O momento é péssimo em campo. A presidência sofre o maior índice de reprovação interna de seus dois mandatos. A gestão está longe de apresentar resultados eficientes. Sim, um caldeirão de emoções. O cume? A intempestividade da torcida. Mas até que ponto a cobrança vira baderna? Até que ápice o amor chega ao transbordo convertido em destruição do patrimônio? Até quando a ameaça fará parte da cultura que a justifica pela paixão?
Nos últimos dias, jovens torcedores tentaram invadir o clube (ou meio que conseguiram) em sinal de protesto contra o atual momento do futebol tricolor. Em sua maioria, adolescentes sem muita organização e contexto, mas violentos. Dias depois, nova tentativa de invasão e pedradas. Não é uma exclusividade da torcida do Fluminense, mas, em Laranjeiras, choca. Talvez pela instituição possuir uma classe intelectual e polida extremamente contundente, talvez a mais expressiva entre todos os clubes brasileiros. Apesar dos tempos modernos difíceis, os ares burgueses ainda pairam pelas dependências do clube aos fins de semana. Mas mesmo com todas essas pompas, em relação ao episódio, pouco se falou. Aliás, pouco se fala não é de hoje.
O cenário atual me lembra bastante o de 2013. Estive presente na reunião que definiu a saída de Abel. Não digo queda, mas sim saída. A coisa acabou se dando de maneira cortês e proporcionou um episódio de despedida marcante na história do futebol brasileiro. Participei disso, mas confesso que a boniteza não contribuiu muito para o decorrer da temporada. E a torcida, como sempre inconformada, aplaudiu tal mudança. E Abel, teoricamente, é um ídolo. Imagine com Levir. É bico sem pensar. (Não avalio aqui o desempenho do treinador, apenas o nível de consideração dos torcedores por ele)
Faço tal comparação para ilustrar o quanto essa influência louca mexe com a estratégia da direção clubística. Mexe? Fui muito sutil. Na verdade, ela aniquila qualquer estratégia. No mesmo 2013, veio Luxemburgo. Por conta da pressão nas Laranjeiras, ele definiu concentrações de dias nos lugares mais variados. Foram dias em Atibaia, depois mais dias no sul do Brasil (boa parte deles na gélida Serra Gaúcha) e outros mais no Nordeste. No intervalo dos jogos, nada de voltar ao Rio. Para no meio e concentra. O resultado foi uma total desmotivação. Não só dos jogadores, mas de todos nós componentes. Ninguém gosta de ficar longe da família, de casa, com a vida em uma mala. E ainda assim, mesmo em um tour pelo Brasil, sob pressão.
As coisas só pioraram. Quanto mais tempo o time ficava fora do Rio, mais descia ladeira abaixo. E na ocasião, o problema não era imposto pela falta de estádios (mesmo já existindo algumas partidas vendias para o pessoal das arenas), mas sim pela pressão anárquica da torcida. No ápice do perigo eminente, quando vínhamos para o Rio, começamos a descer dos aviões em plena pista de pouso. O saguão estava tomando por “apaixonados” torcedores que representavam uma ameaça real. E vejam só, muitos eram os mesmos que nos carregaram em seus braços no ano anterior, chorando pela conquista do Brasileiro de 2012. E sim, eram eles.
Boa parte desses incendiários torcedores é “prata da casa”. Vivem pelo clube, cobram, recebem atenção, discordam de tudo e de todos, ameaçam. O atual presidente criou um cargo na época, o de Gerente de Arenas. Impôs uma política mais restritiva em relação aos ingressos. Nós, da Comunicação, trabalhávamos na mesma sala do Marketing, que coordenava essa questão. Nós presenciávamos sim um controle maior que sufocou a farra dos ingressos. Então o modelo estava implantado e tinha tudo para evoluir, certo? Nada! “Pode acabar com essa babaquice de síndico de arenas aí senão vai dar ruim”, essa foi a mensagem subliminar. A estratégia foi aniquilada na bronca. E eles voltaram a sugar.
Tamanha ousadia é tão destemperada que transborda os limites do desgosto com o futebol ou dirigentes. Torcida ataca torcida também. Já vi da beira do campo, e mais de uma vez, uma organizada invadir e agredir membros de um outro movimento da torcida nas arquibancadas. Um mar de gente em desespero. O tal Movimento sempre nos pareceu extremamente pacífico, cheio de crianças, mas cometia um crime imperdoável: apoiava o time mesmo nas horas difíceis. Sim, o time mal e eles não paravam de cantar. E isso atrapalhava as vaias e xingamentos da outra organizada. Então, porrada neles. Mas e as crianças? Para membro de organizada, estádio não é lugar de criança. No fim, a constatação básica era a de que o time se livrar da queda era uma questão secundária. O mais valoroso naquele momento era impor o respeito, o domínio, de um bloco composto por indivíduos extremamente perigosos, com pouquíssimos sócios, mas com mais benefícios do que qualquer um destes. Eles só queriam provar que mandato democrático não dá poder a ninguém.
Esse meu cruzamento de momentos serve para ilustrar a injustificável postura agressiva de qualquer torcedor. Convivi nos vestiários um bom tempo e afirmo: jogador não muda postura nenhuma por conta dessa conduta arbitrária. Podem escrever isso no manual do torcedor de vocês, eles cagam. Isso só aumenta o desprendimento, o ódio e o descompromisso deles com o trabalho. Se o servidor comum faz greve o tempo todo, imagine sujeitos com a quarta série fraca, porém milionários. Outra: a revolta não quebra catracas, quebra o patrimônio do clube. O prejuízo nunca será de dirigentes ou atletas, mas sempre do Fluminense FC. Última: quem apóia marginal, marginal é. Assim como o usuário financia o tráfico de drogas, quem apóia a incitação da violência apóia o crime. Todo esse conjunto só propaga uma instabilidade avassaladora. E como todo mundo sabe, a atual gestão já é instável na calmaria, imagine no desespero. Em 2013, rolou Luxemburgo, Dorival, Marcelinho. Hoje, está para pintar um mediano Romero por cerca de “míseros” 23 milhões de reais (!!!!). E a balburdia é o combustível mais puro para promover toda essa insanidade.
Depois, na Série B, o elenco todo vai embora e fica só o clube quebrado e a torcida (e seus desgraçados invasores) sem vergonha na cara.