Eduardo Oliveira também comandou o sub-17 do Fluminense (Foto: Mailson Santana - FFC)

Duas vezes campeão carioca, vice da Taça BH e da Copa do Brasil, quinto lugar no Brasileirão e 198 gols marcados em dois anos. Os resultados do sub-17 do Fluminense nos últimos anos, aliados com a proposta de um futebol ofensivo e de valorização da posse de bola, têm enchido os olhos da torcida tricolor. Responsável por comandar a equipe tricolor na categoria, o técnico Eduardo Oliveira, que ajudou a revelar promessas como Marcos Paulo, João Pedro e John Kennedy, que está na fila para ser o próximo xodó do torcedor, concedeu uma entrevista exclusiva ao portal Globoesporte.

Confira, na íntegra, a entrevista completa do treinador do sub-17 ao portal:

 
 
 

Como foi a sua formação no futebol?

A minha formação começa no nascimento, afinal, sou filho de ex-jogador e ex-treinador. Meu pai se chama Eraldo Torres, foi ponta-esquerda. Ele fez carreira no Bangu e no América, depois, como treinador, foi campeão mundial sub-17 com a geração do Adriano. Dentro de casa, convivi sempre com futebol. Isso, então, vem de berço. Comecei a jogar futebol muito novo, na época de juniores fui para Minas Gerais, em um clube de empresários. Depois, o Goiás. E lá recebi uma proposta de fazer faculdade com bolsa de estudos nos Estados Unidos.

Joguei quatro anos na Universal West Florida, na cidade de Pensacola. Me formei em Educação Física, tive a oportunidade de jogar na terceira divisão americana, acumulando uma função de auxiliar técnico. Vi, naquele momento, era hora de eu fazer a migração. Naquela época, com 23 anos, gostava mais da parte do treinamento do que da parte de treinar. O futebol me deu muita vivência de vestiário e eu não tinha esse objetivo de crescer como jogador lá. E, cada vez mais, a vontade de liderar o processo aumentava, com o planejamento de modelo de jogo e atividades.

Fala mais sobre isso, por favor.

Então, na minha faculdade, virei auxiliar técnico de um time sub-14 e comecei a fazer mestrado em Ciência do Exercício. Isso contribuiu muito para a minha formação teórica. Em 2010, recebi uma proposta da CBF para assumir a preparação física da seleção feminina.

Comecei na sub-20. Logo depois, virei auxiliar de preparação física no time principal do feminino. Na Copa do Mundo da Alemanha, em 2011, virei o preparador físico principal. Foi bacana, mas o que eu sempre quis e sempre trabalhei era ser treinador. Mas aquilo abriu a porta. Até ir para o Botafogo.

Fiz um ano como técnico do sub-14 e preparador do sub-15. Em dezembro de 2012, assumi a coordenação técnica da base. Muita coisa do entorno me incomodava, então, aceitei e tive autonomia para tocar o projeto. A gente foi campeão sub-15 da Copa do Brasil, com essa geração que está no profissional. Eu saí em 2015, e o Botafogo foi campeão brasileiro sub-20 com o Eduardo Barroca (recentemente demitido do profissional).

Em 2015, a Nike me fez uma proposta de comandar um time. Era coordenador metodológico. Era uma ação de marketing. Dava oportunidade ao consumidor de fazer treinos e, em caso de destaque, ser colocado em clube. E depois cheguei ao Fluminense, já com a Licença Pro da CBF.

Como é a aplicação da metodologia de treinos em Xerém?

É um organismo vivo. A gente sempre está agregando. O diferencial aqui é o propósito: faça uma pessoa melhor, que você terá um jogador melhor. Se estou aqui, é por conta disso. A gente desenvolve valores nos meninos. Uma atividade de treino não vai se diferenciar, se olharmos de maneira crua, de clube para clube. Futebol é futebol. Mas o como se guia o jogador para ele descobrir o motivo daquela atividade, sim. A nossa ideia de futebol aqui é de valorizar a bola, de tentar fazer gol, estar organizado defensivamente e especialmente ser protagonista.

