Ricardo Drubscky concedeu entrevista ao Jornal Lance e abordou diversos temas. O principal deles, a cultura imediatista do futebol brasileiro quando ao trabalho dos treinadores. Defensor de um projeto a longo prazo, o novo técnico do Audax-SP expôs suas ideias, falou de sua saída do Fluminense e afirma não aguentar mais rodar em tantos clubes em um curto período de tempo. Veja na íntegra:
O que te atraiu no projeto do Osasco Audax para 2015/16?
Justamente o projeto. Na verdade é porque há um projeto aqui, uma ideia de médio e longo prazo para ser executada, e isso nesse momento me motiva. Essa ciranda que está no futebol brasileiro tem me dado um pouco de tristeza, então eu preferi dar uma atenção a esse tipo de trabalho. Isso é o que me trouxe.
Estou certo em dizer que você cansou da ciranda de técnicos em nome de um trabalho longo?
É isso. Eu não vou dizer que estou imune a um convite interessante, é lógico que quero estar na grande vitrine, em grandes projetos, mas estou muito decepcionado com a maneira que está se conduzindo o futebol brasileiro. O futebol brasileiro está doente, e eu estou muito chateado com o que vejo. Por mais que a gente olhe, a gente não enxerga o que está acontecendo, e ninguém consegue agir de maneira diferente. Às vezes acontecem milagres e as pessoas caçam essas soluções. Isso está me deixando um pouco decepcionado e confuso. Será que esses mais de 30 anos trabalhando são para chegar nessa solução? Não pode! Acredito em futebol trabalhado, em futebol organizado, bem gerido, em que você vai construindo e não inventando. Isso tudo me faz dar uma refletida e uma desviada para esse projeto, na tentativa de encontrar uma coisa diferente, na qual acredito.
O Fluminense, seu último clube, teve mais de 50 técnicos no século. Essa rotatividade ajuda a derrubar o nível do futebol?
Não só o nível técnico do nosso jogo, mas tudo o que gira em torno do futebol: gestão, qualidade do espetáculo, calendário. A partir do momento em que a comunidade do futebol não valoriza o trabalho do treinador, todo o resto é mal feito, porque tudo devia girar em torno disso. Na Europa se valoriza muito os grandes treinadores, os grandes trabalhos, valoriza-se muito a manutenção do trabalho, e aqui são dois ou três meses. Estamos na contramão do que deve ser feito. A partir do momento em que a gente respeitar e credibilizar o trabalho do treinador, muitas medidas vão se desencadear em favor do futebol. Os clubes quando demitem seus treinadores estão dando um grande tiro no pé. Não defendo que maus trabalhos devam perdurar, mas já fizemos tanta bagunça no futebol brasileiro que hoje você não consegue separar o bom do mau trabalho. Precisamos frear essa impulsividade do mercado. Hoje tem clubes com o sexto treinador no oitavo mês, isso é absurdo, chega a ser chacota.
A circunstância do resultado é que faz os clubes mandarem técnicos embora. A responsabilidade é dos gestores?
Nós temos bons executivos do futebol aí, profissionais que estão se qualificando. Mas existe outra instância acima deles que realmente manda no futebol, mas não têm esse conhecimento. E a gente fica à mercê dessa avaliação para dizer se o trabalho está bom ou ruim. Nosso trabalho é medido por essas pessoas, então elas medem só resultado. Não há tempo para um trabalho bom virar mesmo sem resultado. Tivemos o episódio de que um jogador do Vasco disse no início do Brasileiro que a ideia era um trabalho de manutenção e o Eurico Miranda falou “absurdo isso, de jeito nenhum, temos que ser campeões”. Todos os clubes querem ser campeões, mas hoje está aí o Vasco brigando para sair do último lugar. Nós não admitimos a derrota no futebol brasileiro. Eu, no Fluminense, fui criticado por parte da mídia e por uma parte da torcida porque disse que não poderíamos reivindicar favoritismo ao título porque estávamos em uma fase de transição. Aquilo ali caiu como uma bomba. Eu não vim para perder, poxa. Estava apenas pregando, como bom mineiro que sou, um início de trabalho com cautela. Mas isso é pecado…
É possível fazer um paralelo disso com a sociedade brasileira? Nosso complexo de vira-latas?
Nós somos uma sociedade relativamente jovem em termos de conhecimento da democracia, e além de sermos democráticos entre aspas somos um país que desenvolveu muito bem o jeitinho. Isso tem sido um perturbador muito grande para o equilíbrio da nossa democracia. Temos uma sociedade com muitas diferenças, e dentro dessas diferenças algumas camadas alcançam privilégios, o que dificulta o encontro de uma solução. Nossa democracia é meio torta, porque privilegia os poderosos. Então claro que isso tem a ver, porque somos uma sociedade ainda meio adolescente para já estar sabedora do que faz. Somos muito maleáveis com o cumprimento das leis, dos contratos…
Agora olhando para o outro lado: o treinador brasileiro é defasado sobre tática de jogo?
