Presidente desfocado
Peter Siemsen concede entrevista coletiva nas Laranjeiras: presidente “desfocado” – Foto: Nelson Perez / FFC

Como adiantado no subtítulo do texto, o conceito de fama e idolatria é sempre oriundo de segundos e terceiros. Todos nós podemos fazer por onde, mas nunca seremos os expectadores de nossos feitos. Portanto, a avaliação conjunta de quem nos observa, e também é atingido por nosso alcance, dimensiona a importância de nossos legados, de nossas atuações.

Esta semana, o excelentíssimo presidente Peter Siemsen declarou, em entrevista à Rádio Globo, que “quem mais trabalhou pelo clube sem nenhum objetivo pessoal” foi ele. Uma declaração que fez parte de um posicionamento forte, cheio de argumentos e em resposta a um comentarista da emissora que, segundo o presidente, seria de “oposição”.

 
 
 

Peter parecia um pouco irritado com as declarações do tal “oposicionista”, o que pode justificar tal posicionamento. Penso nessa desculpa, pois acho que ele também pensou. Se colocar em tal status de grandeza particular não condiz muito com a filosofia de gestão profissional que Peter sempre tentou apresentar, e convencer, como proposta nas Laranjeiras.

Declarações do tipo são a cara de Eurico Miranda, do já falecido Juvenal Juvêncio e de tantos outros “cartolas” que fizeram parte a mítica época amadora dos clubes brasileiros. Uma gama de indivíduos que, em boa parte, enriqueceram cem vezes mais durante suas gestões e deixaram as instituições com rombos financeiros inexplicáveis, que precisarão de reencarnações para, talvez, serem costurados. Mas Peter não precisa de dinheiro, e nem nunca pareceu ser corrupto em qualquer situação. Então o que ele precisa? Talvez ele precise de uma “cartola”.

Todo posicionamento que conduz o engrandecimento próprio vem carregado de certa fragilidade. Ou o indivíduo necessita de auto-afirmação, ou precisa provar algo a alguém(s). Prestes a deixar o posto em definitivo, o presidente se vê em um momento de grande questionamento sobre seu trabalho. E pior, não possui um substituto para passar o trono.

Peter e mario
Mário e Peter: a corrida acabou antes da passagem de bastão – Foto: Nelson Perez / FFC

Muito se falou no advogado “pequeno príncipe” para a passagem do legado. Mas parece que as relações entre ambos estremeceram antes do esperado. Para a história de Peter, ainda bem. Lembro-me de quando o ex-vice presidente de Futebol, Sandro Lima, foi destituído do posto. O então dirigente possuía um contrato de sua empresa com a Unimed, patrocinadora do clube. Parece que a relação era até mais antiga que a estada no cargo, mas causou um reboliço interno inesperado quando veio à tona. Numa atitude extremamente nobre, e raríssima entre qualquer ocupante de cargo diretor no futebol brasileiro, Sandrão (como é carinhosamente conhecido) se reuniu com o presidente e entregou o cargo. Não fui eu quem construí a nota oficial de desligamento, mas acompanhei o desenrolar de todo o posicionamento de perto. Tempos depois, o possível recebedor do bastão de Peter apareceu nas páginas de O Globo com um salário de cerca de R$99.000,00 (segundo a reportagem) pagos pelo clube e, pasmem, nada se fez. Sim, ele ocupava o mesmo cargo de vice de Futebol, mas nada se fez. E não se podia fazer. Ele já estava em campanha intrínseca ao mesmo tempo. Mas, como eu disse antes, o volúvel presidente brigou com seu “pupilo” e salvou uma parte de sua trajetória no clube, mas ficou sem candidato para coordenar. O que há de comparativo nas posturas? Peter está perto de sair dizendo que “trabalhou” mais que os outros. Sandrão saiu sem dizer que era mais do que ninguém.
(Não levo em consideração se havia motivos ou não para a saída, ou se houve qualquer transgressão. Apenas exemplifico as posturas públicas diante dos tropeços.)

Obras CT
Obras do CT capitaneadas por Pedro Antônio: mais um milionário nas engrenagens Tricolores – Foto: Nelson Perez / FFC

Bem, alguns vão dizer que o querido “jardineiro” Pedro Antônio está aí para tal candidatura. Mas em primeiro lugar, a saúde é frágil demais para tanto drama. Em segundo, ele próprio sabe que não conseguiria implantar sua forma extremamente metódica e gerencial no Fluminense. Teria que mandar mais da metade dos funcionários do clube indicados por conselheiros (sendo alguns filhos, sobrinhos e bla bla blas) embora para profissionalizar minimamente todos os departamentos. E em terceiro, a experiência com um milionário no comando não agradou a ninguém. Milionários são muito difíceis de comprar. Peter pode ter cedido à pressões em alguns momentos, mas nunca se rendeu a acordos inescrupulosos. Pedro Antônio também é rico, porém quase um Buda. Não tem grupinho de sócios certo que o remexeria. Seria inexorável. Mais um que “trabalharia mais que os outros” sem ouvir muito de ninguém.

Jackson - Palestra
Jackson Vasconcelos em palestra no evento Universidade Tricolor: o ex-diretor falhou na transmissão de sua articulação ao presidente – Foto: Bruno Haddad / FFC

Mais curiosa ainda na declaração do mandatário é a posição oposta a todo aprendizado compartilhado com seu ex braço direito, o articulador político Jackson Vasconcelos. Um dos indivíduos mais estratégicos que conheci, em todos os ramos do conhecimento. Imagine um cartola estudado, que não berra, que não impõe acordos, mas que os conquista com alguns malandreados almoços. Um indivíduo de declarações extremamente pensadas, que constroem um ponto em uma teia que vai sempre além. Esse é Jackson. E ele tentou passar muito disso a Peter. Não coloco em questão suas intenções, mas não posso negar sua capacidade de administrar a fúria do presidente em vários momentos. Mas ele se foi (mais ou menos), e o controle de Peter também.

Os feitos do atual mandatário são inegáveis, como a diminuição de diversas dívidas de décadas anteriores de total promiscuidade, mas muitos são simplesmente parte de suas atribuições. Se vangloriar de pagar suas contas é um vergonha que os dirigentes brasileiros teimam em berrar por aí. Peter, com a gestão que sempre bradou, deveria tratar tal postura apenas com normalidade. O Centro de Treinamentos é em um terreno doado, ou seja, a obrigação é construir ali. Tratar bem categorias de base é um dever básico. A imundice que o Vasco fez com a garotada em Itaguaí é que é coisa de se bradar, de se escarnecer cartola. Fazer o que o Fluminense faz é construir a já citada “teia” para a entrada de milhões com Gersons, Nens, e Marlons da vida. Nada de beatificação de dirigentes por isso.

Ainda assim, o presidente tem todo o direito de achar que é o melhor que já passou pelas Laranjeiras. Mas isso fica bom para ser dito no almoço em família. Na história do clube, quem vai dizer serão os torcedores, os eleitores. E numa torcida em que compositor e advogado tapetudo ganham bandeirões, se ele não conseguir o seu é melhor guardar sua idolatria própria para os bate-papos nas suas suadas férias de “ trabalhador” em sua mansão em Miami.