O que temos de desenvolver nos meninos são os cinco valores do clube: respeito, meritocracia, criatividade, espírito de equipe e comprometimento. Assim, a gente consegue formar um bom jogador e uma boa pessoa. E mais: uma pessoa que resolva problemas. Na minha opinião, o grande jogador de futebol é aquele que consegue perceber o que acontece no campo de maneira rápida, pensar uma solução ao lembrar dos treinos de forma também rápida e agir com qualidade. Aí, sim, vem a técnica. Ela é o final do processo. Se eu não dou as ferramentas para o jogador perceber e pensar, eu não consigo. Isso tudo está atrelado à metodologia.

Todos os treinos que monto… começo com qual valor ou quais valores que desejo estimular. Além disso, a atividade tem de ser prazerosa. É óbvio que é uma profissão, mas se tirar o prazer… esse cara não vai estar preparado para o jogo. Ele não pode pensar em errar, ele tem de pensar em tentar.

E como se faz para isso não ficar apenas na teoria?

A metodologia sempre existiu. O Marcelo Veiga, coordenador técnico, fala algo engraçado. Que quando vim para cá, consegui pegar as ideias, colocar em um pacote e fazer as pessoas entenderem. Demos a razão e o motivo das coisas. Foi de abril a novembro de 2017. Em 2018, implementamos. Este ano é o de maturação. No ano que vem, fica automático e aí enraíza.

O jogador tem de comprar a ideia, ele é parte. O treinador dá o direcionamento. Mas as peças têm de contribuir para criar a identidade. O torcedor tem de olhar e ver o clube sendo representado. É aquela coisa, o torcedor tem de dizer “quero ver o sub-17 pois me dá prazer” e “eles ganham”.

O que dá prazer é ver um jogo vistoso, como a história do Fluminense. A Máquina Tricolor foi isso. Mas que você também possa ganhar título. Para ser campeão, não tem de mudar a sua forma de jogar. Tem de ter estratégias para isso.

A principal marca desse time sub-17 é o ataque: são 198 gols em dois anos, uma média de 2,53 por jogo. Esse é o DNA buscado em Xerém?

A marca é você ver um time muito competitivo em campo. Isso, aliado à qualidade e ao estilo ofensivo de querer ter a bola e agredir o adversário o tempo todo, resultará em gols. Mas tem de ter o cuidado de não sofrer gols também. A competitividade que eu falo é maximizar o lado técnico ofensivo dos jogadores captados pelo Fluminense, aliás, muito bem captados, mas eles têm de entender que o futebol vai e vem. Não pode ser só para frente. A gente pode marcar lá em cima, mas temos de estar preparados para quando o adversário chegar na nossa área.

O torcedor, ainda mais no Brasil, gosta de ver gol. Você precisa de um ídolo, é algo que me preocupo: eu preciso formar um centroavante goleador. Preciso ter um goleiro menos vazado. Essas duas posições, na minha maneira de ver, são chave. Óbvio que as outras peças são importantes, mas se precisa desenvolver jogadores desse quilate na base, afinal, são esses que o torcedor vai guardar na memória.

O time mudou muito de 2018 para 2019 e mesmo assim foi campeão. Como foi feito o trabalho de reformulação?

Do titular, fiquei com três: Marcelo, Calegari e Davi. Marcelo e Davi subiram para o sub-20, só desceram para a reta final. Assim como o Calegari, que foi para o profissional.

É sempre um desafio quando se pega um time todo novo. Se não conhece o jogador, se perde tempo. Um tempo que quase nunca se tem. Na base é o mesmo do profissional.

Eu sou treinador da categoria juvenil. Atualmente, ela é composta por jogadores nascidos em 2004 e 2003. O futuro sub-16 e sub-17. Temos aproximadamente 40 jogadores.

O que tem de ser feito, então?

