Quase todo fim de semana eu passo pela rua que beira as estações de Rocha Miranda e Honório Gurgel, até desaguar na Avenida Brasil, altura de Guadalupe, na zona norte do Rio. No caminho, perto de uns condomínios recém lançados, uma passarela aparentemente nova chama a atenção. Mas ela está sempre vazia, quieta, sem uma alma viva. Logo abaixo, o muro da estação aparece derrubado. As pessoas preferem ganhar tempo, atravessando de um lado para o outro, sobre os trilhos, acostumadas com o atalho maldito. Esse não deveria ser e, creio, não é o caminho do Artur.

 
 
 

Não, ele não é meu amigo. Poderia sê-lo, mas nos afastamos após as eleições do Fluminense. Ele do lado de lá, eu de cá. O início até parecia promissor. Mas a política do departamento de comunicação, avalizada pelo presidente Pedro Abad, tratou de sacramentar o hiato. Artur Mahmoud Machado, assessor direto do mandatário tricolor, virou o dono da banca de esquina pra mim: só trivialidades entre parcos questionamentos através do telefone e Whatsapp.

Em sua época de setorista da Rádio Tupi tinha um quê de bonachão, sempre dividindo histórias com a rapaziada nas resenhas pré e pós-treino. Oferecia carona até o ponto do ônibus ou estação de metrô mais próxima. Para um jornalista sem carro e sedentário como eu, isso soava como o biscoito recheado do waffer entre as refeições. Para muitos, não era a pessoa mais indicada a ocupar a posição que ocupa hoje em dia, mas tinha e tem a confiança de Abad, quesito importantíssimo.

A partir de 2017, Artur passou a entender de verdade o que era estar do lado de lá. O papel de tentar blindar a vidraça é inglório, nada romântico. Eu o alertei inúmeras vezes. Paulatinamente, ele se viu mergulhado na estranha maré do clube: o silêncio não é sinal de calmaria e o grito é a certeza de que o cenário ainda pode ser pior. Entre oposição, situação, notícias, apuração e fato, nem sempre a verdade aproxima.

O trabalho seguia de ambos os lados. Ele conhece meus métodos, eu os dele. Como boa parte do clube, argumenta que vazar documentos e informações sigilosas não contribui para o desenvolvimento do Fluminense e aumenta a pressão. Retruco, como sempre fiz, que o meu cargo visa manter o torcedor informado, independentemente do conteúdo da notícia. Assim, entre trancos e barrancos, se resumiu nossa relação nos últimos meses. Ele, chateado por algumas matérias terem ido ao ar, ao passo que eu me indignava com diversas posturas da direção, no que tange ao tratamento com os profissionais do NETFLU.

Quando foi “convidado” a depor pela primeira vez, o liguei muitas vezes. E não na condição de jornalista. Não preciso ser o melhor amigo para acreditar que algo não faz sentido. Queria ouvi-lo dizendo pra mim que tudo não passou de uma superexposição conduzida pelo Ministério Público e Polícia Civil. Em tempos de guerra política, a situação soou como brisa para refrescar as mentes de quem quer fazer desse tipo de caos uma oportunidade, seja de um lado ou de outro.

– Eu estou muito mal com essa situação, Paulo. Jamais imaginei que algo assim fosse acontecer comigo. Fico me perguntando até que ponto vale a pena tudo isso, essa exposição que fazem do Fluminense… – contava Artur, ao telefone, com voz embargada.

A conversa se alongou por vários minutos. Os outros tópicos, em respeito à privacidade do próprio Artur, não citarei. Não basta dizer que senti verdade nas palavras. Esse texto, porém, não é um manifesto para comover ninguém. Contudo, queria dizer que, SIM, acredito na idoneidade do profissional.

Tal qual a maioria das pessoas que me leem, não sei o conteúdo completo das denúncias. A partir daí, antes mesmo de um julgamento, é nítida a criação de tribunais virtuais, baseados em achismos e balés retóricos, para justificar uma prisão preventiva injustificável. Neste momento, os únicos riscos que Artur e Filipe Dias (funcionário do marketing também preso preventivamente) oferecem são para si mesmo, dentro de seus pensamentos. Não ponho a minha mão no fogo pelo clube, mas não incendeio sem motivo plausível. Que a verdade apareça e os culpados, TODOS ELES, sejam punidos no rigor da lei, doa a quem doer, desde que seja feito sem ações surreais.

O cambismo é o buraco no muro da estação de Honório Gurgel que insistem em manter aberto, mesmo quando funcionários o fecham. Transformar a passarela em rota única com placas e avisos somente, não muda o indivíduo mal acostumado. O grande desafio é a transformação cultural, enraizada pelos “jeitinhos” do dia-a-dia. Que Artur e tantos outros não sejam meios utilizados por aqueles que trabalham em nome da lei para justificarem fins ainda reticentes.