as pessoas esperavam. Vinicius é, Claudinho também.
Ganso sequer teve no Brasileiro os números do Scarpa em 2017, que somou 14 entre gols e passes.
Ganso como 10 decisivo é a tal “saudade do que a gente não viveu”, uma “memória afetiva” de algo que nunca aconteceu e, claro, não aconteceria uma década depois num time que é muito pior que todos que ele jogou.
José Illan em dado momento falou, inclusive, que o jogador é motivo de piada entre os jornalistas especializados, esquecendo que esses mesmos é que tiveram uma avaliação completamente equivocada sobre o jogador, muitos tratando, inclusive, olhem que absurdo, como mais jogador que o Neymar. Claro, é mais fácil fazer piada do que reconhecer erros.
Mas tem uma fala do Illan que eu concordo, e é nela também que eu me apoio pra defender sua utilização. Illan admite que Ganso em 2019 “ foi um jogador nota 7” (palavras dele).
E é isso. É um jogador nota 7, nota 6. E jogou menos minutos em 2020 do que jogadores nota 3, nota 2…
Ganso é um grande passador. Ganso vê espaços onde quase ninguém vê e tem uma técnica muito apurada pra fazer isso com precisão.
Num jogo em que 90% ou mais das ações efetuadas são passes, não é possível que o melhor passador não tenha espaço pra jogar nunca, nem quando o Fluminense vai jogar contra adversários fechados e ficará com a bola por muito tempo.
Na semana que vem, postarei aqui um texto com muitos números do Campeonato Brasileiro. Através deles veremos que o Fluminense teve muitas dificuldades no momento ofensivo, muitas dificuldades de penetração e que não houve um modelo, uma identidade definida no seu modo de jogar.
Se o adversário é que define nosso modelo, é perfeitamente natural que a escalação seja definida também de acordo com a estratégia.
Vamos jogar um jogo de transição e verticalidade? Não faz sentido escalar.
Vamos jogar um jogo de paciência, organização pra atacar, contra adversários fechados? Pode valer a pena.
Tudo é contexto.
Roger Machado no Grêmio em 2015 conseguiu montar um bom time, se destacar como treinador, fazendo Maicon e Douglas (dois jogadores de baixa rotação) jogarem juntos no meio.
Maicon, inclusive, foi o grande maestro de um Grêmio repleto de conquistas. Foi mandado embora de diversos clubes, por ser “lento” e “preguiçoso”, rótulos indevidos para jogadores que não possuem velocidade.
Conhecedor dos números que postei acima, fiz uma pesquisa meio absurda no twitter essa semana. Perguntei quem jogou mais:
– Ganso no auge
– Vina no Ceará em 2020
Ninguém entendeu nada, alguns riram, outros perguntaram se eu estava zoando… 87% das pessoas votaram obviamente no Ganso. Se eu a fizesse aqui provavelmente daria o mesmo percentual.
Foi uma pegadinha com o pessoal. Como, comprovadamente, Ganso nunca teve os números do Vina esse ano, fica nítido que todos, eu me incluo, que votaram no Ganso, o fizeram porque sempre viram nele um cara muito mais cerebral, organizador, que decisivo.
Foi assim que chegou a seleção, foi assim que foi vendido pro São Paulo, foi assim que chegou ao Sevilla.
É assim que pode ser útil ao Fluminense.
Eu não desisto do talento. Ele é raro demais.
E entendo que o trabalho da comissão técnica deve ser nesse sentido.