Tenho de trabalhar com os melhores, afinal, a categoria de ponta é o sub-17. E preciso dar estímulo aos outros atletas a se desenvolverem. Pois eles ainda vão jogar. Preciso usar a minha comissão técnica para todos se desenvolverem. Os treinos são os mesmos. Para todos estarem no mesmo nível. Meu auxiliar, o Alexandre, dirige o sub-16.

Eu tenho utilizado muito os jogadores de primeiro ano. No ano passado, foram três titulares de primeiro ano: Marcelo, Calegari e Davi. Neste ano, cheguei a usar seis: João Neto (centroavante), Mateus Martins (meia), Kayky (meia), Jetfte (lateral-esquedo), Metinho (volante) e Caio Felipe (goleiro). Eu integro todos para formá-los e todos estarem prontos.

Em janeiro, a gente viu o que os jogadores poderiam nos dar. E passamos a aprender com eles. O desafio na base é não escolher um time e ficar com ele. É estimular o grupo inteiro a estar evoluindo e achar o momento certo de dar as oportunidades. Não adianta dar oportunidade em jogo difícil a quem não está preparado e deixar de dar oportunidade a quem está pedindo passagem.

O técnico também está em formação. Então, tem de ter essa relação com o grupo. Se a gente entender isso, todos evoluem juntos. Eu não formo para amanhã, mas para daqui a cinco anos. Que o menino chegue bem no auge da carreira dele.

Qual a dificuldade neste processo?

O desafio no sub-16 e no sub-17 é manter o foco. A cabeça muda, o contexto muda. Assina contrato, passa a ter mídia… isso pode tirar o cara do caminho. Mas isso faz parte da formação.

John Kennedy foi artilheiro do Carioca, com 15 gols. Ele pode repetir o caminho de Marcos Paulo e João Pedro?

Marcos Paulo sempre foi promissor na base. Desde a época em que eu enfrentava o Fluminense pelo Botafogo. João Pedro, ao chegar no Flu aos 11 anos, tem desempenho bom, mas dos 14 aos 16 anos, caiu de rendimento. Quando chegou para mim, era reserva do reserva. Mas tinha potencial.

O Jhon chegou para gente ao final de 2017. Ele veio de Minas Gerais, um time que se chama Social. Veio depois da Taça BH, sendo jogador de lado. É um menino competitivo. Tem energia, mas ainda se adapta a ser a referência de uma geração. O Marcos Paulo nunca teve esse problema. O João Pedro foi, deixou de ser e agora voltou a ser. O Jhon nunca foi.

Eu levava ele para o banco para ver como as coisas era. Ele estava participando, mesmo que não fosse entrar. Ele está em formação. No sub-20, agora terá uma fase essencial. Ele pode vir a ser um grande jogador. Mas ele precisa se consolidar como artilheiro, como a referência. Se ele souber saber lidar com isso, será grande. Existe um caminho ainda.

Você conhece bem João Pedro. Recentemente, ele foi retirado até do banco de reservas pelo Marcão. Além da questão técnica, o treinador entendeu que ele tinha perdido o foco…

Hoje não tenho como muito falar dele, a versão 2019 não sei. No ano passado, ele foi vendido (ao Watford) e continuou no sub-17. Eu falei com ele muito na época. Ele é humilde, a família teve dificuldades. Ter sido vendido e continuado no sub-17, com rendimento e comportamento muito bom significa algo.

Ele era referência. Mas também perdeu a cabeça em uma final de CB e foi expulso. Não foi certo o que ele fez, mas ele era um menino. Dias depois ele me ligou e pediu desculpas. Eu disse para ele aprender com a lição.

Sempre vi ele querendo aprender. Sempre está atento, querendo mais. Ele é jogador inteligente, consegue conversar com o treinador sobre situações durante o jogo.

Tive situações boas e outras que tive de controlar, de competitividade e de perder a cabeça. Mas isso é normal. Tem idade de júnior e está no profissional, como xodó da torcida. Isso gera exposição. Ele vai acertar e errar. Ele ainda está em formação e, com certeza, vai aprender com o caso.