Em 1995, o Fluminense, em meio a muitas dificuldades financeiras, venceu o Flamengo em uma final de Campeonato Carioca histórica. O adversário jogava pelo empate e segurava o 2 a 2 até minutos finais quando Ailton arrancou pela direita, deu dois dribles em Charles Guerreiro e bateu para Renato Gaúcho, de barriga, fazer o gol do título. Autor da jogada e do gol na súmula do árbitro Léo Feldman, o ex-volante recorda a campanha histórica.
Além da dura disputa em campo, o lado financeiro se fez presente em toda a disputa. Com salários atrasados, os jogadores tricolores precisaram driblar as adversidades. Ailton lembra como foi.
– Esquecemos a parte financeira e focamos no objetivo. Fizemos um planejamento de ajuda entre nós. Renato pagava boletos bancários. Eu e Djair ajudávamos com gasolina e outras questões como passagens de ônibus. Tínhamos uma condição financeira um pouco melhor. Esquecemos os problemas, salários e focamos na luta pelo título. Isso fortaleceu o grupo e até protegeu a própria diretoria. Sabemos que todo trabalhador é digno do próprio salário, mas quisemos focar no objetivo de ser campeão. Isso, inclusive, ajudaria o clube a ter mais receitas e pagar as dívidas – disse.
Na caminhada, o Fluminense também teve alguns resultados ruins e precisou até a contar com outros resultados.
– Sim. Teve um momento em que quase ficamos fora. Tivemos um 0 a 0 com o Vasco em que tínhamos de ganhar, mas a combinação de resultados ajudou. Chegamos na fase final bem atrás em termos de pontuação dos demais, mas foi um grupo de muita luta. Quando fala apenas do gol do título apaga muita coisa que aconteceu. Além da parte financeira, tivemos tropeços e seguimos de pé. Tinha uma liderança no grupo que não deixava o espírito cair. Essa troca de ideias fez o Fluminense acreditar mais ainda. Foi isso. A união, a parte tática muito bem cumprida. Tudo isso ajudou – conta Ailton.
A torcida rival, na véspera da decisão, também tentou desestabilizar o elenco tricolor. Ailton lembra até do foguetório feito pelos flamenguistas no hotel da concentração do Fluminense. Porém, os rubro-negros não encontraram a delegação das Laranjeiras por lá.
– O que pouca gente sabe daquele jogo é que estávamos no hotel em Ipanema e um rapaz chegou para o Joel e disse: Se fosse vocês sairia do hotel. Está vindo uma galera soltar fogos por volta das duas da manhã. O Joel resolveu acreditar. Disse que o grupo ia para o cinema e voltava mais tarde. Fomos para outro hotel. Dormimos no outro hotel e voltamos no dia seguinte para almoçar. E de fato a queima de fogos ocorreu. Duas da manhã disseram que parecia que ia cair o prédio. Pessoas de idade passando mal. Felizmente não estávamos no hotel. Esse informante nos poupou de um grande transtorno. Se o grupo tivesse enfrentado uma noite sem dormir, ia ser muito ruim. Ficou marcante pra gente. Saímos na frente mais uma vez – diverte-se.
Na final em si, o adversário possuía um time bem mais badalado. Grandes nomes como Romário, Sávio e Branco estavam do lado contrário. O Fluminense, porém, não se abalou.
– Eles tinham o ataque dos sonhos. Para nosso grupo foi tipo David e Golias. Flamengo com jogadores de nome e a gente com um time modesto, porém bem treinado. Era um jogo que a força tinha que vir de dentro, com superação, sabíamos da importância de vencer o Flamengo no centenário. Não podíamos dar brecha, eles conseguiram o empate, mas nosso terceiro gol foi um prêmio para toda a luta, batalha que tivemos. Nosso time taticamente era perfeito e esse time forte deles premiou isso tudo. Eram nove anos sem títulos no Fluminense. Saiu matéria dizendo que não valíamos 10% da canela do Romário e isso nos deu força. Pensamos: Será que somos tão ruins assim? E hoje, 20 anos depois estamos falando do título do gol de barriga. Não tem coisa melhor. Vou dar a brecha pro Renato de dividir com ele o mérito do gol, mas na súmula foi meu. Mas quem não conhece o Renato acha que ele é metido. É totalmente o contrário. O que ele fez no grupo foi 80% do título. Ele chorou no último treino antes do jogo. Começou a falar e chorar. Todos se abraçaram, choraram. E fomos premiados. Era um grupo de vencedores. Gente acostumada a ser campeã, mas sem muito nome. E nós conseguimos – recorda o ex-volante.
E o lance mais emblemático daquele jogo e do Estadual em si? Ailton brinca até hoje com Renato Gaúcho sobre a autoria do gol.
– Antes de acontecer a situação do gol, cheguei para o Djair e disse que só tinha um jeito de fazer o gol. Disse para ele tocar em mim que ficaria aberto pela ponta e sairia driblando. Quando ele tocou no Ronald, que o Ronald passou a bola para mim eu simplesmente não entendi. Estava já dentro da área. Preparei para chutar, o Charles veio, cortei para um lado. Ele fechou. Cortei de novo. Ele fechou. Aí não tinha mais como. Dei outro corte e chutei. Chutei para o gol para fazer o gol direto, mas a bola resvala no Renato e entra… (risos) Na súmula o gol é meu. O Léo Feldman, árbitro daquela final diz que o gol é meu. Renato fica até irado com isso. Mas estou brincando. Vou dar um desconto para o Renato e dizer que o gol é nosso – afirmou.