Ao longo dos tempos, desde que o tempo é tempo, antes mesmo de ser desinventado por Einstein e ser reinventado pela ignorância em entendê-lo, um tratado vem desafiando as mentes mais brilhantes da ciência pela incapacidade de essas mentes desvendarem sua complexa articulação. Falo do Paradoxo de Humphreys. O Paradoxo de Humpfreys quebra a norma comum dos paradoxos por sua…Não, vou parar por aqui, não vou levar essa farsa adiante. Tenho que ser honesto: não existe o Paradoxo de Humphreys. Inventei essa história para me fazer crível, respeitado em meus argumentos empíricos, frutos da observação preguiçosa do passar do tempo, o que só se consegue se nos dedicarmos espartanamente à tarefa da contemplação. O Paradoxo de Humphreys é na verdade o Paradoxo de Beto Sales, mas quem o levaria a sério se fosse batizado em cartório científico com o meu nome, um nome da planície das ideias? Tomei emprestado o nome Humphreys da milagrosa Maravilha Curativa que servia de loção pós-barba ao meu saudoso pai. Maravilha Curativa de Humphreys. Curava mais pelo nome próprio do que pelos benefícios de algo que se apresentava como maravilha curativa.
Bem, já que o paradoxo é meu, vou passar de imediato a seu enunciado, e vai com aspas, como se citasse a mim mesmo como alguém que deseja ter mais importância do que se lhe atribui: “Quanto mais se abrir o Fluminense para a participação eleitoral dos sócios e torcedores, mais o processo eleitoral reproduzirá a conjunção de forças paroquiais do clube”. Parece um paradoxo, não é mesmo? Por isso o título paradoxo. Vou tentar explicar.
Não é necessário ser um filósofo de enciclopédia para entender que toda forma de poder se escora no princípio da dominação, da submissão de outrem aos desejos dos poucos que se apossam dos instrumentos que materializam a dominação. Não importa o protocolo em que se assentam as formas de dominação dos poucos que representam muitos sobre esses muitos. Pode ser liberal ou absoluto, mas é sempre uma questão de dominação. Muitas vezes o poder se representa no plano material, mas sua maior força se concentra no plano simbólico. E aí vem o interessante. Quanto mais restrito é o ambiente onde se realizam as relações de poder, mais cruenta é a guerra por ele. O estado dilui, a paróquia concentra.
Seja lá o que quis dizer com isso, o fato é que o Fluminense sofre de uma anomalia de representatividade. Sócios de um clube de bairro, em convescotes de saunas e churrasqueiras, conspiram alianças inimagináveis para manter sob seu controle a paixão de milhões. Não é preciso que sejam muitos, só é necessário que sejam bastantes. Uma concessão aqui a um movimento, outra ali a uma facção, mais ali aos esportes olímpicos e similares, e assim o poder vai se reiterando por suas expressões que só se mostram antagônicas para garantir benesses.
Pode-se até ampliar o colégio eleitoral para os sócios vinculados a programas corporativos, mas isso é de fato democratizar o processo? Penso que não. Em primeiro lugar, porque quem vota não pode ser votado, o que já restringe o alcance democrático do método. Em segundo lugar, porque os requisitos para que esses sócios votem são higienizados por restrições: dois anos de associação, adimplência, presença física na votação e outros. Mas o fator que mais protege os interesses dos grupos paroquiais da nociva influência dos milhões de torcedores está na própria volubilidade desses torcedores. Ou alguém acha que com o time rendendo em campo algum torcedor deixará de referendar o status quo? Sem acesso a informações essenciais, que se confinam no âmbito de um conselho deliberativo de áulicos, o torcedor medirá a eficiência de uma gestão pelo resultado no campo, e mais ainda, pelo resultado no campo do tempo presente. Somos apaixonados, e a paixão encurta a memória.
Diferentemente de muitos camaradas meus que acreditam que o caminho para a mudança é associar-se, montar chapa e ganhar a eleição, sou absolutamente cético quanto a isso. A oposição de hoje, para ganhar as eleições, inevitavelmente recorrerá às mesmas alianças que levaram ao poder a situação a que momentaneamente se opõe.
Só acredito na mudança pela revisão radical do marco regulatório do esporte no Brasil. Pela pressão incessante de fora pra dentro contra o universo nebuloso onde todos se protegem de seus erros e danos causados por uma espécie de imunidade parlamentar. E por fim, as mudanças, creio eu, só se darão num ambiente de incondicional profissionalização da gestão do futebol, mantendo-a imune às influências provincianas do mandarinato das saunas e quadras, ao irresistível impulso dos abnegados em se sentirem prontos para um desafio que sequer dimensionam em sua complexidade.
Nada mais parecido com o que se combate hoje com o que se tornará amanhã.