O futebol é realmente intrigante. Muitas são as vezes em que um individuo de qualidade duvidosa chega ao apogeu repentinamente. Mas também constam as vezes em que o candidato de qualidade cai no ostracismo antes mesmo de ganhar seu espaço. Estes dias abrimos as páginas dos onlines e vimos um jogador Tricolor, cria da base, que saiu pela porta dos fundos, visto como um atleta em potencial no vitorioso Barcelona, da Catalunha. Sim, o “Moleque de Xerém” iniciou uma partida como titular, anulou o ataque do atual campeão inglês e viu o jornais espanhóis o compararem ao “monstro” Thiago Silva. Não repararam? É o Marlon, aquele que a torcida escarniçava sempre que ganhava uma oportunidade. Esses mesmos torcedores, que se orgulham da base mais produtiva do futebol brasileiro, que adoram ver a garotada em todas as seleções de baixo, são os que nunca consideraram esse mesmo atleta um menino de ouro. Mas ele é.
Tive o prazer de acompanhar a subida de Marlon aos profissionais. Lembro que muitos foram os jogos da base em que ele fez a cabeça de área. Acho até que era sua posição de origem, mas uma hora recuou. Talvez pela altura, o estilo mais cadenciando, houve um estimulo para que se tornasse um zagueiro de classe. Sem problemas, ele foi pra cozinha. Problema aliás é um conceito que passa longe pelo comportamento de Marlon. É um cara religioso, de poucas palavras, sem penduricalhos exuberantes. Um sujeito que treina, que não retruca, não busca polêmica. Ou seja, um jogador que a torcida não gosta.
Por coincidência, Marlon tem parentes no mesmo bairro que eu. Um dia fui ao barbeiro que frequento há décadas, de maneira religiosa, e ouvi mais uma das histórias que fazem parte do deleite de se ter um barbeiro amigo de longa data. Marlon esteve por lá, com seu tio que mora na região, e foi só sorrisos. Foi como um moleque que simplesmente acompanhava um tio e resenhou de maneira comum com nossos velhinhos das tesouras, mesmo já sendo um profissional do Fluminense. E olha que a barbearia vive um clássico constante, com membros torcedores de todos os rivais do Rio. Mas Marlon foi unanimidade em carisma e tranqüilidade. Nunca troquei essa ideia com ele, mas o papo dos coroas foi apenas um: “se for pelo cara que é, esse garoto tem futuro”. Me indagaram se eu concordava, pelo tempo em que trabalhamos juntos, e a minha resposta positiva foi inevitável. Mas a torcida não gosta de jogador de bem, jogador humilde. Não digo de origem, mas de humildade profissional. Do tipo que ganha fama pelo trabalho, e não pelos brados botequeiros que inflamam os famigerados torcedores ávidos por um planejamento que tanto primam em destruir.
Pois bem. Com esse jeito pacato e com trabalho duro, Marlon continuou à disposição. Mesmo sem oportunidades, foi observado. E mesmo pouco atuando, foi abraçado pelo Barcelona. E com um mundaréu de cláusulas. Se joga tantos jogos, vale mais tanto. Se é relacionado para mais tantos, mais dinheiro. Se fica tanto tempo no time A, desce grana. Nenhuma surpresa, apenas mais um emaranhado indecifrável nos propinodutos das negociações de atletas brasileiros. Para todo mundo, apenas mais uma experiência na Europa. Mas para Marlon uma oportunidade de vida, talvez a oportunidade de ganhar o seu primeiro abraço, aquele que a torcida Tricolor não quis lhe ofertar.
Agora a promessa deve render alguns milhões ao Fluminense, talvez uns 10% do que renderia se lhe fosse reservada mais um pouco de paciência. Mas quem liga? O negócio é cornetar o Gum, elogiar qualquer reforço que chegue e um dia dizer pra todo mundo com orgulho que Marlon é cria do Tricolor. Pelo que o conheço, ele vai sorrir e agradecer sempre ao clube que o formou, mas que não teve a oportunidade de fazer história. Ainda bem que alguém lúcido percebeu esse talento mesmo diante de tanta invisibilidade. Já que no fantástico esquadrão de guerreiros Tricolor ele não coube, para a alegria do futebol, no humilde elenco do Barcelona ele tem vaga.