É claro que a culpa não é do VAR. Ele é apenas um instrumento. Uma segunda chance para que a arbitragem possa corrigir erros. Mas não corrige a miopia nem a incapacidade de árbitros, assistentes e seus superiores. Desde ontem à noite, tenho ouvido opiniões divergentes de ex-árbitros (agora comentaristas) sobre o gol anulado logo no início do Fla-Flu. Não acho que seja um lance fácil e admito que a disputa entre Matheus Ferraz e Rodrigo Caio possa gerar interpretações diferentes. O que não dá para admitir é que um Fla-Flu como o de ontem, que, exceto pela rivalidade, tinha um valor muito questionável, tenha chegado ao sétimo minuto do primeiro tempo com um minuto de bola rolando e seis de discussões e intermináveis repetições de imagens. Usado desta forma, o VAR realmente deixa de ser um aliado e vira um adversário do futebol. É a desmoralização da tecnologia.
Mas o que aconteceu no Fla-Flu, daquele lance em diante, não diz respeito apenas à anulação do gol. Foi mais um capítulo do futebol-cafajeste que se pratica no Brasil atualmente, sobretudo em clássicos regionais. Jogadores pouco talentosos (a maioria) querem vencer a qualquer custo, mas não conseguem se impor ao adversário jogando mais futebol. E, para vencer a qualquer custo, vale usar qualquer recurso. Vale atropelar as regras e os valores do esporte. O jogo vira um festival de pontapés, empurrões, xingamentos, dedo na cara, como se isso tudo fizesse parte do espetáculo. Chamam de jogo pegado. Eu prefiro chamar de futebol-cafajeste.
A arbitragem, como sempre, acaba saindo como a maior vilã da história. Mas não é fácil estar na pele do árbitro. Se o cara sai expulsando, como deveria ter feito Marcelo de Lima Henrique, será criticado por acabar com o jogo e por querer aparecer mais do que os jogadores. Se economiza cartões, tentando levar a partida até o final, acaba se omitindo e deixando que os jogadores façam o que quiserem. Se houvesse em campo, na quarta-feira, um árbitro cumpridor da regra, talvez o Fla-Flu tivesse terminado no primeiro tempo, por falta de jogadores. Mas não. Marcelo de Lima Henrique ouviu todos os palavrões, desaforos e xingamentos possíveis. Fechou os olhos para os pontapés e acabou tornando-se cúmplice naquele show de horrores.
Pará, Bruno Silva, Diego Alves, Airton, Arão, Léo Santos, Rodrigo Caio, Ronaldo e Luciano não teriam terminado o jogo se houvesse apenas o cumprimento da regra. A maior parte deles teria sido expulsa antes do intervalo. Bruno Henrique, pela entrada covarde em Gilberto, e Ganso, não deixaram alternativa e acabaram recebendo os dois únicos cartões vermelhos, num Fla-Flu que só lembrou a grandeza dos clássicos pelas camisas, não pelo recheio.
E o que valia mesmo aquele jogo (se é que se pode chamar assim), além da rivalidade? Quase nada. Assim como nada valerá a “decisão” de domingo. Para piorar, pode ser que Fluminense e Flamengo voltem a se enfrentar numa das semifinais do campeonato. E, aí sim, estará em disputa uma vaga na decisão. Neste caso, talvez seja melhor trocar os uniformes por armaduras e trocar o Gepe pelo Bope. Dentro de campo.
Nós, que condenamos tanto a violência dos bandidos fantasiados de torcedores nas arquibancadas e nas ruas, não podemos aplaudir a apologia do futebol-cafajeste dentro de campo. Mesmo quando ela beneficiar o time pelo qual torcemos.