Foto: Mailson Santana/FFC

Lá pelos 30 minutos do primeiro tempo do Fla-Flu, um lance emblemático do que foi aquela etapa: Fred consegue dominar uma das dezenas de bolas quebradas pra frente do time do Fluminense, olha pro time e está todo mundo lá atrás, muito longe dele. Em volta, apenas jogadores do Flamengo, que mais uma vez, retoma a bola e o centroavante esbraveja.

E assim foi todo o primeiro tempo, assim como foi boa parte do primeiro tempo com o São Paulo ( de novo com uma reclamação do Fred no intervalo) e como vem sendo em boa parte de 2020.

 
 
 

Um Fluminense acuado, medroso, sem coragem. No Campeonato Brasileiro, muitas vezes o resultado veio mesmo assim, porque no futebol às vezes ele vem mesmo, ainda mais num cenário em que a grande maioria dos treinadores têm muito mais medo de perder o emprego do que vontade de fazer seu time encantar, apaixonar.

No fim do segundo tempo, outro lance emblemático e que resumiu aquela etapa: Calegari alonga pro Felippe Cardoso brigar, 4 jogadores do Fluminense estavam no campo de ataque, 3 deles pra buscar uma possível segunda bola. O Flamengo erra a saída e Yago, atento, esperto, ganha na corrida do Arão e define o jogo.

Na sua formação como treinador, o espetacular Andrea Pirlo, na sua diplomação como treinador, escreveu sua tese “ O meu futebol” com alguns conceitos que mostram bem a importância de ser agressivo (por favor não confundir isso com posse de bola, jogo apoiado, construção):

“ Estudos mostram que times de ponta fazem 30-35 pressões pós perda por jogo, com 70% de sucesso”.

“Melhores meio campistas no quesito completam 12 pressões por jogo”.

Vocês notaram como tudo no futebol pode ser mensurado e sujeito a metas, pequenas metas dentro de um jogo que podem resultar em gols e oportunidades?

Vocês notaram que jogar pressionando, agredindo, é fruto de comportamento coletivo que precisa ser criado, ensinado, treinado?

O Fluminense no primeiro tempo desarmou o Flamengo 2 vezes. O Fluminense no segundo tempo desarmou o Flamengo 9 vezes.

O Flamengo teve muito mais a bola que o Fluminense. O jogo todo. E se no primeiro tempo o Fluminense pouco ameaçou e optou por jogar quase dentro da sua área (o mapa de calor do Welington Silva no Sofa Score é de lateral esquerdo), no segundo o mesmo Welington já começa chutando uma bola dentro da área,  saiu o gol do Luccas Claro (que, aliás, é o melhor zagueiro do campeonato), o Fred enfia uma bola linda no Araújo e ela toca na trave, o Felippe Cardoso entra sozinho, dribla o goleiro e perde a passada, sai o segundo gol e no fim o Caio Paulista entra sozinho também e perde a bola.

Reflexo de um Fluminense que, com o resultado negativo e sem nada a perder, foi jogar futebol, foi pra dentro do Flamengo e conseguiu uma virada espetacular.

Essa é a reconexão que a gente cobra. O Fluminense não pode jogar com medo de ninguém. O Fluminense não pode abrir mão de buscar a vitória os 90 minutos. O Fluminense não pode jogar especulando, esperando o sopro da sorte bafejar pro lado dele.

E aí vem outra questão, que guarda total relação com o futebol agressivo, intenso, de buscar a vitória, com conceitos do futebol moderno sendo aplicados. Repararam o gol do Yago? Repararam que no primeiro tempo foi o Yago que apareceu dentro da área pra finalizar uma bola longa que o Fred ganhou na cabeça?

O Yago, e aqui não vai nenhum julgamento técnico e sim de características, tem essa capacidade. Agora imaginem se todo o meio-campo a tivesse?

Imaginem se Yuri e Hudson não jogassem e o meio fosse escolhido entre Yago, Martinelli, Calegari, Araújo, Wallace do sub-20?

Todos muito jovens, com vigor, intensidade, capazes de pressionar muito o adversário, de gerar muita roubada de bola.

Por que Yuri e Hudson? O que trazem esses dois jogadores de bom pro meio campo?

Pra vocês terem uma ideia eu vou recorrer aos números:

Hudson – 0 finalizações, 1 desarme (apenas 1 num jogo em que o Flu nem teve a bola) e apenas 11 passes certos (um percentual horrível de 73,3% de acerto)

Yuri – 1 finalização (fruto de escanteio e não de transição), 1 desarme, 29 passes certos (outro percentual ruim de 78,4% de acerto)

O Yago por exemplo finalizou 2 vezes, fez 1 gol, desarmou 3 vezes e o percentual de acerto de passe também ficou numa faixa ruim de 77%.

Notem que se tecnicamente há equilíbrio, em quesitos mais físicos como velocidade, intensidade Yago se sai muito melhor e se mostra mais adequado a praticar funções que são vitais para os meio campistas modernos e para modelos de transição como os praticados no segundo tempo.

A saída do Nenê também ajudou bastante. Não há transição bem feita com alguém que segura todas as bolas e atrasa o jogo como Nenê faz. Aliás, não há espaço num clube como o Fluminense pra um jogador como Nenê.

O Fluminense deve buscar desenvolver seus talentos e não ser local de jogador encerrar carreira.

Desenvolvimento de talentos, utilização da base e complemento com jogadores mais prontos captados com scout sério e profissional. E sempre, sempre buscar a vitória, independente do modelo adotado. Com toda certeza, com seriedade e coerência no planejamento, jogos como o de ontem serão vistos pelo seu torcedor de forma mais corriqueira.