Muitos torcedores do Fluminense ainda sentem saudades de Fred, embora, pelo menos em 2017, Henrique Dourado venha provando, dentro de campo, com gols e dedicação, o quanto pode ser útil. Artilheiro do clube na temporada com 17 gols e do Brasileirão com seis em cinco jogos, o centroavante vem dando conta do recado. Entretanto, o contrato envolvendo o jogador, adquirido às pressas pelo Flu, que precisava de um substituto para Fred, apresenta números e cláusulas que geram reflexões.
Faltando poucos meses para o fim de sua gestão, o então presidente Peter Siemsen se colocou como fiador da negociação, algo pouco comum no mercado. Ciente da situação extraordinária, o ex-dirigente contemporizou, dizendo que o risco era totalmente dele, ao tomar tal atitude.
– É até bom para o Fluminense, porque se o clube não pagar, eu pago. Para o clube é um benefício. Na verdade, tem pessoas que até acham um absurdo eu fazer, em conta do meu risco. Não é uma situação normal ou ideal, mas às vezes ocorre. Se o clube não pagar, eu passo a ser responsável pelo pagamento. O prejuízo é pra mim. Se fosse o contrário, se o clube fosse meu fiador (risos), faria algum sentido suspeitarem de algo – garantiu, em entrevista ao NETFLU.
O camisa 9 do Time de Guerreiros custou R$ 6,6 milhões ao Flu, a serem pagos em duas parcelas, sendo a primeira de R$ 4 milhões e a segunda de R$ 2,6 milhões. Para termos de comparação, Fred foi vendido pelo clube por cerca de R$ 5 milhões para o Atlético-MG, tendo como uma das justificativas a situação financeira do Tricolor. Sabendo que o Fluminense não quitou as dívidas com o Mirassol, que chegou a colocar a agremiação na Justiça, no tempo estimado em contrato, Peter seguiu despreocupado.
– Eu continuo como fiador e espero que o clube consiga cumprir tudo, para que tudo dê certo. É uma responsabilidade que eu assumi. Vejo como contrário do que muitos falam (conflito de interesses), é mais um movimento político, mas faz parte – ressaltou.
Presidente do Conselho Fiscal na época, o atual mandatário do Fluminense, Pedro Abad, foi procurado pelo site número 1 da torcida tricolor para responder se tinha conhecimento da participação de Peter como fiador. Segundo ele, essa condição só foi descoberta quando houve a renegociação do contrato.
– Não. Só soube que havia fiança pessoal do ex-presidente Peter quando houve a renegociação do valor a ser pago aos credores – explicou.
O homem forte do clube verde, branco e grená também destacou a celebração de um acordo com a cúpula do Mirassol envolvendo o repasse financeiro devido ao clube paulista.
– Já entramos em acordo com a diretoria do Mirassol e o restante final do pagamento está sendo feito dentro do cronograma – frisou Abad.
Se a segunda parcela devida era de R$ 2,6 milhões e o Fluminense a atrasou por cerca de três meses, o clube teve de incluir mais 10% de multa sobre o valor, além de juros e correção monetária. Acerca deste cenário, o presidente do Mirassol, Edson Hermenegildo, foi interpelado pelo NETFLU e confirmou o posicionamento do mandatário tricolor, dando um mais detalhes sobre o acordo.
– Está tudo em dia agora. Fizemos um acordo da pendência que tínhamos e não temos mais nada a reclamar do Fluminense a esse respeito. Eu não estou com a cópia do contrato aqui, mas nós temos direitos. A pendência que o Flu tinha conosco foi resolvida. Foi feito um acordo comercial e temos um contrato de parceria com o Fluminense – disse.
Outra parte importante do documento protege o Mirassol, caso o Fluminense queira negociar o centroavante sem custos para qualquer equipe. Este, inclusive, foi um dos principais motivos para o atleta ter permanecido no clube no início da temporada, quando a diretoria tricolor tentou emprestá-lo. Se saísse sem custos e o Fluminense não entrasse em acordo com os paulistas, seria obrigado a ressarcir o clube de São Paulo em 4 milhões de euros (R$ 14,8 milhões), ou seja, bem mais que o dobro do valor investido para fechar com o atleta que defendia o Vitória de Guimarães (POR).