Isso aí é complicado dizer. Nós estamos dentro de uma cultura de jogo que tem uma maneira específica e vem desenvolvendo profissionais com determinado perfil, entende? Mas, por outro lado, já há ilhas de conhecimento tático. Hoje vemos o Roger Machado (do Grêmio) falando de uma maneira fantástica. É jovem, mas fala de maneira conceitual, inteligente. Ele vai ser top do mercado e um dos nomes brasileiros que vão despontar lá fora. Não digo isso pelos resultados do Grêmio. Esquece resultado. Mas para a maneira como ele fala. Outro: o Tite, esse mais coroa, mas que acordou para o negócio, e também é um treinador conceitual. Estamos vendo algumas ilhas. Vamos ver se o Mano Menezes agora quando voltar, vamos ver o Doriva, que está despontando de uma maneira esperta, vamos ver o Eduardo Baptista, outra ilha de treinador moderno. Vamos ver se isso pega para poder irradiar. O conhecimento está aqui dentro do país. Não precisamos ir lá fora tirar foto com treinador estrangeiro e dizer que fez estágio, não. Essa semaninha não vale porra nenhuma, você não vai pegar nada, só vai tirar foto. Eu gostaria de ir lá tirar foto com o Guardiola, porque ele é um ídolo, mas eu não passaria para jornal, colocaria num porta-retrato em casa, como eu tenho com Telê Santana, Antônio Lopes, Hortência, Fagner, meus ídolos.
O Sampaoli nunca treinou na Europa e é um técnico moderno…
Pois é. Ele não atravessou o mar. O conhecimento está todo disponível aqui, e já temos muita gente boa trabalhando. Agora precisamos fazer isso virar uma escola de jogo organizado, com fair-play, ofensivo, e implementar conceitos modernos, como compactação, vai e vem, intensidade, posse. Eu não tenho dúvida de que se a gente implantar esse trabalho fazemos uma porrada de Barcelona dentro do Brasil.
Outro problema por aqui tem sido a assimilação de conceitos, como o rodízio do Juan Carlos Osorio no São Paulo. Isso é realmente um fator que existe?
Se o São Paulo contratou o Osorio, contratou uma filosofia de trabalho. Se está havendo problema, o dirigente tem que bater no peito e garantir o cara. Isso facilitaria muito o trabalho, porque o que a gente vê é a fragilidade do treinador. Aí o que acontece? Imprensa, torcida, jogador, todo mundo acha que o treinador vai cair. Aí o treinador acredita que também vai cair. Já chegou até bilhetinho dizendo que ele vai cair. Eu já fui dirigente, sei no que isso implica. Ou então não contrata o Osorio. Ele não vai ganhar todos os jogos, não é assim. Eu fico abismado de ver. Então contrata um cara daqui, que é demitido, pega as coisinhas dele e volta para casa. Mas mandar embora o Osorio tem que pagar passagem internacional, desfazer contrato internacional, tira o cara de um país, filhos têm mudança de vida. Falta aos clubes brasileiros acreditarem no projeto que contratam. Eu lamento muito pelo Osorio, pelo Gareca, pelo Aguirre. Mas aqui é assim. Dos treinadores que são considerados ídolos isso só acontece porque ganharam, porque se perdessem não seriam. Treinador brasileiro precisa ter sorte de no início do trabalho só ganhar. Se não for assim ele se lasca.
Por que não deu certo seu trabalho no Fluminense?
Eu, sinceramente, estou de saco cheio de falar do Fluminense. Eu perdi para o sistema, perdi um round para um sistema que está com problemas, está doente. Mas não perdi a guerra, então vida que segue. Não tinha um aproveitamento ruim, pelo contrário, mas houve uma precipitação muito grande, e isso tudo o que a gente abordou tem a ver com minha saída.
Por tudo isso, como recuperar a escola brasileira de futebol que você citou, no caso do Telê?
Precisamos caminhar em busca disso. Estamos trabalhando em um projeto na CBF há oito ou nove anos, que é uma escola de treinadores. É um começo, uma tentativa de disseminar conceitos de uma escola, que é algo que vem se deteriorando ao longo dos últimos 40 anos. Veja a Copa de 1958, o toque de bola. Esse brilho se perdeu e estamos tentando reconstruir com nova roupagem.