A possibilidade de uma nova licitação acontecer interferirá diretamente no Fluminense. A coluna Época Esporte Clube, assinada por Rodrigo Capelo, da Revista Época, destrincha o imbróglio envolvendo o Tricolor e a Odebrecht e traz uma informação importante. Se o contrato de concessão for extinto, o clube carioca não terá direito a nenhuma multa.

O jornalista recapitula toda a negociação envolvendo o atual consórcio e o Flu, passando pelos aditivos contratuais, até a possibilidade de uma nova licitação, conforme notícia do jornal O Globo desta quarta-feira. Confira e entenda abaixo, na íntegra:

 
 
 

 

Fluminense e Odebrecht se enfrentam na Justiça pelo Maracanã. A batalha hoje se dá pelo jogo no estádio pela Copa Sul-Americana, contra o Liverpool do Uruguai, na noite desta quarta-feira (5). Na semana passada, o clube obteve liminar para fazer valer os termos do primeiro contrato que assinou com a construtora, favoráveis a ele. Nesta terça-feira (4), a empreiteira derrubou a liminar e fará com que valham os termos mais recentes, favoráveis a ela, estabelecidos em aditivo ao contrato original. O que está em jogo extrapola os custos da partida. O confronto judicial dita o futuro do Fluminense.

O contexto é razoavelmente complexo, então vamos recapitular. Em primeiro lugar, há outro confronto na Justiça, esse entre Odebrecht e governo do Rio de Janeiro, em torno do contrato de concessão do Maracanã. O ex-governador Sérgio Cabral descumpriu o que prometera à construtora, e há consenso de que o acordo está desequilibrado e precisa ser revisto. A empreiteira não quer mais operar o estádio, deficitário, e está em vias de repassar a concessão para a francesa Lagardère. Enquanto isso não acontece, a Odebrecht cede a operação do estádio pontualmente aos clubes que jogam nele, como Flamengo e Fluminense, para não gastar nem um centavo.

Em paralelo à disputa entre Odebrecht e governo do Rio está o confronto entre Odebrecht e Fluminense. O primeiro contrato entre as partes, assinado em 2013, era largamente favorável ao clube. Dava a ele as receitas pelos ingressos de 43 mil assentos, um camarote e quatro vagas no estacionamento. Em troca, o time tinha de pagar apenas as despesas da partida, enquanto as operacionais – água, luz, manutenção de gramado, entre outros – ficavam com a empreiteira. Isso mudou em 2015, quando Fluminense e Odebrecht passaram a rachar as receitas das bilheterias e de parte dos sócios-torcedores, porém com a mesma divisão vigente para as despesas.

O contrato é tão favorável ao Fluminense que fez o clube descolar do Flamengo, grande aliado recente em brigas com a federação carioca, em relação ao Maracanã. Os flamenguistas querem participar da administração do estádio e por isso defendem uma nova licitação, da qual sairia um novo contrato com novas regras. Isso seria péssimo para os tricolores. No contrato com a Odebrecht ficou estabelecido que, em caso de extinção do contrato da concessão – o primeiro que citamos, entre construtora e governo –, o Fluminense não tem direito a multa nenhuma. Logo, em vez de apoiar o Flamengo no lobby por uma nova licitação, o Fluminense sempre foi favorável à transferência da concessão da Odebrecht para uma outra empresa.

Há outras hipóteses previstas em contrato que dão direito ao Fluminense a alguma multa. A única para a qual há um cálculo estabelecido no documento, improvável de acontecer, prevê um valor astronômico ao clube caso a empreiteira rasgue o contrato sem motivo. Não é o caso. Outra cláusula permite que o clube peça a rescisão do acordo com a construtora caso ela descumpra as obrigações previstas por mais do que 30 dias. É o caso atual. Aí, sim, os dirigentes tricolores podem pleitear na Justiça “perdas, danos e lucros cessantes”, valores que deixaram de arrecadar com o Maracanã por causa dos descumprimentos. A cifra não está prevista no contrato, mas ao menos há base para pedir alguma coisa.


É aí que, de volta ao presente, a decisão mais recente da Justiça na guerra de liminares pelo jogo da Sul-Americana abre um precedente perigoso contra o Fluminense no futuro. Eduardo Gusmão Alves de Brito Neto, desembargador da 16ª Câmara Cível do Rio de Janeiro, determinou que o Fluminense terá de arcar com todos os custos – operacionais e decorrentes da partida – no jogo. Em linha com o aditivo que firmou no fim de 2016, quando topou abrir uma exceção para jogar a etapa final do Campeonato Brasileiro, e contrário ao que está estabelecido no contrato original, de 2013.

Mais grave para o clube é a lógica que o desembargador usou na justificativa de sua decisão. Diz Gusmão Alves de Brito Neto que os dois contratos – entre Odebrecht e governo do Rio e entre Odebrecht e Fluminense – estão “conectados”. Na visão do desembargador, o clube não pode exigir da construtora o cumprimento do contrato original uma vez que o contrato entre a construtora e o governo está em desequilíbrio. Se esta interpretação prevalecer na Justiça, o Fluminense terá problemas ao cobrar qualquer tipo de multa ou reparação da Odebrecht, cujos advogados apontarão para o governo e o culparão pelos descumprimentos que cometeu. Para um clube em condição financeira delicada, dependente do Maracanã para faturar com bilheterias e sócios-torcedores, um provável confronto judicial com a empreiteira atrás de alguma reparação acaba de complicar.