Alguns especialistas procurados pelo NETFLU explicaram que, mesmo sendo incomum, sobretudo faltando poucos meses para o fim de uma gestão, Peter se colocar como fiador está longe de ser ilegal. Pessoas ligadas a diversos grupos políticos de oposição, quando tomaram conhecimento da informação, disseram que ação foi “desesperada”, porque o ex-mandatário precisava dar uma resposta rápida para a venda de Fred, sem contar que as eleições iniciariam no final de novembro. Eleito no ano passado, Abad saiu em defesa de Peter, discordando de qualquer ideia de conflito e sua voluntariedade.
– Não (houve conflito de interesses), pelo contrário. Se a pessoa se coloca como responsável por um débito que tenha a possibilidade de não ser pago, ela se coloca em risco – afirmou.
Empresário de Henrique Dourado, Meer Kalfman, que também teve problemas de atraso no repasse de sua comissão, quando levou o atacante para o clube das Laranjeiras, reconheceu que a presença de Peter como fiador foi uma surpresa. Sem querer entrar no mérito da questão, ele ressaltou os problemas de falta de pagamento país do futebol.
– No Brasil tem tanta inadimplência entre os clubes, tanto caso que já tomei conhecimento. É verdade que não é normal o presidente ser fiador quando está saindo, na verdade é um risco dele. Quer dizer que o cara confia que a instituição vai honrar. Mas eu estou dando pitado, não é minha esfera. Só o departamento jurídico pode falar – comentou.
Assim como Peter e Kalfman, o presidente do Mirassol, Edson Hermenegildo, falou sobre a situação, apesar de salientar que lembra de pouca coisa sobre o tema. Preferindo não entrar em qualquer mal-estar com o Tricolor, ele disse que quem deve julgar se é certo ou errada a condição de Peter como fiador é o próprio clube.
– Eu não me lembro desse detalhe, mas isso geralmente é quase que normal. Agora eu não sei se na época o representante do jogador exigiu, não sei te dizer, porque o contrato dele é antigo. Agora essa questão do presidente assumir essa responsabilidade ou não, dependeu de uma direção, um aval no próprio clube. Não posso me manifestar sobre coisas internas do Fluminense. Não posso dizer se está certo ou não. Quem pode te responder isso é o presidente do Conselho do clube e outras pessoas ligadas ao Fluminense – concluiu.
Advogado atuante no direito desportivo, Rafael Bozano, natural de Santa Catarina, analisou o contrato de cinco páginas, a pedido do NETFLU. De acordo com ele, não há nenhuma irregularidade no documento. Sendo assim, fica sob a responsabilidade estatutária de cada clube limitar ou não os passos dos dirigentes, principalmente em casos similares ao do contrato de Henrique Dourado.
– A legislação brasileira, em especial o Código Civil e regulamentos desportivos, não vedam a participação dos presidentes dos clubes celebrantes do contrato, em serem fiadores em Contrato de Transferência de Direitos Federativos de Atletas. Importante registrar, que em momento algum, o fiador aparece como beneficiário de qualquer quantia que possa ser auferida com a venda do atleta envolvido – explicou.
O especialista em direito esportivo fecha sua explanação sobre o contrato reforçando que o conteúdo do mesmo não foge à regra do que é feito no mercado brasileiro.
– Trata-se de uma faculdade das partes celebrantes, que concordaram em ter essa pessoa como fiadora. Especificamente na situação de presidentes de clubes aparecerem como fiadores, essa prática é até comum em situações em que o atleta, recém contratado, em razão de não possuir qualquer vínculo com a nova cidade, o próprio presidente do clube contratante assume a qualidade de fiador em locações residenciais para esse atleta. Dessa forma, para que ocorra qualquer vedação no sentido de proibir que o presidente de um clube seja fiador do negócio pactuado, acredito que esta vedação deva estar prevista no Estatuto do clube, como regra interna. O que também se aplicaria à possibilidade ou não da contratação de atletas em determinado período do ano – finalizou.
Na última noite, sob muitas vaias de grupos de oposição e confusão na Reunião do Conselho Deliberativo, o ex-presidente do Fluminense, Peter Siemsen, teve suas contas aprovadas pela grande maioria, em especial por membros da Flusócio, grupo que sempre apoiou o ex-mandatário e que apoia o atual, Pedro Abad.