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1995. Ano do Centenário do Flamengo. A mídia esportiva em estado de excitação hormonal, o afetado Kléber Leite arrombando o cofre para montar um elenco estelar: Romário, Sávio, Edmundo, Branco, e outros bons coadjuvantes. Do outro lado, o indomável Fluminense, um rival castigado por dez anos de omissão e incúria, esforçando-se para recuperar sua imensa luz, sua sina de vencedor. Dez anos. Nunca jejuamos por tanto tempo. O Carioca era nossa capitania, reinamos nele por todo um século. Mas há inacreditáveis 10 anos não o ganhávamos. Aquele Carioca estava moldado sob medida para que a massa celebrasse, empurrada por uma mídia, a epifania de uma conquista épica. Tudo prontinho para que os fatos fizessem sua parte, mas os fatos têm humor próprio, são refratários a profecias de apressados. Principalmente quando os fatos precisam se sobrepor à aura de uma instituição única, cuja história foi marcada pela recusa ao impossível.

 
 
 

O Fluminense começou o Carioca com sua expectativas resumidas a fazer um bom papel no campeonato. A contratação do ganhador recorrente de cariocas, Joel Santana, fazia dessa esperança algo tangível. Lembro-me bem de uma matéria-clichê com personalidades do Rio sobre previsões para o Carioca. O Bismarck, que à época brilhava no Japão, cravou a resposta antecedida por uma pergunta: “Qual é o time que será treinado pelo Joel Santana? O Fluminense? Então o favorito é ele”. Profético como as sete pragas. Mas o Fluminense, com suas contas combalidas, faria ainda um esforço adicional para tornar o time competitivo em um campeonato com as cartas marcadas: a contratação do cracaço Renato Gaúcho. Aos 33 anos, e muito questionado por sua capacidade de ainda jogar no nível que o consagrou, o grande Renato estava em Búzios, passando férias, quando recebeu a visita do Alcides Antunes. O Fluminense devia três meses de salários, tinha um elenco pouco competitivo, apresentar ao craque uma proposta era no mínimo uma ousadia. E talvez essa ousadia, essa coragem de ser o Fluminense histórico quando os fatos teimavam em nos diminuir, tenha sido vital para que o futuro Rei do Rio aceitasse o desafio. Era o Fluminense, e com o Fluminense não se brinca. Havia mais, havia ainda a rejeição do Joel, que se recusava a trabalhar com o craque, temendo seu falso histórico de desagregador. Joel cedeu, e nesse gesto se inscreveu para sempre em nossa história, que é a mesma história do futebol brasileiro.

Chegamos à final desacreditados até pelos micos-leões de Silva Jardim. O adversário era obviamente o Flamengo, e não apenas o Flamengo das estrelas, era o Flamengo das estrelas precisando do empate. Nosso time, bem ajustadinho, era mediano. Uma defesa apenas razoável(Wellerson, Ronald, Lima, Sorley e Lira), onde o único destaque era o ótimo Lira. Um meio de campo que começava com um zagueiro limitado improvisado de volante, Marcio Costa; dois meias de bom nível, Djair e Aílton; e se completava com o bem mais-ou-menos Rogerinho, um Marquinho anos 90. Na frente, um esforçado Leonardo e…e…ele, o craque Renato Gaúcho. O resto é história. Ai, Jesus.

22 anos depois, 22 jogadores em campo, com o gol de barriga saindo depois de um placar 2×2, os 22 arcanos do tarot indicam que no próximo domingo o 22 regerá nosso destino, talvez aos 22 do segundo tempo. Fluminense Futebol Clube, por sinal, 22 letras.

A quem, por excesso de confiança, me toma por maluco, sem problema: assino embaixo a carteirinha 22.